Das escolinhas em Fafe à estreia, aos 17 anos, pelo Vitória SC, da queda ao sucesso. Tomané, avançado que se transferiu este ano do Tondela para o Estrela Vermelha, da Sérvia, falou em exclusivo ao Maisfutebol.

Tomané estreou-se, nesta temporada, na Liga dos Campeões, depois de quase ter descido de divisão com o seu Tondela na época passada. Da paixão pela Alemanha aos ordenados em atraso na Grécia, da má experiência no Arouca ao agradecimento profundo ao Tondela. O avançado português, a quem já disseram que era mais fácil se fosse Tomanevic, detalha as experiências da sua carreira profissional e não esconde o desejo de representar Portugal.

Agora na Sérvia, Tomané pode dizer que jogou a Liga dos Campeões. Nesta parte II, o português fala sobre a Sérvia, a sua experiência num tanque militar, o domínio na monótona liga daquele país e a experiência de jogar contra os melhores do mundo.

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Maisfutebol - Considera a liga sérvia competitiva?

T - Não vou dizer que é competitiva, estava a mentir se o dissesse. Na liga sérvia estamos com 11 pontos de vantagem sobre o Partizan e sem fazer muito. A liga sérvia é o Partizan e o Estrela, e as outras equipas não têm tanta competitividade. Não foi pelo campeonato que vim para aqui, foi mais para ser campeão e jogar a Liga dos Campeões, que acho que qualquer jogador tem esse sonho de poder jogar e poder dizer que jogou a Liga dos Campeões, era o que eu queria.

MF - Considera o futebol aí mais rico a nível tático do que em Portugal?

T - O futebol aqui é mais agressivo, nós em Portugal, taticamente, temos os melhores treinadores, é só ver a quantidade de treinadores que temos pelo mundo. Eu penso que, aqui na Sérvia, há alguma mudança nesse sentido, mas continuam só a poder jogar quatro estrangeiros, só podem estar quatro estrangeiros na convocatória, acho que é um exagero e bloqueia os clubes a não poderem jogar com mais qualidade. Acho que tem de mudar, aqui há jogadores que têm qualidade, há jogadores que saem anualmente para grandes clubes, são aguerridos, são equipas duras, mas acho que há mais qualidade em Portugal.

MF - Qual é o aspeto que mais distingue o futebol sérvio?

T - Essa agressividade que tem, e uma coisa que não entendo e se vê na seleção sérvia: têm grandes jogadores e não conseguem ter uma seleção competitiva e que vá aos campeonatos europeus, não conseguem resultados, porque a mentalidade dos sérvios é de estar sempre a mudar, perdem um jogo e mudam de treinador, é uma mentalidade nesse sentido. Outra coisa que os distingue dos outros países é a instabilidade das equipas. Por exemplo, temos 11 pontos de avanço, mesmo tendo jogado a Champions, e o nosso treinador foi mandado embora. Estamos também na Taça da Liga sérvia, é difícil perceber, mas é assim.

MF - Sente que pode acontecer o mesmo que aconteceu no Arouca?

T - Não posso dizer que sim ou que não, pode acontecer, a mudança de treinador é assim, eu fui aposta do outro treinador e agora as coisas podem mudar. Agora tive um problema físico, tive um estiramento na coxa, e vamos ver, mas há sempre mudança para todos os lados. Nós, neste momento, temos três jogadores estrangeiros a treinar à parte, e não tiveram oportunidade de ir para a pré-época, a mentalidade é um bocadinho assim, temos de viver com ela. Em Portugal, felizmente, não é assim, mas parece querer caminhar para o mesmo sentido, sempre a mudar treinadores. Aqui a mentalidade deles é assim, é estar em constante mudança, mas vamos ver, há que trabalhar, aquilo que tenho feito e faço sempre, se não é aqui, é noutro lado, o futebol é isto, o futebol é saber lidar com isto e com muitas outras coisas de que não vale a pena falar.

MF - Como foi adaptar-se de uma equipa que passa mais tempo a defender do que atacar, para uma equipa que está sempre em cima do adversário?

