A propósito do falecimento de Eusébio,  Maisfutebol  homenageia o «Pantera Negra» recuperando alguns textos anteriormente publicados sobre as suas proezas.

Mal marcou o terceiro golo, a equipa caiu-lhe em cima. De sorriso aberto, abriu os braços para receber os colegas. E desapareceu no meio de tanta gente. Naquele momento, aguentou o peso dos companheiros, aqueles que leva à boleia para o Brasil. Aquele abraço gigante e pesado dos internacionais portugueses ao homem de braços abertos como Cristo Rei foi o maior reconhecimento do que se viveu em Solna, Suécia.

Cristiano Ronaldo fez um jogo para todo o sempre, daqueles que vamos contar aos netos e bisnetos quando formos já velhos e nos refugiamos numa manta ou no fogo da lareira. Talvez como nos contaram um dia o que fez
Eusébio em 1966. «É comparável» , garantem-nos mais à frente. Para nunca mais esquecermos, pesquisámos as principais exibições individuais com a camisola da seleção. Ronaldo marcou Solna no atlas da genialidade, numa viagem que começa em Liverpool e que tem paragem obrigatória em Roterdão.




É fácil recordar quem tenha marcado três golos no mesmo jogo pela seleção, em encontros oficiais. Sérgio Conceição nem sequer tinha sido o último antes de Ronaldo. Isso, lembra-nos bem Pedro Barbosa aqui na redação, fez Pauleta no Mundial 2002, frente à Polónia. Mas aquele jogo no Euro 2000, frente à Alemanha, é o primeiro e mais óbvio ponto.

«É um jogo que marca. Portugal está apurado e o Humberto Coelho decidiu rodar os jogadores. O Sérgio Conceição fez três golos numa fase final e jogou muito bem», recorda-nos Costinha.

«O 1-0 é muito mérito do Pauleta, que faz quase toda a jogada. Mas o Sérgio teve um grande desempenho, fez algo que poucos conseguiram e conseguirão fazer», sublinha o antigo internacional português, presente nessa noite em Roterdão.

«Há uma diferença para esta exibição do Ronaldo, na altura já estávamos qualificados. Mas não quero tirar mérito a ninguém. Estamos a falar da Alemanha com Mathäus, Ballack, Kahn....». É Costinha que fala, mas convém acrescentar que o último, guarda-redes, até ganhou o prémio de melhor jogador do mundial seguinte.




No mesmo ano, na mesma prova, oito dias antes de Roterdão houve Eindhoven. Um dos maiores jogos da história da seleção nacional. A ficha mostra golos de Figo, João Vieira Pinto e Nuno Gomes. O resultado:  3-2 frente à Inglaterra. Um jogo repetido até à exaustão nas madrugadas da Eurosport, uma exibição enorme de um maestro como dão conta os jornais.

Costinha nesse dia estava no banco: «O Rui Costa teve uma influência enorme. Era uma seleção com diferentes personalidades, o Figo é muito diferente do Rui Costa, por exemplo. O golo do Figo catapultou a equipa, o João Pinto fez um grande golo também e o Nuno Gomes marcou o último. A exibição do Rui Costa não é tão mediática porque o golo do Figo é fantástico. Mas o Rui é esse tipo de jogador. Dava gozo vê-lo jogar. Já não há jogadores como ele, um dez puro. Fez uma exibição brilhante.» Não marcou, mas se alguém quiser recorrer a números: fez duas assistências e está no início da jogada do golo de Figo. A quem bastar a palavra do interessado, Rui Costa já considerou várias vezes este jogo como o melhor que fez pela seleção.

Estes contos não vivem apenas de quem marca. Por exemplo, Vítor Damas e Manuel Bento entram no imaginário dos grandes desempenhos com as quinas, numa altura em que a seleção estava muito longe da reputação atual.

