DESTINO 90's é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis . DESTINO: 90's.
MANDLA ZWANE: FC Porto e Penafiel (1994/95), Gil Vicente (1995/96)
Estádio das Antas, julho de 1994. Bobby Robson inicia a segunda época no FC Porto, de braço dado com José Mourinho. O Benfica é campeão e os dragões vão em força ao mercado. No arranque da pré-época, quatro desconhecidos apresentam-se ao trabalho.
1. Walter Paz; 2. Roberto Mogrovejo; 3. Etienne N’Tsunda; 4. Mandla Zwane.
Ui, coisa linda! Mais tarde, em janeiro, chega ainda Ronald Baroni. É o lado perverso da era pré-digital no futebol. Empresários usam e abusam de relações perigosas, prometem novos Pelés nas cassetes VHS, vendem gato por lebre.
O FC Porto, é bom lembrar, inicia nesse ano o arranque ao Penta. Esta é a lista dos flops, mas há muita gente de grande valor a entrar no grupo: Rui Barros, Emerson, Kulkov, Iuran e Latapy, por exemplo.
Mas, e os outros? Os que ficam para trás?
Há semanas encontrámos Walter Paz, desta vez vamos à África do Sul e apanhamos Mandla Zwane a meio de um treino da equipa de futebol da Universidade de Joanesburgo.
«De Portugal? Ah, ah, ah, a sério? Abraçoooo para Portugal! Crazy Jorge Costa, crazy Paulinho Santos».
Mandla Zwane, 42 anos, é uma joia de rapaz. Fala 30 minutos sem parar, faz perguntas e não espera as respostas. Afinal, quem é ele, como chegou a Portugal e por que não fez um único jogo oficial pelo FC Porto?
«Fiz dois jogos no Orlando Pirates e o Marcelo Houseman [empresário argentino] pegou em mim e levou-me para a Holanda. Fui ao Feyenoord fazer testes, mas acabei por viajar para Portugal. Cheguei às Antas e assinei por três anos, com o N´Tsunda. Nunca ninguém me tinha visto a jogar e eu também não conhecia ninguém».
Mandla Zwane (à esquerda) nos últimos dias da carreira
PERCURSO DE MANDLA ZWANE EM PORTUGAL:
. 1994/95: FC Porto (não foi utilizado)
. 1994/95: Penafiel (8 jogos, II Liga)
. 1995/96: Gil Vicente (5 jogos, I Liga)
Outros clubes:
. Orlando Pirates, Supersport United, Black Leopards e Black Aces (África do Sul); Selangor (Malásia); Sarawach (Mali).
. 1 internacionalização pela África do Sul
Mandla é moldado nas ruas facínoras de Zola, no Soweto, - «Ganhava esmolas a dar toques numa bola de trapos» - e no meio dessa esperteza de bairro resiste uma ingenuidade grande.
No FC Porto, os colegas apercebem-se imediatamente desse lado totalmente puro.
«Uns malandros, crazy, crazy guys. O meu primeiro dia? Lembro-me, claro», diz Mandla Zwane, ao Maisfutebol, já no silêncio de um gabinete.
«Cheguei às Antas e o Jorge Costa veio ter comigo. Estava com o Domingos e o Paulinho Santos. Disse-me que o mister Robson queria conhecer-me, mas para eu ter cuidado, porque ele era um homem muito duro. E eu lá fui, ao gabinete do senhor Robson, com os três».
Ao entrar, Mandla Zwane vê um homem de fato de treino e boné enfiado até às orelhas. «Nem olhou para mim. Só disse: ‘Senta-te!’. Eu olhei para o Jorge Costa, já a tremer, mas ele fechou a porta e saiu. Fiquei sozinho com o senhor Robson. Quer dizer, com aquele que eu pensava ser o senhor Robson».
«O homem começa aos berros e a bater na mesa. Dizia que eu tinha de jogar bem e que dava cabo de mim se eu falhasse. Ah, ah, ah, eu acho que estive quase a desmaiar. Passados uns minutos, a porta abre-se e entram todos às gargalhadas. O homem de boné era o guarda-redes, o Baía, conhece?».
Mandla Zwane conquista todos pela simplicidade. Até o verdadeiro Bobby Robson.
«No final do primeiro treino fiquei a dar toques na bola. Eu era um malabarista incrível, fazia o que queria. Quando dei por ela, estava o plantel todo à minha volta, a bater palmas, e eu a fazer habilidades. O mister Robson veio dar-me um abraço: ‘Mandela, és a minha pérola! A partir de hoje quero que faças sempre isso no início do treino, para animar os teus colegas’».
«Cumpri o sonho de conhecer Michel PreuHomme»
Durante seis meses, Mandla Zwane passa a ser só Mandela e é o animador de serviço. Nos treinos, só nos treinos. O sul-africano sai em janeiro, emprestado ao Penafiel, sem fazer um único jogo.
«Não fui inscrito porque não havia vaga para estrangeiros. Só podiam estar seis no plantel [Kulkov, Iuran, Latapy, Kostadinov, Drulovic e Emerson]. Por isso o mister Robson e o José Mourinho falaram comigo e emprestaram-me ao Penafiel, da II Liga».
Mandla, Mandela para os amigos, sai para o Estádio 25 de abril, empenhado em voltar às Antas. N’Tsunda volta a acompanhá-lo, mas a experiência não é brilhante.
«Fiz alguns jogos [oito]. Aquilo era duro, muito duro. Eu adorava fintar e jogar com calma, mas era tudo rápido e agressivo. O senhor Robson ligava-me, dava-me moral. ‘Mandela, um dia vais ser tu e mais dez no FC Porto’. Não deu, os outros eram melhores. Domingos, Kostadinov…»
No segundo ano, Mandela é cedido ao Gil Vicente. Faz seis jogos no campeonato, dois contra o Benfica. «Cumpri um sonho: conhecer o Michel PreudHomme».
«Eu tinha visto os jogos todos do Mundial94 e o Michel tornou-se um ídolo. Na Luz perdemos 3-0 e estive quase, quase a marcar. Fui muito lento a decidir. Em Barcelos perdemos 1-2 e o mister Pedroto [Bernardino, filho de José Maria] meteu-me nos últimos minutos».
O adeus a Portugal acontece em junho de 96. O FC Porto rescinde o contrato e Mandla não volta a ser Mandela. Passa pela Malásia, pelo Mali e faz uma década no futebol sul-africano, até se despedir em 2008, já veterano.
«O futebol é a minha paixão e ainda faço tudo com uma bola de futebol. Sou adjunto da equipa da universidade, mas nunca mais voltei a Portugal. A viagem é muito cara».
Mandla Zwane despede-se a sorrir. Fala do único compatriota a jogar na I Liga portuguesa - Cafu Phete, do Vitória Guimarães - e faz um pedido ao Maisfutebol.
«É bom no passe, longo e curto. Aqui diziam que era parecido com o Makelele. Bem, acho que até tem qualidade, mas nunca será como o Mandla Zwane. Com a bola eu faço tudo! Já agora: não tem o número de telefone do meu amigo Mourinho? Esse é que era um crazy, crazy guy».
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