Depois do Adeus é uma rubrica lançada no Maisfutebol em junho de 2013 e dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem aqueles que não continuam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para valvarenga@mediacapital.pt.
«De vez em quando, durante as viagens, o tema Ronaldo vem à baila e, se eu sentir confiança com o cliente, digo a verdade: ‘eu joguei vários anos com o Cristiano Ronaldo’. Mas vejo sempre neles aquela expressão desconfiada: ‘este taxista deve ser maluco’!»
Fábio Costa tem 32 anos, tal como Cristiano Ronaldo. O avançado chegou ao Sporting em 1997 e saiu em 2003 para o Manchester United. Fábio entrou no Sporting em 1998 e partiu igualmente em 2003 para jogar na III Divisão. O sonho do futebol profissional terminou pouco depois.
Enquanto Cristiano Ronaldo vai acumulando golos, vitórias e títulos, Fábio Costa acorda todos os dias para pegar no seu táxi em Cascais e cumprir um objetivo nobre: a satisfação dos clientes. É essa a sua missão há vários anos.
Ronaldo ia buscar comida e distribuía por todos em Alvalade
O antigo lateral direito nasceu em cenário adverso, um bairro social em Alcoitão, onde viu crescer outro nome bem conhecido dos adeptos portugueses: Fábio Paim. O Sporting tirou ambos daquele ambiente mas cada um viria a escrever uma história distinta.
Fábio Costa trocou o Estoril pelo Sporting em 1998, com apenas 13 anos. Cresceu na formação leonina, chegou à equipa B, à Seleção Nacional sub-19 e foi utilizado por Laszlo Boloni num encontro particular com a Académica. Parecia lançado para altos voos. Puro engano.
No verão de 2003, o ex-jogador viu-lhe ser tapado o caminho para a equipa B do Sporting, não recebeu o anunciado contrato profissional e deixou-se enganar por um empresário. Acabaria por sair para um clube da III Divisão e por lá andou até desistir do sonho do futebol.
Aos 18 anos era uma boa promessa do futebol português, aos 22 sentiu-se obrigado a trabalhar porque os 400 euros que lhe pagavam no quarto escalão não chegavam para sobreviver.
«Comecei por ser ajudante de distribuição de produtos alimentares, depois fui empregado de mesa (nesse altura ainda joguei no Fontaínhas, nos Distritais), jardineiro, e agora sou motorista de táxi há vários anos.»
Esta é a sua história.
Fábio Miguel Costa cresceu em Alcoitão e começou a jogar nos infantis do Estoril. Lateral direito com um potencial interessante, despertou a atenção do Sporting em 1998 e rumou a Alvalade. Cristiano Ronaldo tinha chegado da Madeira um ano antes.
«Cresci numa família com muitas dificuldades, vivendo num bairro social em Alcoitão, muito problemático. Mesmo sendo uma distância mais curta que o previsto nos regulamentos, as pessoas do Sporting decidiram que era melhor eu sair dali e crescer em Alvalade. Vinha do mesmo bairro que o Fábio Paim. Aliás, ele é uns anos mais novo mas crescemos juntos, lembro-me de o ver por lá.»
A Academia de Alcochete era apenas um projeto, nessa altura. Fábio e os restantes jovens contentavam-se com a estrutura mais modesta no Estádio de Alvalade.
«As instalações para a formação em Alvalade nada tinham a ver com o que surgiu depois em Alcochete. Era apenas um corredor debaixo de uma bancada, 10 quartos com 4 camas cada, um espaço comum, uma casa de banho para todos, enfim. Mas fui muito feliz ali.»
Fábio Costa vivia um sonho. Lutava por uma carreira profissional a par de nomes que viriam a deixar marca no futebol português.
«Saí de casa com 13 anos mas esta sinto que essa decisão foi muito importante para o meu crescimento. O Sporting sempre nos deu um acompanhamento excelente, a todos os níveis e tive a oportunidade de partilhar esses anos com grandes nomes como Cristiano Ronaldo, Ricardo Quaresma, Hugo Viana, Miguel Garcia, etc.»
