Está próxima a última chamada para os candidatos a agentes de futebol. Na quarta-feira, 20 de setembro, decorre o segundo exame para a obtenção da licença exigida pelo novo Regulamento de Agentes de Futebol da FIFA, condição para exercer a profissão a partir de 1 de outubro. A taxa de aprovação no primeiro exame ficou-se pelos 52 por cento, quem o fez achou-o difícil e o novo teste não se adivinha mais fácil. Quem o diz, num misto de aviso e preocupação com aquela que considera uma atitude de «facilitismo» dos candidatos a agentes, é Gonçalo Almeida, advogado com longa experiência na área, que tem trabalhado na preparação dos candidatos e é um dos juízes nomeados para a Câmara de Agentes, tribunal criado pela FIFA no âmbito da nova regulamentação.

«O grau de exigência continuará elevado», garante ao Maisfutebol o jurista português, que trabalhou na FIFA entre 2001 e 2006 e recorre à sua experiência para reforçar a ideia: «Na FIFA uma das tarefas que tive foi precisamente fazer alguns dos exames à época, conjuntamente com outros colegas do departamento, e o objetivo era de facto implementar um grau de dificuldade elevado. Portanto, não basta estar preparado, é preciso estar muito bem preparado. E é assim que tem de ser, porque temos de ser exigentes com os profissionais que vão trabalhar numa área de enorme responsabilidade», defende.

Nem todos os empresários precisam de passar por este exame. Os agentes mais antigos, licenciados antes de 2015 e que tenham tido pelo menos um registo como empresários nos anos seguintes, estão isentos. Mas ainda assim é grande o universo de potenciais candidatos. No primeiro exame, em abril deste ano, apresentaram-se 3.800 candidatos a exame – bem menos do que o número original de inscritos, que era superior a seis mil. E desses pouco mais de metade passou no teste. Em Portugal houve 147 candidatos, como contou o Maisfutebol.

A reintrodução de um teste de licenciamento é uma das novidades dos novos regulamentos de agentes (FFAR na sigla em inglês), que entraram parcialmente em vigor em janeiro, passando a ser integralmente aplicados a partir de 1 de outubro, precisamente com a obrigatoriedade de uma licença para o exercício da atividade. Gonçalo Almeida considera-a uma das alterações mais importantes: «O novo regulamento passa a permitir, para mais, a representação de menores e a remuneração dos agentes mediante essa representação. Antigamente era possível representar menores, mas os agentes não podiam ser remunerados. Quando estamos perante a representação de terceiros, a responsabilidade é enorme. Portanto, devemos estar devidamente capacitados para o efeito.»

«Esta licença, e isso é muito importante, terá uma dimensão internacional. Basta ser licenciado pela FIFA e pode trabalhar dentro de quaisquer jurisdições das Federações membro», nota ainda, para tocar depois no ponto da preparação dos agentes, que no seu entender é insuficiente. «Esta prova de conhecimentos vem agregar bastante, porque a figura dos intermediários que vigorou desde abril de 2015, sobretudo aqueles que não tiveram previamente a licença de agente de jogadores, é de pessoas de um modo geral não preparadas, com parcos conhecimentos técnicos sobre a atividade que pretendem exercer. A prova vem aportar um grau de exigência para que possam exercer a sua atividade com conhecimento de causa.»

«Facilitismo a roçar a irresponsabilidade»

Gonçalo Almeida não valoriza excessivamente os resultados do primeiro exame, mas acredita que são reflexo daquilo que considera uma atitude de desinteresse por parte de muitos agentes. «Acho que o primeiro exame não serve como referência para análise, porque entre esse exame e a entrada em vigor ainda havia um segundo exame», afirma: «Contudo, acho que existe da parte dos candidatos a agentes uma certa despreocupação aflitiva. Vejo-os com uma certa falta de interesse relativamente à importância que tem o exame. Muitos dizem: ‘Ah, se eu não passar continuo a trabalhar, trabalho em parcerias e isso.’», observa: «Mas isso é uma questão a que a FIFA irá colocar cobro. Julgo que apenas uma pequena percentagem está verdadeiramente dedicada e ciente daquilo que se avizinha. Do grau de dificuldade do exame, das obrigações que o regulamento vem instituir e da supervisão que, julgo eu, a FIFA terá sobre a atividade. Portanto, julgo que há um certo facilitismo, eu diria que até a roçar a irresponsabilidade. Mas pronto, veremos o resultado da prova.»

