Agora sim, posso descansar em paz! Agora, posso deixar de ouvir o meu nome, de cá de cima, vezes sem conta, associado ao fracasso de milhões. Fui réu. E agora podem esquecer-me. Outro tomará o meu lugar na consciência coletiva deste país, que gosta tanto de encontrar bodes expiatórios. Não defendi um remate ao primeiro poste e tive de carregar o peso desse pau e dos outros toda a minha vida. Se é que se pode chamar vida ao que se passou depois. O Ghiggia arriscou e crucificaram-me. Fui crucificado por um remate, um erro, um golo. Esse dia para o povo brasileiro foi, em letras garrafais, a sua Hiroshima, o seu Waterloo, um Waterloo dos trópicos. Chingaram-me. Davam-me encontrões na rua, palmadas, fugiam para o outro lado da calçada. Não voltei a jogar pela Canarinha, não me deram emprego como treinador. Visitei a Seleção e recusaram-se a receber-me porque dava azar. Azar! Deram-me aqueles postes do Maraca, e queimei-os. Fiz churrasco deles, junto daqueles que me defenderam. O bife estava uma maravilha! Morri há 14 anos, mas ressuscitaram-me todos os dias depois desse. Hoje sei que acabou. Esta humilhação é maior do que a minha. Este Brasil é pior do que o meu. Foram sete os remates do Ghiggia ao primeiro poste, onde estava o Júlio César e o resto da equipa. Até lá estava o Scolari. Sete. Quantas vezes o velho Luis Mendes teria de se perguntar hoje, aos microfones da rádio: gol da Alemanha Não foi um, não foi um erro. Foi o pior momento de sempre e eu já não estou lá para servir de desculpa. Que David Luiz, o Maicon, o Dante, o Marcelo, o Luiz Gustavo, o Fernandinho, o Bernard, o Hulk e o Fred se cheguem à frente, e o selecionador seja o primeiro de todos. Mas não deixem o Fred sozinho, coitado. Sei o que é carregar com as culpas e frustrações de milhões. E ele não vai conseguir. E não merece. Não o deixem só! Agora, se não precisam mais de mim...

«Não crucifiquem mais o Barbosa» é um espaço de opinião/crónica da autoria de Luís Mateus, subdiretor do Maisfutebol, que aqui escreve todos os dias durante o Campeonato do Mundo.        É inspirado em Moacir Barbosa, guarda-redes do Brasil em 1950 e réu do «Maracanazo». O jornalista é também responsável pelas crónicas de «Era Capaz de Viver na Bombonera», publicadas quinzenalmente na        MFTotal. Pode segui-lo no        Twitter ou no    Facebook   .



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