Luís Figo também não marcou na meia-final do Euro 2004 frente à Holanda, no José Alvalade. Não recebeu um abraço de toda a equipa. Ter-lhe-á chegado aquele de Rui Costa no final da partida. Longo, num reconhecimento ao melhor futebolista português de então, ao melhor em campo para a UEFA e ao representante máximo dos campeões do mundo de 1991. Foi a eles a quem Figo dedicou o triunfo e a qualificação para a final do Euro 2004.

«Tenho ideia do Figo em todos os jogos. Ele era daqueles jogadores que tinha sempre uma palavra de incentivo. Lembro-me que no balneário ele não se referiu ao jogo como uma meia-final, mas sim que íamos jogar contra uma grande seleção e que tínhamos de jogar com o prazer de a defrontar. Se houvesse prazer no jogo, íamos ganhar. Depois, quando sofremos o 2-1, recordo-me do Figo vir defender, dar instruções e a incentivar para ganharmos o jogo. É a grande imagem de marca dele, um líder.» Costinha, o ministro, disse.

«Só é comparável à exibição de Eusébio»

Lembram-nos outros encontros. A importância do golo de Carlos Manuel na Alemanha, por exemplo. Costinha refere os de Maniche com a Holanda e o que rendeu este mesmo Cristiano Ronaldo em 2004, nos 7-1 à Rússia.

Mas antes de Eusébio, não havia quase nada. Tanto que os que viveram esse tempo não têm memória de exibição tão grande como aquela de 23 de julho em Goodison Park, Liverpool. Os 5-3 à Coreia do Norte, nos quartos de final do Campeonato do Mundo são a fasquia de sempre. Portugal perdia por 3-0. Eusébio marcou quatro golos. Não é preciso descrever. Mas são os desempenhos do CR7 e do Pantera Negra, de algum modo, comparáveis?



Votante na Bola de Ouro, o jornalista Joaquim Rita aceita o desafio de procurar outras grandes perfomances individuais pela equipa das quinas. Lembra-se de Bento, na meia-final de 84 com a França. E de como em 70 havia grandes jogadores, mas não havia grande equipa. Por isso, retoma o caminho de Eusébio e de Ronaldo.

«Numa palavra: sublime», respondeu Joaquim Rita, acerca do que fez o CR7 em Solna. «Estava em causa o encontro dele com a História. Olhando para o ano civil dele, é quase inacreditável o que tem feito em golos. É uma exibição que tem mais relevância por todas as circunstâncias em redor.»

«A exibição de Ronaldo tem alguns traços comuns à de Eusébio. Contra a Coreia estávamos afogados e o Eusébio foi a bóia. O mesmo aconteceu ontem no 2-1. Há um paralelismo na forma como arrastou a equipa. Esta exibição é muito superior à de Sérgio Conceição ou Pauleta. Só há uma exibição comparável, é a de Eusébio em 1966», disse-nos.

António Simões ia do Dubai para Teerão nessa terça-feira. Em 1966 estava em Liverpool, dentro do campo. Ao Maisfutebol afirmou que «as exibições de Ronaldo e Eusébio só podem ser comparáveis pela importância e dimensão».

O antigo internacional português explica-se: «Comparar aspetos técnicos e dizer qual foi a maior é especular. São muitos anos de diferença. Se os quatro golos à Coreia do Norte fossem hoje, teriam uma dimensão ainda maior devido à comunicação social. Por exemplo, eu em cinco minutos vi os golos todos do jogo com a Suécia. Aquilo de 66 passou uma vez. A dimensão do ato é a mesma, a diferença está nos tempos.»

Tempos que mudam, é verdade. Daqui a muitos anos, quando alguém contar a história de Ronaldo em Solna, irá lembrar-se como a sentiu em 2013. Ou duvida-se que alguém que viu Eusébio em 1966 não se recorda de como gritou aqueles golos? Num jornal velho ou nos favoritos do browser, vale a pena guardar todas estas exibições: a genialidade delas faz a memória sorrir.