CAMINHOS DE PORTUGAL  é uma rubrica do jornal  Maisfutebol  que visita passado e presente de determinado clube dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá cada vez mais a nossa atenção.

GRUPO DESPORTIVO PAMPILHOSENSE: Divisão de Honra da Associação de Futebol de Coimbra

À volta do Municipal da Pampilhosa da Serra, o negro tom de luto tinge uma paisagem desoladora. À destruição não escapa o próprio estádio: quase metade do piso sintético está queimado, tal como uma das balizas; há marcas do fogo nas bancadas e em redor do retângulo de jogo.

Pelos Caminhos de Portugal encontramos um clube a tentar renascer das cinzas, uma vítima mais dos incêndios de 15 de outubro que afetaram a zona Centro do país.

Mais do que pelo quinto lugar na Divisão de Honra da Associação de Futebol de Coimbra, o Grupo Desportivo Pampilhosense, fundado em 1946, merece destaque pela tenacidade da sua gente.

Gente como Jorge Ramos, 34 anos, treinador-adjunto da equipa sénior e bombeiro voluntário, que naquele domingo foi a casa tirar o fato de treino para vestir a farda e defender a sua terra das chamas.

«Fomos jogar a Oliveira do Hospital (a casa do líder do campeonato) e tivemos de regressar por atalhos porque estava tudo a arder… Alguns atletas nossos ficaram retidos no caminho, sem poderem voltar para casa. Durante o regresso o presidente do clube (adjunto do comandante da corporação de Bombeiros Voluntários da Pampilhosa) ligou-me a dizer que o incêndio tinha entrado no nosso concelho e não havia meios disponíveis. Foi chegar a casa tirar o fato de treino e vestir a farda. Dei um beijo ao meu filho de quatro anos e fui para o fogo», começa por relatar Jorge, que é também funcionário de uma ótica.

Jorge Ramos, treinador-adjunto do Pampilhosense e bombeiro voluntário

Aquele incêndio tinha uma dimensão nunca vista. «Fomos para o estádio e quando lá chegámos a baliza junto ao topo norte estava a queimar. De um momento para o outro uma língua de fogo invade o piso sintético e provoca um fumo negro tão espesso que durante uns dez minutos não víamos nada à frente e nem sequer conseguíamos sair dali. Até que as chamas começaram a bater num depósito de gás… Eu e os meus quatro colegas ficámos cerca de um minuto calados dentro do carro de bombeiros, a pensar que se aquilo rebentasse a nossa vida podia acabar ali… Felizmente, conseguimos sair e fomos combater as chamas para outro lado. O incêndio no estádio acabou por apagar-se por si.»

Clube dependente da solidariedade dos adversários

O relato impressionante é corroborado por João Neves, presidente do clube que acumula com as funções de adjunto do presidente da Câmara Municipal e do comandante de Bombeiros Voluntários da Pampilhosa.

«Tenho 38 anos e nunca vi nada assim. Era um dia de calor extremo, humidade baixa, vento forte e os meios escassos. A Região Centro estava toda a arder! Não havia bombeiros disponíveis. Tivemos de combater o incêndio com a “prata da casa” e infelizmente não evitámos uma morte no nosso concelho, uma senhora, um ferido grave e alguns feridos ligeiros. Mais de 200 casas foram destruídas totalmente. 60 povoações foram afetadas, boa parte dos 400 quilómetros quadrados do concelho ardeu, 60 a 70 por cento da área florestal está destruída: arderam 20 mil hectares neste incêndio. Já haviam ardido 12 mil em junho...», explica ao Maisfutebol o presidente do clube, detalhando também o rastro de destruição deixado no estádio: «Ardeu parte do relvado, vedações, lonas de publicidade, redes da baliza. Os técnicos da autarquia estiveram no local, mas em primeiro lugar estão as pessoas e reconstruir as casas que foram destruídas pelo fogo.»

O estádio faz falta, tanto à equipa sénior, como aos juniores. A solução de contingência passa pela solidariedade das outras equipas da Associação de Futebol de Coimbra (como o Carapinheirense, que acedeu a jogar em casa, tal como o Eirense fará na próxima jornada). Para já, não há melhor remédio do que inverter as jornadas com as da segunda volta de modo a que o Pampilhosense jogue sempre fora nos próximos tempos. Não tem sido fácil encontrar casa emprestada sequer para treinar, quanto mais para jogar.

Aspeto do Estádio Municipal da Pampilhosa da Serra com o piso sintético queimado pelo fogo

As equipas das redondezas têm os respetivos campos ocupados e a disponibilidade para uma equipa amadora treinar e jogar é sobretudo nos dias de semana à noite. Apesar das dificuldades, por estes dias, o Pampilhosense já treinou na Lousã, a 60 quilómetros de casa, e no campo do Esperança, em Coimbra, a 90 quilómetros.

«Nos seniores, temos tentado fazer treinos fora de portas, com a colaboração com outras equipas, que nos cedem o campo sempre que o têm vago, mas noutros dias usamos a parte do nosso campo que não ardeu para treinos ligeiros. O resto está queimado. Temos de encontrar alguma solução para jogar em casa. Temos cerca de 20 atletas seniores e outros 20 juniores, que são quase todos aqui do concelho, que têm colaborado e mostrado toda a compreensão com esta situação. Felizmente, os adversários têm sido solidários», diz ao Maisfutebol João Neves.

Próximo da equipa no dia a dia o adjunto Jorge Ramos sublinha o «espírito de sacrifício dos atletas» e reconhece as dificuldades para encontrar uma boa solução no imediato:

«Às vezes treinamos na parte do nosso campo que não ardeu. Só dá para treinos ligeiros e mesmo assim os jogadores saem de lá com a roupa negra. O estádio é municipal, mas naturalmente a Câmara Municipal tem para já outras prioridades: desde logo, ajudar as pessoas que ficaram desalojadas. O futebol, para já, é secundário.»

Emblema do Pampilhosense com uma faixa negra, em sinal de luto