«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@mediacapital.pt.

Miguel Costa foi campeão da Europa de sub-16 em 1995 e vice-campeão europeu de sub-18 em 1998. Pelo meio, disputou um Campeonato do Mundo de sub-17, acumulando 20 internacionalizações pelas seleções jovens de Portugal.

Formado no FC Porto dos 8 aos 18 anos, o promissor lateral esquerdo procurava relançar a sua carreira sénior no Marítimo quando foi detido pela Polícia Judiciária (PJ) por tráfico de droga, em janeiro de 2000, quando tinha apenas 21 anos. «Uma namorada mandava-me haxixe para eu fumar e apanharam-me com 90 gramas de haxixe, para além de 14 ou 15 pastilhas de ecstasy, que até não eram minhas», recorda, confessando que consumia haxixe desde os 17 anos.

A detenção de Miguel Costa foi amplamente difundida. A PJ apresentou-se no local de treinos do Marítimo e acompanhou o jogador até casa, onde estavam os estupefacientes. A sua vida mudou nesse dia.

«Não contar mais com o jogador é o aspecto menos importante. Vai é perder-se um homem, em plena juventude», lamentou João Santos, treinador da equipa B do Marítimo, na altura. Nelo Vingada, treinador da equipa principal e responsável pela ida do jovem para a Madeira, também comentou o incidente: «Deu cabo da carreira dele, quando tinha todas as condições para ser um bom jogador.»

Miguel Costa ficou dois meses em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional do Funchal e viria a ser condenado a quatro anos de prisão, com pena suspensa. O jovem saiu em liberdade mas nunca afastou a imagem de um jogador ligado ao consumo de drogas e viria a pendurar as chuteiras prematuramente, aos 25 anos.

O Maisfutebol encontrou a antiga promessa do futebol português no Porto, duas décadas após o incidente. Desde que terminou a carreira, Miguel trabalhou em empresas ligadas ao turismo e procurou manter a linha. Está a tirar um curso superior, morou no Algarve e regressou à sua cidade para preparar o futuro. Neste momento, está desempregado. 

Esta é a sua história. Uma história que Miguel Costa aceitou contar para servir de lição para os mais jovens, os que estão a dar os primeiros passos no futebol. 

Maisfutebol – Miguel, como é que o futebol entrou na sua vida?
Miguel Costa - No dia em que fiz 8 anos, o meu avô decidiu dar-me uma prenda. Fomos a pé da Areosa à Constituição para ir treinar ao FC Porto. O responsável era o senhor Álvaro Silva, que deixou-me treinar, em dez minutos marquei dois ou três golos e ele pediu logo para eu trazer o bilhete de identidade e duas fotografias no dia seguinte. O senhor Feliciano era o treinador, fiquei lá e fiz as camadas jovens todas no clube, dos 8 anos aos 18. Nos juvenis assinei contrato por quatro épocas com o FC Porto. Comecei como médio esquerdo mas depois recuei para lateral.

O que recorda do Campeonato da Europa de sub-16 em 1995?
Fizemos uma época fantástica no FC Porto, fomos campeões de juvenis, marcando 300 e tal golos e sem derrotas. Acabei por ir ao Europeu e tínhamos uma seleção de luxo, com cinco jogadores do FC Porto: eu, Correia, Adolfo, Brito e Zeferino. A par dos jogadores do Sporting e do Benfica, formávamos o núcleo duro da seleção. O professor Rui Caçador deixava sempre uma frase de motivação de um autor conhecido no quadro e lembro-me da frase que escolheu para a final com a Espanha: ‘Tudo vale a pena quando a alma não é pequena’. Foi dos melhores jogos da minha vida, vinha a fazer um Europeu muito bom mas a final correu-me especialmente bem.