A reforçar essa ideia, Gonçalo Almeida não antecipa que o segundo exame tenha maior participação do que o primeiro: «O que me tenho apercebido é que aqueles que estavam verdadeiramente interessados esforçaram-se em março e agora aqueles que estão interessados para este exame de setembro são muito menos. Eu acho que há muitos intermediários que não estão minimamente preocupados, lá está, e nem se darão ao trabalho de se submeter a exame.»

O exame incide essencialmente nos regulamentos da FIFA. São «aproximadamente 700 páginas» de documentos para estudar, diz Gonçalo Almeida. Cursos como aquele que organiza, em parceria com a Universidade Europeia, procuram dar mais ferramentas aos candidatos. E, no seu caso, sensibilizá-los para o que podem esperar: «Da parte dos nossos formandos, temos tido pessoas bastante interessadas pelas matérias. Ainda assim, eu julgo que as pessoas não estão verdadeiramente cientes ou conscientes do grau de dificuldade do exame. Portanto, isso preocupa-me um pouco. Tenho demonstrado sempre essa preocupação, tenho aconselhado um estudo mais aprofundado, com mais tempo de estudo e não à última hora, tentando dar-lhes a conhecer as técnicas para resolver os exames.»

Contestação dos agentes e novo regulamento suspenso na Alemanha

O novo regulamento da FIFA introduz outras alterações significativas na atividade dos agentes, dos limites máximos nas comissões à proibição de representação simultânea de clubes e jogadores. Foi recebido com desconfiança por muitos empresários e organizações, contestando pontos como o teto de comissões e a potencial violação de princípios de concorrência e legislações nacionais. Algumas organizações de agentes avançaram para tribunal e na Alemanha um desses processos já levou a que os novos regulamentos não entrem para já em vigor, como explica Gonçalo Almeida: «Um tribunal na Alemanha determinou a suspensão da aplicação destes regulamentos, no âmbito de de uma providência cautelar. É uma suspensão provisória e dependerá depois do resultado da ação principal.» Para já, a FIFA acatou a decisão, suspendendo a aplicação do FFAR em todas as transações envolvendo a Alemanha.

Gonçalo Almeida diz que compreende «a legitimidade de quem defende os seus interesses»: «Isso não só é humano como até é saudável.» Mas defende que a nova regulamentação era necessária, face à prática da atividade nos últimos anos. «A implementação destes regulamentos é mais do que uma questão de justiça, é uma questão de necessidade, tais foram as práticas abusivas ao longo das últimas décadas. Sempre em prejuízo dos clubes de futebol. Vemos que os clubes de futebol apresentam passivos assustadores, ao passo que no agenciamento alguns agentes, fruto dessas práticas abusivas, acabam por ter proveitos extraordinários. E isso não pode continuar a existir. Tem de haver aqui algum equilíbrio, a bem do futebol, um cuidado com estas comissões abusivas que se praticaram, muitas das vezes até com o conluio dos próprios clubes, se praticaram.»

«Regular práticas abusivas» e «mudar o paradigma» entre agentes e representados

«A implementação dos tetos remuneratórios vem de certa forma tentar controlar essas práticas abusivas», prossegue. Essa tem sido a questão mais polémica, ao definir um máximo de 10 por cento de comissões no caso de um clube vendedor, mas limitar os outros negócios a três ou cinco por cento, dependendo do valor da transferência.

«A minha opinião é que muitas das comissões que são pagas no âmbito do agenciamento não vão ser afetadas, nomeadamente porque quem representa o clube vendedor na transferência de um jogador continua a poder praticar os 10 por cento de comissão, que era a prática generalizada do mercado», analisa Gonçalo Almeida: «Agora, quem virá seguramente a ser, entre aspas, prejudicado, a esse nível do teto remuneratório, são os agentes que representam pessoas singulares, jogadores ou treinadores. Porque veem essa prática dos 10 por cento ser reduzida para três ou cinco por cento.»

