Para lá dos jogos, dos golos e dos títulos, a carreira de Eusébio fica pontuada por alguns momentos-chave e opções que condicionaram a sua trajetória. Eis algumas dessas etapas:

1960: Benfica-Sporting na secretaria

O talento de Eusébio ao serviço do Sporting de Lourenço Marques já tinha motivado sinais de alerta enviados para os principais clubes da Metrópole. Em junho de 1960, o Benfica faz uma proposta de 110 contos a Eusébio, depois aumentada para 140. A filial do Sporting exige 150 para enviar a carta de desobrigação. Depois recua, e chega a acordo com os leões, a troco, escreve o Notícias de Lourenço Marques, de 250 contos. Mas Eusébio recusa, e em dezembro viaja para Lisboa, já rumo ao Benfica. Mas o processo arrasta-se nas instâncias jurídicas, os dois clubes reclamam ter o vinculo legal e os pareceres contraditórios na Federação e na Direcção Geral dos Desportos vão adiando o desfecho. Só em maio de 1961, quase um ano depois da primeira proposta, o processo chega ao fim. A troco de 400 contos (dois mil euros) para os cofres do Sporting de Lourenço Marques, o Benfica pode inscrever Eusébio, a tempo de torná-lo campeão nacional, mas não a tempo de participar no primeiro título europeu. Mais tarde, o «Pantera Negra» explicaria que, na sua cabeça, a opção pelo Benfica nunca esteve em causa, apesar de, entre muitos outros, o vizinho e amigo de infância Hilário ter tentado influenciar a decisão em favor do Sporting.

1961: a primeira operação

Exatamente um ano depois da chegada a Lisboa, dia por dia, Eusébio começou um calvário de lesões, com o joelho esquerdo como maior foco de problemas. A 19 de dezembro de 1961, o paciente do quarto 10 do Hospital da Cruz Vermelha, desabafa: «Foi a primeira operação e espero que seja a última». Muito enganado estava, infelizmente: seis operações ao joelho esquerdo, cujas radiografias um ortopedista exibiu em congresso, em meados da década de 70, fazendo-as passar por um homem de 60 anos. Com apenas 32 anos, o Pantera Negra já tinha sido submetido a seis operações ao mesmo joelho. Ainda no auge da carreira, os efeitos eram visíveis, na deformação e na dificuldade em fletir a perna. Mas não o impediam de, em 1973, já com 31 anos e cinco operações, apontar 40 golos e sagrar-se, pela segunda vez, melhor marcador europeu. Como teria sido a carreira de Eusébio com os meios clínicos da atualidade?

1962: a camisola de Di Stéfano nas «trousses»

A maior conquista desportiva de Eusébio aconteceu em 1962, com a Taça dos Campeões ganha ao Real Madrid, em Amesterdão. Mas mais do que o troféu, e os dois golos na final, o que mexeu com as emoções do Pantera Negra foi mesmo o encontro frente a frente com o ídolo máximo, Alfredo Di Stéfano. A prova, contada pelo próprio, em depoimento ao Maisfutebol para o livro Sport Europa e Benfica «Foi uma grande satisfação, das melhores que tive na minha carreira de futebolista. Mas a taça não me dizia nada, o que eu queria era a camisola do Di Stefano. Era mais importante para mim, ele estava noutro patamar. Havia muitos outros grandes jogadores, mas ele era o maior. Pedi ao Coluna, que já o conhecia, para lhe pedir a camisola. No final tirei a minha e corri para ele. Os outros corriam para a taça, eu corria para a camisola. É das melhores recordações que tenho em casa». O carinho de Eusébio por Di Stéfano nunca foi atraiçoado: o «Pantera Negra» sempre definiu Di Stéfano como «o jogador mais completo» que alguma vez tinha visto jogar. E o argentino retribuiu a gentileza, chamando-lhe «um exemplo» e «o melhor de todos» em mais do que uma ocasião. Dessa final, fica imortalizada a imagem de Eusébio, levado em ombros, a festejar com a mão nos calções, onde escondia a camisola do ídolo, com medo que alguém lha levasse nos festejos...

(Pode também recordar em vídeo, aqui esse momento delicioso, revelador do genuíno deslumbramento de um ídolo perante outro, mais velho)

1966: portas fechadas no estrangeiro

Uma primeira abordagem da Juventus, em 1962, logo depois do primeiro título de campeão europeu fica em águas de bacalhau. Pela intransigência de Maurício Vieira de Brito, presidente do Benfica, em primeiro lugar. Os jornais falam em propostas de 20 mil contos (100 mil euros), o dirigente lança em tom de desafio: «são 50 mil». A Juve deixa cair o interesse, mas alimenta a novela. Em Portugal, uma frase de Salazar («Eusébio é património português») serviu para alimentar a lenda de um veto político que entrou na lenda. Quatro anos depois, o caso é diferente: o Inter chega a ter condições acertadas com aquele que virá a ser o melhor marcador do Campeonato do Mundo, a proposta está sobre a mesa e parece ter pernas para andar. Mas o fiasco italiano no Mundial, e a eliminação perante a Coreia do Norte (outra vez os coreanos no caminho do King) determinam o fecho das fronteiras na Série A. As equipas italianas ficam sem poder inscrever jogadores estrangeiros, um interdito que se mantém até 1980. Eusébio só sairá de Portugal na fase final da carreira, rumo ao dinheiro fresco da Liga norte-americana. A sua reputação internacional será inteiramente construída com as camisolas do Benfica e da Seleção.

1975: o adeus ao Benfica

Deixou o Benfica na temporada de 1974/75, vergado ao peso das lesões e aos cantos de sereia que vinham dos Estados Unidos. «Acho que cada um tem de saber quando chega a hora. Quando eu pedi ao presidente, o falecido Borges Coutinho, para ir para os Estados Unidos ele compreendeu. O contrato valia por 10 anos no Benfica. Ainda por cima era pago em dólares e não havia impostos. Ele conhecia a minha situação. Com a independência de Moçambique perdi as minhas coisas. Tinha de recuperá-las», contou ao Maisfutebol a propósito do adeus. Voltaria a envergar a camisola encarnada ano e meio depois, em outubro de 1976. O Sporting, no estádio de Alvalade, homenageia Carlos Lopes, medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Montreal, com um dérbi. Eusébio enverga a camisola de uma jovem equipa encarnada. Pela última vez. À I divisão voltaria ainda em 1976/77, com a camisola do Beira Mar. 12 jogos e três golos. E mais um momento para a lenda quando, alegadamente, teria evitado bater um livre contra o Benfica, por ter o pressentimento de que faria golo. Eusébio nunca confirmou a história. Mas mais um mito ficou.