Sporting, Sporting B, Seleção: crescia a esperança
A temporada 2002/03 começou da melhor forma. Boloni utilizou o jovem num encontro de pré-época e Fábio sentia que o futuro seria risonho.
«Disputei um jogo amigável pela equipa principal, com Boloni, na apresentação da Académica, em 2002. Ia começar a minha última época como júnior. Foi uma grande fase, em que joguei pela equipa B, pela principal e fui a um estágio da seleção sub-19. Eu e João Pereira, que estava no Benfica, éramos os laterais direitos.»
No final de agosto, o antigo lateral direito disputou o seu único jogo pelo Sporting B, numa receção ao Casa Pia. Entrou para o lugar de Mangualde, dois anos mais velho. Sem o saber, aqueles minutos na II Divisão B não teriam qualquer sequência.
«Tudo indicava que estava lançado para uma boa carreira. Aconteceu tudo muito rápido, de seguida, e comecei a ser abordado por empresários, por pessoas com interesses, que acabaram por me aconselhar mal. Durante essa época, a última como júnior, Aurélio Pereira abordou-me para assinar contrato profissional, por duas épocas, com mais uma de opção. Ficou apalavrado mas adiaram para a assinatura para o final da temporada.»
Tudo mudou no verão de 2003. A equipa B foi reforçada por vários jovens que estavam cedidos a outros clubes. Face a esse cenário, diminuíram consideravelmente as vagas para os elementos da equipa júnior.
«Quando acabou a época e estávamos encaminhados para a equipa B, alguém decidiu resgatar os jogadores que estavam cedidos a outros clubes. Ou seja, taparam o caminho para os juniores, que ficaram sem espaço. Salvo erro, subiram apenas quatro à equipa B: Edgar Marcelino, Paulo Sérgio, Valdir e Hugo Pina.»
O sonho a esfumar-se à frente de Fábio Costa
«O Sporting não me deu o contrato profissional mas queria ver-me num clube próximo, da 2ª Divisão B ou III Divisão, para me ir acompanhando. Falaram-me do Amora, do Seixal, mas eu tinha expetativas mais alta, por tudo o que tinha acontecido, e por um empresário que me propôs ir para a Académica.»
Fábio Costa acreditou. Deixou o seu futuro nas mãos de um empresário e viu o sonho esfumar-se.
«Disse-me para ir de férias descansado, que tudo seria tratado. A verdade é que o tempo foi passando e o tal empresário nunca mais me ligou. Não digo o seu nome porque ele ainda se encontra no ativo e não guardo rancores, mas isso ficou-me marcado. Quando me apercebi, faltava um mês para fecharem as inscrições e eu estava num beco sem saída.»
Com apenas 18 anos, após cinco de Sporting, o lateral direito deixou Alvalade e o continente para rumar à Ilha Terceira, nos Açores.
«Acabei por assinar pelo Velense, dos Açores, que estava na III Divisão. A verdade é que encontrei uma realidade muito diferente e não me adaptei da melhor forma. Passados alguns meses, ligou-me outro empresário e propôs-me ir para o União de Santiago, também da III Divisão, mas mais perto de casa.»
Velense, União Santiago, Tires, Cacém. Fábio Costa não mais saiu da III Divisão, algo que dificilmente imaginaria quando crescia a par de Cristiano Ronaldo. O futebol não lhe garantiria independência financeira.
«Nessa altura começaram a faltar os ordenados, andava a ganhar à volta de 400 euros por mês e não era o suficiente para sobreviver. Fui para o Tires, sempre na III Divisão, e comecei a trabalhar. Tinha 22 anos. Até esse dia, o único trabalho que conhecia era o futebol. Ainda por cima, no Tires tive uma rotura de ligamentos no joelho e nunca mais fui o mesmo jogador. Voltei, joguei no Cacém, mas sentia que aquele sonho que tinha quando estava no Sporting já tinha acabado.»