Disputou ainda o Mundial de sub-17 e o Europeu de sub-18.
Nunca esquecerei esse Campeonato do Mundo de sub-17 no Equador, em que infelizmente não nos habituámos à altitude e acabámos por perder nos quartos-de-final com o Gana, que viria a vencer o Mundial. Depois, no Campeonato da Europa de sub-18, chegámos à final e perdemos com a França, que tinha uma grande equipa. Guardo com muito carinho as medalhas de ouro e de prata da UEFA.

Entretanto, no FC Porto, como foi a sua evolução?
Após o Europeu de sub-16, decidi assinar contrato profissional pelo FC Porto, é o clube do meu coração, e cheguei a disputar alguns jogos amigáveis pela equipa principal. Lembro-me de irmos à inauguração do estádio de Cucujães com três juniores: eu, o Adolfo e o Ricardo Carvalho. Fui titular, tal como o Adolfo, que depois foi substituído pelo Mário Jardel. O Jardel até marcou o único golo do jogo.

Esperava ter uma oportunidade quando chegou a sénior?
Claro que tinha essa esperança e tive pena quando cheguei a sénior porque escolheram mal o clube para mim, o Portimonense. Os adeptos do Portimonense nessa altura odiavam os jogadores do FC Porto. No dia da apresentação, todos os jogadores foram aplaudidos mas eu e o Adolfo, que tínhamos vindo do FC Porto, fomos assobiados. Acabámos por sair.

O que se seguiu?
Fomos os dois para o Vianense, correu novamente mal, e depois o FC Porto colocou-me no Trofense, na Divisão de Honra. Eu era novo, tinham mais dois laterais esquerdos e o treinador Nicolau Vaqueiro disse-me que eu tinha muito talento mas que precisava de jogar. Sugeriu-me o Canelas, fui e fomos logo campeões da Série B da III Divisão. Ainda fui emprestado pelo FC Porto mas nessa altura o clube já parecia um pouco desligado de mim.

Estava em fim de contrato com o FC Porto, teve vários interessados?
Após a grande época no Canelas, tive propostas do Lausanne (Suíça) e do Marítimo. O professor Nelo Vingada veio falar comigo ao Porto, já me conhecia das seleções, fui ganhar menos mas decidi apostar nisso. Estava a correr-me lindamente no Marítimo B, treinava com a equipa principal, tinha-se lesionado o Eusébio e já me tinham dado a entender que ia estrear-me, que ia ser lançado em breve.

Foi nessa altura, em janeiro de 2000, que foi detido. O que aconteceu?
Andava metido com gente que não devia, tive uns problemas na vida, refugiei-me a sair à noite e a consumir drogas, nunca nada de muito pesado. A certa altura, houve uma investigação e uma das minhas namoradas, que eu tinha várias, por ciúmes decidiu denunciar-me à Polícia Judiciária.

Foi apanhado com que quantidade de droga?
Ela mandava-me haxixe para eu fumar e apanharam-me com 90 gramas de haxixe, para além de 14 ou 15 pastilhas de ecstasy, que até não eram minhas. Já tinha experimentado ecstasy, mas até não consumia aquilo. Ela costumava ir à Madeira e levava-me, ou então mandava-me o haxixe por encomenda. Só que tudo o que fazia, ela apontava num diário. Para além disso, foi a única pessoa a falar no julgamento. Éramos vários arguidos, incluindo quatro namoradas minhas. O juiz até brincou com a situação, passou o julgamento todo a chamar-me Capitão Roby (risos).

Como correu o julgamento?
Fui julgado por tráfico de menor gravidade. O problema nem foi o julgamento, foi ter sido logo detido, isso criou imediatamente alarme social. Foram buscar-me ao treino, perguntaram-me se tinha algo ilícito em casa, eu disse que sim, que consumia haxixe e foram buscá-lo lá a minha casa. São opções de vida de que me arrependo, podia ter ganho muito dinheiro, mas sou feliz e consegui coisas que muitos não conseguiram.

