No final deste ano, a ligação de Bruno Lopes com o Japão vai distanciar-se mais um pouco, pois o avançado que joga no Estoril desde a última época por empréstimo do Albirex Nigata termina o contrato com o clube japonês.

O jogador de 28 anos já revelou em conversa com o Maisfutebol algumas das ideias que pode neste momento ter para o seu futuro mais próximo. Mas por enquanto é do passado que se vai falar na MF Total. Porque há coisas pelas quais o brasileiro do Paraná passou no país do Sol Nascente de que nunca irá esquecer-se. E cujo relato não é comum ouvir...

E são essas que se vai começar por contar, como ele contou – sem haver esquecimento de dar seguimento até ao presente em artigos que se seguirão.

É esta pessoa «alegre que procura estar sempre bem com a vida», que gosta de «deixar amigos» por onde passa e não vai «onde possa atrapalhar» que faz uso do seu espírito «bem humorado» para contar como aconteceu a sua ida para o futebol japonês.

«O olheiro de um clube japonês foi ao brasil observar outro jogador num jogo contra o Vilanova, a minha equipa. Eles nunca tinham perdido um jogo em casa. Nós ganhámos 2-1. Eu sofri um penálti e fiz o 2-1. A partir daí começaram a acompanhar-me e viram 20 jogos meus. Eles viam os meus jogos mas eu nem sabia quem eram. Até que quando tiveram certeza disseram-me que queriam contar comigo», recorda o jogador que foi para o Japão à procura de «estabilidade profissional».

«A proposta financeira não foi a melhor, mas foi o melhor contrato que tive», assume bruno Lopes frisando também que a ida para no Japão permitiu-lhe criar uma «identidade» enquanto jogador – que no Brasil é difícil conseguir porque se é muito «nómada» entre clubes – que continua a manter no Estoril – assim como o contrato.



O que «mais pessoas» lhe disseram foi que o seu «futebol veloz encaixava» a preceito no futebol japonês, ao mesmo tempo que sabia ir para um lugar «onde amam o povo brasileiro». «Isso pesou muito», assume com uma recordação inequívoca: «Fui com a minha mulher e a minha filha. A minha filha chegou lá com seis meses.»

Esta revelação ganha ainda mais significado depois do que Bruno Lopes veio a contar. O avançado recordava a «experiência maravilhosa» no Japão no meio de uma «cultura completamente diferente» para dar uma garantia: «Não tenho memórias más de lá.» «Se não uma», disse quase em simultâneo. E essa é a do «primeiro terramoto».

Esse primeiro terramoto foi o sismo de magnitude 9 que em 11 de março de 2011 abalou a costa leste do Japão, ao qual se seguiu um tsunami que devastou, entre outras, a cidade de Fukushima, onde existia uma central nuclear. Aqui, Bruno Lopes esclarece: ainda não tinha levado a sua família. «Fui para lá sozinho, fazer a pré-época. De janeiro a março fica-se sozinho para que família não esteja sem os intérpretes», que acompanham o jogador na pré-temporada.

Estava então sozinho. Mas estava lá, nessa quinta-feira. O melhor é Bruno Lopes contar. «O jogo era no sábado, tinha acabado de chegar a casa depois do almoço e sinto uma tontura. Acabei de almoçar, é impossível descer a tensão, desmaiar assim do nada – foi o que pensou . Baixei a cabeça. E quando a levantei olhei para cima e o ventilador balançava, as portas batiam, coisa de loucos... Pensei a casa deve estar assombrada... Abri a sacada do apartamento e saí e o poste da luz parecia um galho de uma árvore a abanar. A minha adrenalina subiu, fiquei parado, não tinha reação. Tocou o telefone e era o intérprete. Perguntou: Bruno, balançou aí? Eu respondi: Ainda está a balançar. Então sai correndo, disse ele e eu saí a correr.»

«O elevador do prédio já não funcionava – agora estou a rir, mas na altura foi muita pressão... Cheguei à rua e para os japoneses era normal. Estava tudo normal. Para eles foi mais um «dishin», mais um terramoto...» Nigata, onde estava Bruno Lopes, fica a 270 quilómetros de Fukushima e «havia réplicas». Os japoneses estavam habituados, o brasileiro não: «Marcou-me bastante. Dormir à noite era complicado. À noite, falava com a minha família no Skype e depois ia treinar direto sem dormir. Como tinha de esperar pelo intérprete depois do treino que acabava ao meio dia, era quando dormia; até às duas e meia.»

«Foi uma experiência complicada», que começou a ser controlada. «Comecei a adaptar-me, os terramotos foram enfraquecendo«,mas a distância continuava a ser de 270 quilómetros, agora para outro perigo: «Fiquei preocupado com Fukushima. Quando rebentou o primeiro reato, eu disse Eh pá, isso é perigoso. Então, explodiu o segundo.» Bruno Lopes foi ter com outros jogadores brasileiros e «disse-lhes que ia ser honesto.» «Se explodir o terceiro eu vou dizer ao clube que quero ir-me embora», contou. E explicou: «A radiação não se vê, tenho uma filha para criar com seis meses, não dá...»

«Noutro dia em que estávamos a treinar de manhã, houve um terramoto – os japoneses sentiram, mas não nos diziam nada, na altura eu mal entendia o japonês... Quando chegámos ao balneário, numa sala com televisão, aí, impressionei-me porque eles estavam todos em cima da televisão. Quando consegui um espaço, vi que tinha rebentado o terceiro. Nem tomei banho. Fui falar com o diretor», recorda o jogador contando que o Albirex Nigata «foi o único» que pagou as passagens dos futebolistas brasileiros para irem a casa, com o compromisso de que voltariam ao clube quando a situação em Fukushima normalizasse: «Comprometemo-nos. Normalizou. Tínhamos ido três. Voltámos dois.»



E, com a memória do golo na estreia, já voltou com a família – tinha feito o último jogo no início de maio, voltou a jogar no final de junho. «Eu estava adorara aquilo, a estrutura, a organização, os estádio cheios, tudo isso motiva», recorda com o exemplo da dedicação dos adeptos: «Perdemos um jogo em casa 3-0 e fomos aplaudidos por 35 mil pessoas.» «Eles vão para lá para ver um espetáculo. Houve jogos fora de casa que ganhámos e a torcida da casa aplaudia-nos e pedia-nos autógrafos. Não sei explicar...»

Mulher e única filha na altura (tem agora outra com um mês de idade) «passaram pelas dificuldades normais». A adaptação da família foi feita contando com a preciosa ajuda de um dos intérpretes, pois se um deles é exclusivamente para o profissional de futebol na sua atividade, o outro tem como missão zelar por todos os familiares, desde transportes, a médicos, etc. «O que o motiva?», pergunta Bruno Lopes, que também responde: «Se o nosso rendimento como jogador for bom, é por esse rendimento que ele ganha na base de uma comissão.»

«Uma vez perdi a carteira e recuperei-a com tudo o que tinha lá dentro. No Brasil, noutro país, não acontece...» As histórias sucedem-se. E sucederam-se até à despedida, em 2013. Com direito a homenagem dos adeptos.