T - Adaptei-me bem, é muito melhor correres para a frente e com a bola do que correres sem ela, e no Tondela corria muitas vezes sem ela e estava mais sozinho na frente. Aqui atacamos mais vezes, estamos sempre a atacar, menos na Liga dos Campeões, e aqui foi isso, acho que a adaptação assim é fácil, ao contrário é que seria difícil. Tive alguns problemas físicos, há a situação dos estrangeiros, que somos oito e só podiam ir quatro para os jogos, isso dificulta sempre, mas o futebol aqui é assim e só há que adaptar e dar o nosso melhor.

MF - O Estrela Vermelha está em primeiro, com 11 pontos de vantagem sobre o Partizan. Já se pode considerar que está ganho o campeonato?

T - Não acho que esteja ganho. O campeonato reata agora sábado [n.d.r sábado, dia 15 de fevereiro] e perdermos este campeonato não será fácil, seja aqui, em Portugal ou na China, com 11 pontos e com a competitividade aqui a não ser tão grande. Temos o jogo da segunda volta com o Partizan e o Play-Off com o Partizan, e, se perdermos, pode complicar. Acredito que o título está mais fácil, mas vamos ver o que acontece.

MF - Em dez jogos em casa, o Estrela vermelha ganhou todos. A que se deve esta invencibilidade?

T - Deve-se a não haver muita competitividade. O único jogo que perdemos, além da Liga dos Campeões, foi contra o Partizan fora. O Olympiakos perdeu por três bola a uma aqui, o ano passado ganharam ao Liverpool em casa, é sempre um estádio difícil de se jogar, isso ajuda mas, na Liga Sérvia é isso, é a falta de competitividade. O Estrela tem os  melhores jogadores, o melhor plantel, tem o plantel para rodar a equipa semana a semana e conseguir ter rendimento, nós ganhamos todos os jogos em casa, a competitividade das equipas não é muito grande.

MF – O clube, por vezes, é associado mais aos adeptos do que aos jogadores. O que achou dos adeptos e como convive com eles?

T - Os adeptos são conhecidos pelo ambiente criado no estádio, principalmente no dérbi com o Partizan, que é um dérbi frenético. São adeptos que gostam muito do futebol, acompanham muito o futebol. É uma equipa com história, que já ganhou a Liga dos Campeões, mas até penso que os adeptos têm de mudar um bocadinho a mentalidade, o futebol já não é o que era há 30 ou 40 anos. Neste momento, o Estrela já não é um grande da Europa, antes lutava com Milan, agora já não é assim, até porque a Sérvia teve várias dificuldades, e tem que evoluir em vários sentidos para se voltar a bater com grandes equipas. Mas os adeptos apoiam sempre, têm ajudado sempre a equipa e há essa pressão que há nos clubes grandes, seja no FC Porto, Benfica ou Sporting, há sempre pressão para ganhar e quando não vences és assobiado. Felizmente ganhamos muitas vezes e perdemos poucas, mas quando perdemos com o Partizan é difícil, porque as pessoas não gostam de perder o dérbi, é como o Vitória-Braga, se ganhares o dérbi a época está feita. São excelentes adeptos, apoiam sempre a equipa e vês isso na Liga dos Campeões, é um clube grande que eu comparo ao Benfica em termos de adeptos, tem muitos milhões de adeptos, é parecido, entre aspas. Quando eu vim para a Sérvia, a imagem que tinha do país é a mesma que há aí em Portugal, de que é muito perigoso, mas não é verdade. É muito seguro, tem muita polícia nos jogos, é mais seguro do que em Portugal, de certeza absoluta, e a maior parte dos adeptos são do Estrela Vermelha e apoiam, mas não é a imagem que Portugal e os outros países têm da Sérvia. Eu estava enganado acerca da Sérvia, é seguríssimo, não tenho nada a dizer.

MF - A 7 de dezembro, o Tomané marcou um golo de bicicleta ao Spartak Subotica. É este o melhor golo da sua carreira?

T - Recebi aqui um prémio de melhor golo do ano por esse golo. Eu considero outros golos melhores, o do Sporting, por exemplo, é mais difícil que esse, e pelo contexto da dificuldade que foi o jogo com o Sporting, foi um golo que marcou mais que este. Mas marquei grandes golos, quer na formação, quer no profissional, e espero marcar muitos mais.

MF - O Estrela Vermelha apurou-se para a Liga dos Campeões, apesar da eliminatória com o Young Boys ter terminado empatada, e o Tomané saiu do banco no segundo jogo e ainda foi a tempo de ser expulso.