Sentiu apoio nessa fase da sua vida?
Tive boas testemunhas no julgamento, o professor Rui Caçador, o senhor José Manuel Oliveira do Canelas, o professor Nelo Vingada, enfim, muita gente do futebol e não só a falar bem de mim. O juiz acabou por dar-me uma nova oportunidade. Disse que eu estava entre a espada e a parede e que se voltasse a cometer um erro teria de cumprir os quatro anos de pena. Mas não, portei-me bem e só fiquei aqueles dois meses de prisão preventiva.

O Miguel consumia haxixe há quanto tempo?
Comecei a fumar haxixe, a experimentar, quando tinha perto de 18 anos. Depois comecei a consumir mais, mas quando era novo isso nem se notava no meu rendimento. O que me afetou realmente foi a detenção. Se a primeira juíza me tivesse dado a oportunidade que me foi dada dois meses mais tarde, não ficaria queimado como fiquei.

Sentiu muito isso quando foi libertado?
Sim. Lembro-me que saí numa sexta-feira, joguei no domingo em Machico pelo Marítimo B, fintei dois adversários e fiz a assistência para o golo, fui festejar e comecei logo a ouvir bocas dos adeptos: ‘olha o drogado, olha o traficante!’. Não soube reagir bem a isso.

Como geriu todo esse processo?
A justiça é lenta em Portugal. Esperei pelo julgamento dois anos e ter ficado em prisão preventiva os primeiros dois meses traumatizou-me bastante. Estava lá dentro e sonhava que estava cá fora, estava cá fora e sonhava que ia voltar lá para dentro. Eu pouco dormia, tive acompanhamento psicológico no Hospital do Funchal, foi para lá viver a minha avó por exigência do tribunal.

A sua imagem, de qualquer forma, já estava afetada.
Exato. Ao colocarem-me logo em prisão preventiva, fui imediatamente julgado na praça pública. Foram dois meses complicados, mas quando saí é que senti. O Marítimo não quis renovar contrato, infelizmente, mas eu percebi. Cumpriram com tudo, nunca falharam, foram cinco estrelas, ajudaram-me ao máximo, mas eu tinha a situação por resolver, chegámos a acordo e eu vim embora no final da época.

Quais foram os passos seguintes na carreira?
Recebi uma proposta do Tirsense, a ganhar 3 mil e tal euros, numa III Divisão, mas só recebi dois meses. Fiquei lá apenas cinco meses. Entretanto, fui treinar ao Oliveira do Hospital mas não gostei e pagavam pouco. Depois estive no Águeda, treinei no Ermesinde e mais tarde fui para o Sporting de Pombal. Nessa altura tinha uma pubalgia, fiz tratamentos na Madeira mas nunca fiquei bom. Então, não treinava e só jogava. Davam-me 350 euros por jogo.

Foi quando decidiu abandonar o futebol, em 2004?
Sim. Arranjei trabalho numa agência de viagens, a ganhar mais do que ganhava no futebol, e decidi terminar a carreira. Ia fazer 26 anos.

Já estava demasiado cansado de lutar pela carreira?
Entrava em qualquer equipa para treinar e sentia logo aqueles olhares de lado, aqueles comentários. Marginalizaram-me um bocado. Notei isso e não soube dar a volta por cima. Senti que o futebol me escorregou da mão e acabei por me desleixar um pouco. Senti-me um pouco revoltado.

Desde então, como tem sido a vida do Miguel?
Desde que acabei a carreira de jogador, trabalhei em agências de viagens, também trabalhei como diretor de marketing de dois empreendimentos no Algarve e em 2015 trabalhei no Hotel D. Pedro, também no Algarve, na área do marketing. Segui essa área, entrei no ensino superior e faltam-me três cadeiras para concluir o curso de Comunicação Organizacional na Escola Superior de Educação de Coimbra.

Atualmente está desempregado. O que se segue?
Vamos ver o que vou fazer agora. Em princípio vou para o estrangeiro, porque por aqui está difícil. Claro que se algum ex-colega que estiver no futebol precisar de ajuda, estou disponível para isso.