1970, ano louco na vida de Jairzinho. O herdeiro de Mané Garrincha, sete nas costas e malandragem no andar, sobe ao galarim dos imortais: seis jogos, sete golos, Rei da Copa, senhor de um recorde teimoso e resistente ao trepidar imparável do tempo.

A entrevista ao Maisfutebol começa assim. Direto, justificadamente vaidoso, Jairzinho relembra ao jornalista com quem está a falar: «Olhe aí, sou o único jogador que marcou golos em todos os jogos de um Mundial».

Estamos avisados seu Jairzinho. Não é à toa que lhe chamam o Furacão da Copa de 70.

Para quem não se lembra deste monstro sagrado, é bom sublinhar mais um dado. Ao lado de Jairzinho, nesse maravilhoso Brasil, estavam Rivelino, Tostão, Gérson e… Pelé.


Um poema em forma de equipa, estrofes e quadras lascivas moldadas nos corpos de 11 futebolistas. A exuberância - se aplicada aos tempos atuais - seria uma utopia assumida e assinada pela convicção de um treinador incomum: Mário Jorge Lobo Zagallo.

«Nós eramos ótimos, mas a inteligência do Zagallo foi fulcral. Ele foi, até hoje, o único treinador a colocar em campo cinco números 10. E todos faziam a diferença», assegura Jairzinho.

«Era assim mesmo. Ninguém sabia como o Brasil jogava. O Pelé era o centro do nosso universo e nós gravitávamos em redor dele: eu, Rivelino, Gérson e Tostão. Todos jogávamos nos nossos clubes na posição-dez».

«O Zagallo quis ter os melhores e levou os melhores. Ninguém voltou a ter essa coragem», conclui Jairzinho, 69 anos de memórias frescas, saúde e saudade dos jogos que não voltam.

«CRISTIANO RONALDO NO BRASIL DE 70? NÃO SEI SE DAVA»

Saudade. Desse Brasil, claro, da juventude inocente, dos sonhos de levar o Brasil à perfeição. E de Eusébio também. Jairzinho comove-se ao falar do Pantera Negra. Uma exceção numa entrevista alegre, solta e positiva.

«O ciclo da vida é danado», diz uma e outra vez, até ir dar ao local incontornável. Obrigatório.

16 de julho de 1966, Goodison Park, Liverpool. Os Magriços de Otto Glória vergam o Brasil por 3-1. Do lado dos vencedores, Eusébio da Silva Ferreira. A carregar o fardo dos vencidos, o lesionado Pelé e, naturalmente, Jairzinho.

«Tenho mesmo muitas saudades dele. Nunca esquecerei o jogo do Mundial-66 contra Portugal. Perdemos, perdemos bem, perdemos contra o enorme Eusébio», lembra Jairzinho.

Jairzinho, o «best of» no Mundial de 1970:



Eusébio, duas vezes, e Simões marcam para Portugal. Rildo faz o único do Brasil. «Como é que poderia não me lembrar? O Brasil eliminado na primeira fase. Já viu isso?»

«Eu tinha um enorme prazer em jogar contra o Eusébio e em ser colega de equipa dele nos jogos amigáveis que a FIFA por vezes realizava»
, continua Jairzinho.

«Nunca o vi mal disposto ou a ser indelicado com alguém. Era um cavalheiro. Se eu tivesse jogado com ele e o Pelé? Ui, era uma bomba atómica».

Em 1970, no seu Mundial, Jairzinho já não encontra Eusébio. Tudo resolvido semanas depois pela FPF.

«Recebi um convite da federação portuguesa, após a prova, e fui passar uma semana a Lisboa. Andei com o Eusébio para trás e para a frente. Passei a considera-lo um irmão. Esteja onde estiver, que receba o meu abraço fraterno».

Está entregue seu Jairzinho.

«A Copa de 70 foi o melhor espetáculo de todos os tempos»

Eusébio desvia por minutos o rumo da conversa. É o poder do King. Jairzinho volta, enfim, a concentrar-se no Mundial do México, em 1970, e na «melhor equipa de todos os tempos».

«Quem não viu essa Copa perdeu o maior espetáculo jamais realizado na Terra. Nunca mais se jogou um futebol como o desse Brasil. E isto não é choradinho de velho rezingão», reclama o extraordinário avançado, nado e criado no Botafogo [413 jogos e 186 golos entre 1959 e 1974].

Esse Campeonato do Mundo é decidido no Estádio Azteca. 21 de junho de 1970. O Brasil esmaga, sempre com classe, a Itália. 4-1. Pelé, Gérson, Jairzinho e Carlos Alberto fazem os golos da máquina canarinha, Boninsegna marca o golo italiano.

Por trás disto tudo, revela Jairzinho, está o estudo compulsivo da squadra azzurra. A glória brasileira diz-nos que, por esses dias, já se fazia observação-vídeo dos jogos da seleção adversária. Influência de um revolucionário Carlos Alberto Parreira, 27 anos, preparador-físico e amante da ciência.

«O MEU ÍDOLO É O MEU ANTECESSOR: MANÉ GARRINCHA»


«Sabíamos tudo deles», atira. «Faziam marcação homem a homem, todos menos o Gigi Riva [avançado]. O Zagallo pediu-me por isso para eu deslocar o Facchetti [defesa esquerdo] para a direita, pois sabia que ele iria atrás de mim».

«Foi assim, com todo esse espaço no meu corredor, que saiu o golo do Gérson, o golo do Pelé com a cabeça e o quarto, do Carlos Alberto. Ele subiu e ninguém cobriu»
.

A beleza das coisas mais simples.

Então é assim: Jairzinho faz dois golos à Checoslováquia, na estreia, um à Inglaterra e mais um à Roménia. Isto na primeira fase. Depois, um ao Peru (quartos-de-final), um ao Uruguai (meias-finais) e um na final contra a Itália.

«Sou o único a ter marcado golos em todos os jogos de um Mundial. Sabia?»

O Brasil do «tri» no Mundial-70: