Walter pode não ser o protótipo do futebolista moderno. Ainda menos de um «matador»: é relativamente baixo para um ponta-de-lança e tem um problema crónico, o do excesso de peso.

Mas continua a marcar que se farta, independentemente do clube onde joga (era assim no Goiás, continua assim no Fluminense) e até da prova (foi o oitavo melhor marcador do Brasileirão 2013, já vai em seis golos no Carioca 2014).

Os quilos a mais já são um clássico quando se fala do «Bigorna».

Manda a justiça que se explique que esse até já foi um problema mais grave para «centro-avante»: Walter já pesou perto dos 110 quilos, estará agora nos 93/95 (valor obviamente desaconselhável para os seus 1,76 metros).

Certo, certo é que Walter Henrique da Silva, 24 anos, jogador dos quadros do FC Porto, cedido ao Fluminense até ao final de 2015, é um dos avançados mais eficazes do futebol brasileiro.

Os golos estão-lhe no sangue

Castro foi companheiro de equipa de Walter no FC Porto. O médio português, agora a atuar no Kasimpasa da Turquia, não se surpreende com o sucesso do «Bigorna» no futebol brasileiro.

E sentencia, em declarações à
Maisfutebol Total: «O Walter é um jogador especial. Tem características especiais, é diferente dos outros».

Para Castro, «não é normal que um jogador perto dos 100 quilos consiga ser utilizado no Fluminense. Com qualquer outro futebolista, um clube daquela dimensão exigiria que o jogador primeiro perdesse peso e só depois o poria em campo. Mas é como digo: o Walter é especial. Eles sabem que mesmo com aquele peso, ele consegue marcar golos e fazer a diferença».

Um modo diferente de tratar a bola

O que faz de Walter um jogador especial, além do óbvio peso a mais?

Castro explica: «Já no FC Porto dava para perceber, até nos treinos... Ele tem um toque de bola muito próprio. As suas características físicas acabam por ajudá-lo, porque ele protege a bola de forma diferente, chega a ser desconcertante para os adversários».

Divertido e muito trabalhador

E fora das quatro linhas, como é Walter? Castro revela: «É muito divertido, bom colega, bom menino. E muito trabalhador. Gosto muito dele e nunca duvidei que ele iria ter sucesso, apesar desse problema de ter peso a mais».

Castro recorda que, na passagem pelo FC Porto, «Walter não teve muito tempo de utilização, mas sempre que tinha a sua oportunidade e fazia quase sempre golos. Está-lhe no sangue».

Suplente de luxo

Enquanto a discussão continua sobre se é possível, no futebol de hoje, um futebolista de um clube de topo, como o Fluminense pesar perto de 100 quilos, Walter não está nem aí para se assustar com a questão e marca, marca, marca...

Mesmo não tendo conquistado um lugar no onze habitual do Flu (Fred continua a ser o ponta-de-lança da turma das Laranjeiras), Walter é o chamado «suplente de luxo»: quando entra, geralmente marca.

A exceção foi o jogo do passado domingo: no triunfo sobre o Volta Redonda, que garantiu o segundo posto na Taça Guanabara (primeira fase do estadual carioca), Walter fez dupla ofensiva com Fred no onze do Flu e, coincidência, cada um fez o seu golo e a equipa das Laranjeiras venceu por 4-1.

Walter costuma precisar de pouco tempo de jogo, em média, para marcar golos. Já tinha sido assim no pouco tempo passado no FC Porto (média de 0,38 golos por jogo, decorrente cinco tentos em 358 minutos de utilização, em partidas para a Liga Europa e Liga, na época 2010/11, com André Villas-Boas como técnico).

Não foi tanto assim no Cruzeiro, equipa que representou depois de ter sido pela primeira vez emprestado pelo FC Porto, mas onde não se deu bem. Mas voltou a ser assim no Goiás, clube no qual Walter relançou a carreira. 

Mesmo bem «gordinho», a pesar acima dos 100 quilos na altura, Walter passou boa parte de 2013 entre os cinco, seis melhores goleadores do Brasileirão, tendo terminado a prova com 13 tentos, a apenas um do quinto mais concretizador.

E no Fluminense, clube ao qual foi cedido pelo FC Porto até ao final de 2015, entrou com 106 quilos, mas a prometer dieta rígida que desse resultados em pouco tempo.

Prometeu e cumpriu: poucos meses depois, Walter oscila entre os 93 e os 95 quilos. Mais magro e sempre goleador: em dez jogos, quase sempre como suplente utilizado, o «Bigorna» (assim apelidado devido às parecenças com o antigo jogador brasileiro Claudiomiro, o «Bigorna» original) já somou seis tentos no estadual do Rio de Janeiro.

Tinha tudo para dar errado... mas continua a dar certo

Walter é daqueles casos que não vêm mesmo nos manuais. Mas que daria, certamente, uma bela história para um livro ou mesmo um filme.

Não é só o peso a mais: esse problema decorrerá, em parte, também pela infância extremamente difícil que o goleador brasileiro teve.

Natural do Recife, nascido em julho de 1989, Walter provém de um ambiente social muito complicado.

Pobre, gordo e proveniente de um meio de risco, Walter tinha tudo para dar errado. Mas insiste em dar certo.

Em entrevista concedida ao «Globo Esporte», em agosto do ano passado, o atacante confessou: «O futebol me salvou de muitas coisas. Você está numa favela, sem estudo, ou ia trabalhar com qualquer coisa ou ia ser bandido.»

Filho mais novo de seis irmãos, Walter cresceu num ambiente tenso, com medo de ser apanhado por uma bala perdida: «Minha mãe saía atrás de mim louca por causa do tiroteio. Já invadi muito a casa dos outros. Nem conhecia. Entrava na primeira casa que via».

Walter e os irmãos eram seis. Escrevemos bem: «eram». Um dos cinco irmãos do avançado, Waldemir, foi assassinado: «Faleceu... mataram, né? Eu tinha seis anos de idade. Lembro pouco. Ele morreu com 18 anos, sinto falta, apesar da pouca convivência, mas Deus sabe o que faz», explicou, resignado, o jogador nessa entrevista de agosto passado.

O jogador cresceu no Coque, zona muito pobre e especialmente violenta do Recife. Os seis irmãos têm uma particularidade no nome: elas começam por «s» (Sueli e Suzy), eles por W (Wandeork, Waldex, Walter e Waldermir, o que já faleceu).

Dona Edith, a mãe, vendia perfumes que carregava numa cesta pela cabeça, andando nas vielas do Coque, a vender de porta em porta, para sustentar os seis meninos.

Mesmo assim, Walter teve oportunidade de começar a jogar. Primeiro nas escolas do Sport e do Santa Cruz, dois clubes do Recife. Só aos oito anos pôde começar a jogar com chuteiras (com dinheiro que dona Edith pôs de lado, abdicando de coisas básicas para ela).

Valeu o investimento: Walter prometeu que, com o futebol, iria retribuir o sacrifício que a mãe fizera por ele. 

Veja cinco golos bonitos de Walter:



Os anos em Porto Alegre

Não foi preciso esperar muito para perceber que o esforço valera a pena. Walter saltou para o Internacional de Porto Alegre, em 2007. Com 18 anos, estava num clube grande. Não demoraria, de resto, a ser o destaque do Colorado na «Copinha» de São Paulo, em 2008.

Três anos depois, novo salto: a Europa, com a entrada no FC Porto.

Chegado aos dragões em julho de 2010, seria emprestado ao Cruzeiro em janeiro de 2012. Na Raposa, não foi feliz: apenas três golos em 11 partidas efetuadas.

Mas no Goiás, a história foi totalmente diferente: entrou no clube goiano no verão de 2012 e passou ano e meio de sucesso, com muitos golos averbados.

Foi o melhor marcador da equipa na conquista da Série B do Brasileirão em 2012, com 16 golos. Voltou a ser o mais concretizador do Goiás no ano seguinte, com 29 golos no total da época, 13 deles em jogos do Brasileirão.

Perder peso no Fluminense


Walter chegou ao Fluminense com 106 quilos. Mas ele sabia que a tendência era só melhorar: em fevereiro baixou dos cem, no início estava nos 93/95.

E um dos seis golos já apontados nestes primeiros meses da época foi, na opinião do próprio Walter, obtido graças a essa perde de peso.

O segundo tento do Fluminense frente ao Duque de Caxias, no empate 2-2 em Volta Redonda, não aconteceria se ele ainda pesasse 106 quilos, explica o atleta: «O peso menor foi ajudou). Não sou um jogador de fazer golo de cabeça, mas o momento é tão bom que está saindo. Já foi o segundo pelo Fluminense», explicou o jogador após a partida realizada no passado dia 9.

B.I.

WALTER

Nome: Walter Henrique da Silva

Idade: 24 anos

Data de nascimento: 22 de julho de 1989

Naturalidade: Recife, Brasil

Posição: Avançado

Altura: 1,76

Peso: 93 quilos

Percurso: São José (2007), Internacional Porto Alegre (2007-2010), F.C. Porto (2010-2012), Cruzeiro (2012), Goiás (2012, 2013), Fluminense (2014)

Principais títulos: Copa Libertadores (2010), Liga Europa (2011), Copa Sul-Americana (2008), duas ligas portuguesas (2011 e 2012), uma Taça de Portugal (2011), duas Supertaças Cândido de Oliveira (2011, 2012), Série B do Brasileirão (2012), dois estaduais gaúchos (2008, 2009), Sul-Americano sub-20 (2009)

«Mundo Brasil» é uma rubrica que conta histórias das experiências de jogadores e treinadores brasileiros que atuam ou já atuaram em campeonatos espalhados pelo globo