Estórias Made In é uma nova rubrica do Maisfutebol que olha para os jogadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo e este é o espaço em que relatamos as suas vivências:

Depois de três anos na Grécia, no PAOK, onde contava continuar, o mercado levou Miguel Vítor para o Hapoel Beer Sheva de Israel. A instabilidade política da região ainda o fez hesitar, mas acabou por aceder. Em três meses, já ajudou o clube israelita a fazer história, ao marcar na vitória frente ao Inter, em Milão, e foi selecionado pela UEFA para a equipa da semana da Liga Europa. O sucesso desportivo ajuda à adaptação numa cidade em que é comum ver pessoas passar de metralhadora na rua e a língua é completamente diferente.

Formado no Benfica, esta é a primeira vez que Miguel Vítor deixa a Europa para jogar (além do PAOK, esteve emprestado pelos encarnados ao Leicester na temporada 2010/2011, na altura na segunda liga inglesa) e o destino não foi de aceitação imediata.

«Nunca tinha vindo a Israel antes e, quando me falaram, o primeiro impacto foi ficar de pé atrás por tudo o que se ouve nas notícias sobre a guerra», contou ao Maisfutebol. Então, aconselhou-se com quem já vivia no país. «Falei com o Orlando Sá, que estava no Maccabi Telavive, e com o Bruno Pinheiro, que está no Hapoel Haifa, e eles disseram-me que era um país espetacular e que nunca lhes tinha acontecido nada. Deram-me mais segurança para a minha decisão».

A decisão teve de ser mais ponderada porque Miguel Vítor não se mudou para Israel sozinho. «Comigo veio também a minha mulher e as minhas filhas, [dois anos e meio e quatro anos]. Se eu viesse sozinho, até podia arriscar mais um pouco, mas com a família tem que ser uma coisa mais pensada», frisou.

E logo na primeira visita, foram visíveis algumas particularidades de Israel que apanham por vezes os estrangeiros desprevenidos. «Na altura em que vim assinar contrato, estava com a minha mulher e com o meu empresário e fomos a uma loja, onde estava uma pessoa, que nem estava fardada, e tinha uma arma. Nós ficámos com receio na altura, mas depois o dono da loja disse que era normal».

«Os militares levam as armas para casa e por isso é normal ir na rua no dia-a-dia e passar por pessoas com metralhadora. Isso causa impacto no início. Agora estou habituado e já nem ligo».

Dia a dia em Israel (foto arquivo pessoal de Miguel Vítor)

Outra particularidade é a segurança reforçada nas entradas e saídas do país. «Nessa primeira viagem, no regresso a Portugal, começaram a fazer-me perguntas – nome dos pais, do avô - e eu, com a atrapalhação, já nem me estava a lembrar. Então, eles mandaram-me para outro sítio, fizeram mais perguntas, ligaram para Portugal porque acharam estranho eu não saber, mas, assim sem contar, as pessoas às vezes ficam atrapalhadas».

Em Beer Sheva, cidade de 186 mil habitantes próxima do deserto, Miguel Vítor garante que, «apesar de Israel ser um país com uma cultura diferente, onde se encontram todas as religiões num só sítio, judeus, muçulmanos, cristãos…», a adaptação «está a correr bem». «Tenho-me sentido seguro, sem qualquer tipo de problema», garantiu, frisando que não se arrepende da decisão.

«As miúdas estranharam no início, sobretudo por causa da língua. Já falavam grego, estavam bem adaptadas. Mas também estão habituadas a mudanças e, uma semana depois já se tinham habituado aqui à escola. Só ficam até às 2 da tarde, mas a mais velha até já perguntou se podia ficar também de tarde. É bom sinal», disse, acreditando que, rapidamente, vão ser uma grande ajuda para os pais aprenderem a língua. «Na Grécia ensinavam-nos muitas palavras em grego, de certeza que aqui vai ser igual».

Até porque Miguel Vítor ainda só sabe «o básico» de hebraico. «Sei dizer bom dia, obrigado, os números até dez, esquerda, direita… Mas é difícil. Ler não sei se um dia vou conseguir, porque os caracteres são diferentes, mas falar quero». Até lá, vai comunicado em inglês com os companheiros de equipa. «Na cidade, como não é muito grande, nem muito turística, muitas pessoas não falam inglês. Nas lojas, às vezes, é por gestos, apontar, o preço escrevem num papel… dá sempre para desenrascar».

O que ainda não dá para perceber é a letra da música que os adeptos criaram para ele.

«Honestamente não percebo nada, a não ser o meu nome», confessou. «Aqui, cada jogador tem uma música, e há uma coisa curiosa, que ainda não tinha visto em nenhum lado. Durante o aquecimento, eles cantam as músicas dos onze jogadores titulares, desde o guarda-redes ao avançado, e o jogador, quando cantam a música dele, para um bocadinho o aquecimento e vai agradecer ao público».

Essa interação com os adeptos é especial para o jogador. «Quando jogámos em casa, são 90 minutos com o estádio todo a apoiar. É um excelente ambiente», contou Miguel Vítor, que teve esta segunda-feira o primeiro jogo grande da liga israelita, frente ao Maccabi Haifa. Apesar da derrota por 2-1, o defesa português elogia a envolvência que os adeptos criaram. «Eram cerca de 30 mil pessoas e apoiam muito, com músicas, e todo o estádio entra na coreografia».

Uma noite perfeita e San Siro a aplaudir

Mas o momento alto de Miguel Vitor com a camisola do Hapoel Beer Sheva foi na passada quinta-feira, na primeira jornada da fase de grupos da Liga Europa frente ao Inter de Milão. O português marcou o primeiro golo dos israelitas aos 54 minutos e Maor Buzaglo fez depois o 2-0 que chocou San Siro.

«Marcar um golo num estádio tão especial como San Siro, contra uma equipa como o Inter e, no culminar disso, entrar na equipa da semana da UEFA, foi uma noite perfeita. Em termos coletivos estivemos muito bem, dominámos, tivemos mais oportunidades do que o Inter… foi perfeito».

«Fomos justos vencedores e a prova é que no final do jogo fomos aplaudidos por todo o estádio, até adeptos do Inter. É raro estas coisas acontecerem. Foi um reconhecimento importante», recordou.

E o reconhecimento continuou em Israel. «Tínhamos muita gente à espera no aeroporto, que fica a uma hora de Beer Sheva, e não tinha mais por essa distância. Se fosse aqui na cidade teria mais gente».

«Agora na rua as pessoas vêm dizer-me obrigado pelo golo e pela emoção que lhes demos. Ninguém pensava que podíamos ir ganhar a San Siro e acho que vão recordar esta vitória por muito tempo. Foi um resultado histórico, conseguimos o que ninguém tinha conseguido».

O caminho na Liga Europa não será fácil. «Sabemos que derrotámos o favorito do grupo, mas temos duas equipas muito fortes ainda: Southampton e Sparta de Praga. Vai ser difícil e, para conseguirmos o apuramento, temos que continuar neste nível».

Para o futuro, Miguel Vítor tem ainda um objetivo: «ir à seleção nacional». «Sei que é difícil aqui num campeonato mais periférico, mas espero que a oportunidade possa surgir. Se fizer um bom trabalho no clube, as coisas ficam mais perto».