T - Saí magoado desse lance e ainda fui expulso, na minha opinião não era para expulsão, e ainda bem que não sofremos golo. Eu falho a grande penalidade com o Olympiakos, e depois é difícil as pessoas entenderem, mas ainda bem que nesse jogo não aconteceu nada, senão ia ficar ligado ao clube não ir à Liga dos Campeões.

MF - O que sentiu depois dessa grande penalidade falhada?

T – Senti-me mal, no Tondela marcava sempre, e ali não tinha treinado, porque não era eu, e não sou eu a bater grandes penalidades no Estrela, mas o capitão não quis bater e eu assumi. Se fosse hoje assumia outra vez, sem problema nenhum. Bati mal, senti-me mal por não me ter preparado, não sou eu a bater normalmente, muito menos agora. Nunca é bom falhar, seja em que competição for, mas ainda mais na Liga dos Campeões.

MF - Qual foi a sensação do apuramento para a Champions?

T - A sensação de uma coisa que queria, e que vim para esse clube para isso, e foi concretizada. Foi um sonho e uma coisa que fica marcada, ouvir o hino da Champions, é uma competição que arrepia quando jogamos, e eu vim aqui para jogar a Champions e já ficou na história. Quando acabar a carreira posso dizer que joguei a Champions, quando o ano passado estava a lutar para não descer no Tondela. Marcou-me muito, é uma oportunidade única e fica sempre marcado.

MF - Foi melhor apurar-se para a Champions ou andar naquele tanque militar?

T - [Risos] Isso foi uma coisa depois de termos sido campeões, e lá está, os adeptos fizeram uma festa enorme, eu nunca pensei em estar em cima do tanque, não foi melhor do que apurarmo-nos para a Liga dos Campeões, mas é um momento para recordar.

MF - Como é jogar numa Allianz Arena ou noutros estádios grandes da Europa?

T - É incrível porque jogas com jogadores que vês sempre na televisão, e, enquanto defrontas esses jogadores, estás a jogar em estádios incríveis, como o do Tottenham, que nunca tinha visto uma coisa assim. Jogar contra o Lewandowski dá-te muita satisfação, se não jogasse não ficava triste e estava contente já por estar ali, e estar ali a ver o que aqueles jogadores podem fazer é para recordar e fica marcado.

MF - Houve alguma arrecadação de camisolas?

T - Por acaso não faço coleção de camisolas, e, quando peço, é de amigos. Faz sentido ter camisolas de pessoas que são teus amigos, mas assim não, não pedi a ninguém.

MF - Quais são as suas maiores referências?

T - O Zlatan sempre foi um avançado que eu sempre gostei de ver jogar, mas também o Ronaldo, que joga por ali, mas o meu ídolo é o Zlatan.

MF - O ano passado disse, numa entrevista, que gostava de ir o mais longe possível. Estando já a jogar a Champions, onde quer o Tomané ir?

T - Onde tiver que ir. O que tiver de acontecer acontece, a vinda para aqui por algum motivo tinha de acontecer, joguei a Liga dos Campeões, espero ser campeão, espero jogar e marcar. O objetivo é ir cada vez mais longe, se conseguir muito bem, se não conseguir fico muito feliz com aquilo que consegui. Gostava muito da seleção, se acontecer muito bem, se não acontecer feliz na mesma por aquilo que fiz.

MF - O que difere a Sérvia, enquanto país, de Portugal?

T - A mentalidade. Em Portugal, temos a mentalidade de aprender cada vez mais e aprender, um país pequeno que tem tantos títulos de melhores jogadores, e aqui, principalmente no futebol, eles não estão muito abertos com as pessoas e países que têm sucesso, e por isso falei na situação da seleção, que tem muita qualidade, mas mudou dez treinadores nos últimos anos, é essa a diferença para Portugal. Vive-se bem, Belgrado é uma cidade bonita e com vida, mas nestas coisas de mudar eles têm de ver o que há de bom nos outros países para o campeonato melhorar e a Sérvia conseguir melhores resultados, senão não sai disso.

MF - Mudou os seus hábitos?

T - Não, eu não sou muito de sair, fico em casa e tenho a minha namorada, e ainda bem que está comigo, ela ajuda-me muito, senão ia ser difícil estar sozinho. Não tive que me adaptar muito, apesar de estar em Tondela e poder ir a casa de vez em quando, aqui saio do treino e vou para casa, não difere muito do que tinha em Portugal.