Há dois dados concretos essenciais sempre que se fala em jogos entre a Briosa e o FCP: a Académica não vence os dragões em casa para o campeonato desde 14 de novembro de 1970; mas há uma quebra nesse longo jejum, registada há dois anos, quando os estudantes triunfaram em Coimbra sobre os tripeiros para a Taça de Portugal, numa caminhada que só terminaria com a conquista da competição no Estádio Nacional.
Foi precisamente há dois anos e alguns dias, a 19 de novembro de 2011, que a Académica surpreendeu um então FC Porto campeão e detentor da Liga Europa. O triunfo por 3-0 afastava os dragões logo na 4ª eliminatória da Taça de Portugal e adensava as dúvidas sobre a aposta de Pinto da Costa em Vítor Pereira. Era a primeira época do treinador e os resultados não alcançavam a fasquia colocada pela tremenda equipa construída por André Villas-Boas.
É curioso fazer o paralelismo com o que se passa esta temporada, pois trata-se de uma imagem-espelho. Há dois anos Vítor Pereira era contestado, mas estava no primeiro lugar do campeonato, com 24 pontos somados, 7 vitórias, três empates, zero derrotas, 23 golos marcados e dez sofridos. Tinha os mesmos pontos do Benfica e mais um do que o Sporting. Na Liga dos Campeões vinha de uma derrota no Chipre com o APOEL (2-1) e acabaria por ficar em terceiro lugar na prova, com oito pontos (num grupo que também tinha o Zenit São Petesburgo).
Há dois anos, Vítor Pereira foi vaiado, os adeptos mostraram lenços brancos e Luís Sobral escrevia: «O F.C. Porto caiu esta noite em Coimbra para a Taça de Portugal e Vítor Pereira deixou de ter espaço para continuar no banco». O treinador reconhecia que as coisas não estavam bem e utilizou uma expressão que ficou célebre: «Foi um jogo muito mal conseguido, não há ponta por onde se lhe pegue».
No regresso ao Estádio do Dragão a equipa foi recebida por insultos e petardos, enquanto que em Coimbra o ex-capitão portista Pedro Emanuel festejava o triunfo e até dizia que a cidade devia ter direito a feriado para celebrar. No final da época a Académica conquistava a Taça e o Porto o campeonato. Pinto da Costa nunca deixou cair Vítor Pereira.
O cenário atual de Paulo Fonseca é quase uma fotocópia do que aconteceu há dois anos. Tal como o seu antecessor o atual treinador do FC Porto está a tentar implementar as suas ideias, ainda não convenceu os adeptos, a equipa está em primeiro lugar no campeonato e deverá ser afastada da Liga dos Campeões, sendo relegado para a Liga Europa.
A visita a Coimbra acontece também em novembro e no outro banco de suplentes está um ex-símbolo dos dragões. Aliás, as ligações entre os dois clubes são imensas. Há dois anos o terceiro golo foi apontado por Diogo Valente, um ex-dragão, e na tal vitória em 1970 o tento decisivo seria marcado igualmente por um jogador que já tinha representado os azuis e brancos.
Sérgio Conceição nasceu em Coimbra, foi formado na Académica até ao primeiro ano de júniores e depois integrou os escalões de formação do FC Porto. Aí se fez homem e transitou para os séniores, sendo emprestado ao Penafiel, Leça e Felgueiras para depois regressar pela porta grande à equipa principal das Antas, onde ganhou destaque e acabou por ser transferido para a Lázio aos 23 anos. A ligação afetiva ao clube manteve-se e regressou uma última temporada para fazer parte da equipa que viria a sagrar-se campeã europeia em 2003/04.
Aos 39 anos (acabadinhos de fazer), Conceição nunca conseguiu vencer um jogo ao Porto. Como treinador defrontou-o em duas ocasiões, quando orientava a Olhanense, tendo perdido nas duas ocasiões (2-0 no Dragão e 2-3 no Algarve).
Mas falta falar da tal vitória da Académica há 43 anos e alguns dias (14 de novembro de 1970). Os tempos eram bem diferentes e não só a nível político. O FC Porto era presidido por Afonso Pinto de Magalhães e não conquistava um campeonato desde 1958/59. Aliás, o fundador da Sonae e dos supermercados Modelo só conseguiu celebrar uma Taça de Portugal enquanto líder do clube.
Os dragões chegaram ao Calhabé naquela época como clube grande, mas sem a ambição dos tempos atuais. Do outro lado estava uma Académica habituada aos grandes momentos e que construía a sua imagem de segundo clube para muitos portugueses. As bancadas estavam repletas e o jogo a contar para a nona jornada do campeonato de 1970/71 foi emocionante.
A equipa de Coimbra era orientada por Juca e alinhou com o seguinte onze: Melo; Artur, Alhinho, Rui Rodrigues e Feliz; Gervásio e Vítor Campos; Mário Campos, Manuel António, António Jorge e Oliveira Duarte. No segundo tempo seriam lançados Serafim e Ricardo Rocha. Do lado do FC Porto, que tinha como treinador António Teixeira jogaram: Armando; Gualter, Manhiça, Vieira Nunes e Rolando; Nené e Pavão; Custódio Pinto, Lemos, Abel Miglietti e Nóbrega. Ricardo jogaria no segundo tempo.
Ao intervalo os dragões venciam por 2-0 após os golos apontados por Nóbrega e Custódio Pinto, o que levou a uma forte reação dos estudantes após o intervalo. Com Serafim em Campo a Briosa viria a marcar três golos oito minutos: Manuel António aos 62, António Jorge aos 64 e finalmente Serafim aos 70. Com o triunfo por 3-2 a Académica ascendia ao segundo lugar do campeonato, ficando apenas atrás do Sporting de Damas e Hilário.
Serafim foi o grande herói do jogo. O esquerdino nascido em Rio Tinto e formado no FC Porto era já uma das figuras da Académica, onde cumpria a sua quinta época depois de também ter representado o Benfica. Naquela altura a equipa das Antas deixava fugir muitos dos seus talentos para as equipas de Lisboa e este era apenas mais um entre vários casos. Serafim foi internacional português, jogando ao lado de Coluna, Eusébio e Simões (de quem era amigo).
Na época de 1963/64 assinou pelo Benfica (naquela que até à altura foi a mais cara transferência entre os dois clubes) e logo no primeiro ano conquistou a Taça de Portugal, vencendo os dragões no Jamor por 6-2, com um golo da sua autoria (o quinto dos encarnados). Apesar da qualidade, não conseguiu ultrapassar a concorrência de Eusébio, Torres, Simões e Iaúca, o que o levou a assinar pela Académica em 1966. No currículo levava dois títulos nacionais (63/64 e 64/65). Manuel Serafim Monteiro Pereira morreu em 1994, quando tinha 50 anos.
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