A falta de estudos e preparação na adolescência
Importa nesta altura voltar atrás. Fábio Costa cresceu no Sporting, dentro de uma estrutura profissional. Preparou-se devidamente para um futuro alternativo, longe do futebol?
O motorista profissional de táxi admite que não. Confessa que os jovens são bem aconselhados nos clubes mas acreditam que estarão naquele grupo de elite que chega ao topo.
«Só fiz o 9º ano, mas não foi por culpa do Sporting. Eles obrigam-te a ir à escola, mas não te controlam a cabeça. Infelizmente, por mais que nós saibamos que 95 por cento dos jovens não chegam ao topo, pensamos sempre que fazemos parte daqueles 5 por cento que conseguem. Todos os treinadores nos diziam para estudarmos, para não nos iludirmos, mas de nada valeu.»
Sem estudos e sem experiência em outras áreas, Fábio teve de aceitar o que a vida lhe deu. Com humildade e capacidade de sacrifício: ajudante de distribuição de produtos alimentares, empregado de mesa, jardineiro, motorista de táxi.
«Não me esqueço de um dia em que houve um jantar do Sporting no restaurante em que eu estava a trabalhar como empregado de mesa. Eu tinha ‘desaparecido’, por assim dizer, e agora via ali o Sr. Aurélio Pereira à mesa…pensei muito mas acabei por dar a cara, fui servi-lo e ele foi um verdadeiro senhor. Se para mim podia ser uma vergonha estar ali, para ele não devia ser novidade, anda nisto há muitos anos, já deve ter sido confrontado com dezenas de casos assim.»
Fábio Costa tem atualmente 32 anos e sente-se realizado profissionalmente. Ainda assim, o futebol não está esquecido.
«Desliguei-me um pouco, também porque tenho filhos pequenos, mas quero voltar um dia ao futebol. Costumo dizer que as pessoas foram para as universidades para se especializarem em certas áreas. Pois bem, eu estudei na universidade do futebol.»
Um esforço para mudar a imagem da classe
Enquanto desenvolve a sua carreira como motorista de táxis, Fábio Costa guarda no livro de memórias a sua passagem pelo futebol e reserva o direito de contar a sua história durante as viagens entre Cascais e o Aeroporto de Lisboa.
«É um orgulho que ninguém me tira, poder dizer que joguei com o melhor do mundo. De vez em quando, durante as viagens, o tema Ronaldo vem à baila e, se eu sentir confiança com o cliente, digo a verdade: ‘eu joguei vários anos com o Cristiano Ronaldo’. Mas vejo sempre neles aquela expressão desconfiada: ‘este taxista deve ser maluco’!»
É verdade.
Fábio sorri e segue viagem, rumo ao seu destino. Com rigor e profissionalismo. Como membro de uma classe que tem vindo a ser algo de duras críticas, o antigo jogador pretende contribuir para uma mudança de mentalidades.
«A minha zona oficial de trabalho é Cascais. É um negócio familiar, que pertence aos meus sogros. Para além do trabalho normal, também faço a gerência do negócio. Tenho uma boa carteira de clientes e grande parte das marcações são pelo telefone, não é habitual encontrar-me em praças. Normalmente só trabalho de dia, mas depende das marcações para o aeroporto. Gosto muito do que faço e fico feliz por ter construído uma boa carteira de clientes. Acho que isso se deve à postura, ao profissionalismo.»
Há vinte anos, Fábio sonhava ficar conhecido como um grande jogador de futebol. Nesta altura, a sua aposta passa por deixar uma boa imagem como motorista de táxis.
«Faço parte de uma geração de jovens que está cá para ajudar a mudar a imagem que as pessoas têm dos profissionais de táxi. É verdade que a classe está muito mal vista, também porque há maus profissionais de táxi, com práticas nas quais não me revejo. Mas não se deve generalizar e estamos a fazer um esforço para mudar essa imagem. Tento dar o meu contributo nesse sentido.»
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