Viste aquilo, tio ? Comecei no mei…

Podes parar já aí! Este texto, hoje, não é para ti. Não é feito de fintas, de gincanas com guinadas sem volante, de um rasto de adversários cheios de sardas, a compor as pintas nas peças de dominó derrubadas.

Não é feito de bolas coladas no pé, de remates curvos e arrogantes, que fogem sempre aos guarda-redes. De ooooooooohs e vénias demoradas, atiradas do alto da cratera do Camp Nou.

No máximo poderia ser do teu amigo, que te passou tantas bolas. Que te isolou em tantos dos teus golos. Aquele que mais tempo foi o quase-melhor do mundo, enquanto tu e o Outro nunca se ficavam por aí: era sempre um ou o outro. Ele que precisava de ter também um pouco do seu falso gémeo, um tal de Iniesta, e não estares tu no meio para atrapalhar.

É um quase não pejorativo. É ainda menos que um quase, um quase quase tão pequeno como o seu nome.

Xavi, tantas saudades tuas vamos ter!

Podia até escrever frases mais longas, para chegar à felicidade de ver Pablito a tocar el balón mais uma vez. En la cancha de River. Por ver a bola de novo apaixonada nos seus pés, a insinuar-se, antes de voltar a outro. A um Kranevitter qualquer.

Mas não, hoje não ultrapasso fronteiras. Não deixo o distrito. Quase nem saio de Queluz de Baixo.

Como não, tio? Não viste? Foi um, foi dois, foi três…

Não, homem! Às vezes, épico é estar mal e virar-se a si próprio do avesso. É perder um jogador com um vermelho, acumular erros atrás de erros, ficar dois golos atrás e ainda acreditar que é possível. É ver um guarda-redes, que mal consegue andar, voar para um penalty. E a assustar, pelo menos, os outros que assinaram a folha de presença dos 11 metros.

É ver a defesa a desabar e reconstruí-la. É puxar um meio-campo afundado de novo à superfície. Motivar um ataque descrente que mais cedo ou mais tarde a primeira bola vai entrar. E depois a segunda, mesmo que já se queimem os descontos.

Ver a multidão a começar a descer nas bancadas e não baixar também os braços.

É ter fé que é possível resistir no prolongamento, mesmo com menos um, e ainda ter força para acertar todos os  penalties.

No estoy seguro de entender, tio. Do meio-campo, junto à linha lateral. Passei um, dois, três, quatro, já não sei quantos mais. Fintei para dentro, rematei. Foi só um dos meus vinte melhores golos, mas deixa lá...

Ainda não percebeste, Léo! O giro mesmo é fazer isto sem ti. Só com a cabeça e o coração, e com uma fé que move montanhas e é capaz de dobrar a lógica.

Nem eu nem o Sporting precisamos hoje de ti, rapaz!

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA»  é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol, e é publicado de quinze em quinze dias. Pode segui-lo no  FACEBOOK  e no  TWITTER . O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.
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