«O Peyroteo remata no Terreiro do Paço e mete golo no Estádio do Lima!» É o clássico FC Porto-Sporting exclamado na inconfundível voz do ator António Silva. Estamos em 1947, nobre era do cinema português.

Em duas horas de bom humor, o filme O Leão da Estrela leva o senhor Anastácio (António Silva) a ver os Cinco Violinos ao Estádio do Lima. O amigo Barata, interpretado pela pronúncia nortenha de Erico Braga, é o dragão apaixonado de serviço.

Na película, o Sporting vence por 1-2. Peyroteo é o primeiro a marcar, o portista Araújo empata ainda no primeiro tempo e Travassos, o Zé da Europa, dá o triunfo aos leões perto do fim. A jogada é tecida pelo talento de Vasques e Canário.

O senhor Anastácio vocifera impropérios, beija quem o rodeia, aguenta as vaias e a vil acusação de ser morcão. Ou morcom.

É bonito, faz rir, mas não passa de pura ficção. Jogo incluído. A maior parte da trama é filmada nos Estúdios do Lumiar. O Sporting só em 1997, 50 anos mais tarde, haveria de vencer por 1-2 no terreno do FC Porto.

Seja como for, a narrativa realizada por Arthur Duarte não foge muito da realidade.

A 27 de janeiro de 1946, o Clássico acaba favorável aos leões: 2-3. Araújo e Joaquim marcam pelo FC Porto, Peyroteu (2) e Armando Ferreira respondem para os homens da capital.

No ano seguinte, 20 de abril de 1947, mais uma tarde de glória verde e branca: 2-4. Albano, Jesus Correia (2) e Peyroteu são violinos afinados; Boavida bisa para o FC Porto, sem relevância para a sentença definitiva.

São estes os dois jogos a inspirar O Leão da Estrela.



Luís César, ex-dirigente do FC Porto, colecionador ávido e proprietário de um museu à memória azul e branca perto de São Pedro do Sul (Viseu), ajuda o Maisfutebol nesta viagem no tempo. «As imagens do jogo são reais, recolhidas num FC Porto-Sporting da altura», conta.

«Para o filme fizeram uma adaptação e o Sporting ganha por 1-2. Mas o Travassos nunca marcou sequer um golo ao FC Porto no Lima», acrescenta o antigo secretário técnico dos azuis e brancos.

Um dos atores principais é Artur Agostinho, falecido em 2011. O saudoso jornalista e ator, sportinguista dos sete costados, faz de motorista da família de António Silva. Ao jornal i, pouco antes de morrer, recorda a participação n'O Leão da Estrela.

«Nesse filme, o homem que relata o jogo, ali muito perto do campo, não sou eu. É o Pedro Moutinho. Eu só comecei a relatar alguns anos mais tarde», explica Artur Agostinho.

Para António Silva só há elogios. Ajustadíssimos. “Aprendi tanto com ele. Era uma pessoa extraordinária com umtalento inato. E era sportinguista. Aquele papel assentou-lhe que
nem uma luva. Vê-se em todas as cenas, não é?»

Luís César dá mais um toque enciclopédico ao texto. «Nessa fase o Sporting venceu várias vezes no Porto: 1944, 1945 (taça), 1946 e 1947. Só a partir da década de 50 o FC Porto passa a dominar o Clássico. No filme, creio, a intenção é retratar o fervor do adepto sportinguista. Mas é um belo documento histórico».

Palavra ao senhor Anastácio. «Canário recebe a bola e passa a Travassos, Travassos dribla Guilhar e passa a Vasques, Vasques recebe e passa a Albano. Albano passa a Jesus Correia. Jesus Correia centra e Peyroteo corre para a área e mete GOLO!»

A mesa cai, os pratos partem-se, o Clássico é lindo. O que é isto? «Foi o senhor Anastácio a meter um golo».