Mas o jurista defende que esta pode ser a oportunidade para uma mudança de mentalidades na relação entre os agentes e os seus representados. «O paradigma atual é que o agente muitas vezes está meses ou anos a trabalhar em prol do jogador, mas só é remunerado se se concretizar a assinatura de um determinado contrato. Independentemente de todo o esforço, todo o zelo, todo o profissionalismo, todos os custos que investiu ao longo desse tempo. Este paradigma tem de ser alterado. O jogador ou o treinador, como qualquer outro profissional, quando requer a ajuda de um outro profissional, paga pelos serviços. Porque é que não paga pelo agente, se paga por uma assessoria de comunicação? Porque é que não há de pagar ao agente um valor fixo mensal pelo seu trabalho? E depois sim, um bónus pelo sucesso caso se concretize determinado tipo de contrato ou transferência», afirma Gonçalo Almeida, para concluir: «Isto até vem em favor dos agentes. Agora, as mentalidades é que têm de ser alteradas, nomeadamente nos casos dos treinadores e jogadores. Perceberem que estão a contratar um serviço e que devem remunerar esse serviço, independentemente do que venha a suceder como resultado.»

A Câmara de Agentes e os litígios «muito frequentes»

Outra das novidades dos novos regulamentos prende-se com o facto de a FIFA ter voltado a chamar a si a resolução de conflitos envolvendo agentes, com a criação da Câmara de Agentes. «A questão da tutela da FIFA é determinante. A FIFA volta a ter jurisdição para dirimir litígios que envolvem agentes e todo o tipo de clientes. Isso é importantíssimo, porque aporta um caráter de segurança, de alguma certeza jurídica e acima de tudo uma salvaguarda de segurança de todas as partes, que podem recorrer à FIFA sem terem a necessidade de recorrerem aos tribunais comuns, que tantas vezes ignoram a especificidade do desporto», observa Gonçalo Almeida, que integrará precisamente a Câmara de Agentes, um órgão constituído por 24 juízes e onde estará também Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato de jogadores.

Podem recorrer a esse tribunal agentes e, explica Gonçalo Almeida, os seus clientes, «ou seja, jogadores, treinadores, clubes, Federações ou Ligas». O recurso à Câmara de Agentes, que analisa litígios de âmbito internacional, não é obrigatório, nota ainda o jurista, que explica ainda como decorre o processo de decisão: «Pode haver um coletivo ou ser decidido por um só juiz. Caberá depois à administração da FIFA proceder à nomeação, dentro de um regime de rotatividade e obviamente atendendo à experiência de cada um dos juízes.»

Gonçalo Almeida estima que a Câmara de Agentes começará a ter «trabalho» depois da próxima janela de transferências: «A expectativa é que os primeiros litígios decorram da janela de transferências de janeiro. Calcula-se que essa janela trará alguns litígios e que, já tendo respeitado todo o contraditório, o processo tenha evoluído para decisão lá para abril do próximo ano. Lá para o final da época desportiva na Europa, em junho, podermos fazer uma análise, uma pequena análise, de como decorreu este período inicial de aplicação dos regulamentos.»

Os litígios associados ao agenciamento são «muito frequentes», diz Gonçalo Almeida, com base na sua experiência de 22 anos na área. E podiam ser mais, acrescenta, notando que há muitos casos em que os agentes, nomeadamente, evitam entrar em conflito: «Seriam mais se houvesse coragem por parte dos ainda intermediários em selecionar os seus clientes, ou seja, trabalhar com aqueles que efetivamente remuneram. Mas há muitas vezes uma certa dependência relativamente a determinados clubes e percebe-se que, com toda a legitimidade e alguma naturalidade, alguns intermediários optem por não avançar com ações contra esses clubes, sob pena de alegadamente fecharem as portas.»

«Infelizmente assistimos cada vez mais a incumprimentos reiterados», finaliza o jurista: «Veja-se os casos cá em Portugal, algumas SADs que são incumpridoras generalizadas dos contratos de representação e ao nível de pagamento das comissões. Portanto, estou em crer que a nível internacional, de início teremos um volume de trabalho reduzido a nível da Câmara de Agentes, mas creio que com o tempo esse número vai incrementando gradualmente.»