*Enviado-especial ao Euro 2016
Fotos: Francisco Paraíso/FPF

Fernando Santos sentou-se a uma mesa, no meio de uma sala em Marcoussis, a falar de bola com vários jornalistas que acompanham a campanha portuguesa no Euro 2016. Falou abertamente, tentou explicar as suas opções frente à Islândia, e apenas recuou quando lhe foi pedido para responder a questões mais individuais sobre determinado jogador. Sendo um homem de consensos, e que tem na relação que cria com os jogadores um dos seus pontos fortes, desenhou aí uma fronteira inultrapassável que se compreende. O MAISFUTEBOL traz-lhe aqui o que de mais importante foi dito. Uma espécie de quadro tático do selecionador, exposto ao longo de vários temas.

Aproveitamos também nós para traçar uma fronteira de que tanto gostamos: não se falou só de bola nessa sala do centro de estágios, mas aqui só ela entra mesmo.

 

ESTRATÉGIAS

A mudança de estratégia na Islândia

«Tínhamos dito aos jogadores o que esperar, e houve apenas uma única diferença em relação aos encontros de qualificação: foi a primeira vez que a Islândia tentou não deixar o adversário sair do seu meio-campo. Manteve duas linhas de quatro curtas, com o ala esquerdo a fazer de quinto defesa. Continuou a ser uma equipa muito forte e atlética, a sair ainda mais do que o normal de cá de trás, alimentando um futebol muito direto, para o seu 9 [Sigthórsson], com o apoio dos alas. Depois apostou em algo que já tinha valido um penálti com a Holanda: cruzamentos longos da direita para o tal 9, com o 8 [Bjarnason] a apoiá-lo nas costas. Era quase sempre da direita, nunca o fez pela esquerda. Estudámos isto tudo, e tentámos responder. Fizemos essa parte do trabalho.»

A estratégia para furar a «muralha» islandesa

«No que diz respeito ao jogo ofensivo, passava primeiro pelo jogo interior, e só depois pelo exterior. Na primeira parte, depois dos dez minutos, adaptámo-nos melhor ao pontapé de baliza deles, que nos criou muitas dificuldades. Para mim, só não conseguimos anular o melhor jogador deles, que foi o guarda-redes [Halldorsson], com aquelas bolas longas. Se pudesse punha ali alguém para evitá-los. Não fizemos um jogo fantástico, mas fizemos bons movimentos interiores e tentámos situações de rotura, e era o que tínhamos planeado.»

As estratégias falhadas

«Deixámos que a Islândia fizesse o que queria, que era defender com todos os homens atrás da linha da bola. Tínhamos de tentar tirar alguns de lá e não conseguimos, e depois aparecer aí no espaço intermédio a tentar desequilibrar no 1x1, num lance individual, com um drible ou um passe de rotura. Começámos a jogar muito atrás e muito à linha. Tinha dito aos meus jogadores que para apostar no jogo exterior não bastava cruzar, era necessário definir bem. Acho que esta foi a questão central.»

«Foi o primeiro jogo, há sempre uma carga emocional que é estranha, mas que é mesmo assim. Estamos retirar à Islândia o mérito pelo que fez bem. Joga o feijão-com-arroz, como costumamos dizer, mas faz isso bem. São dez homens altos, e são desta largura, não são magrinhos, logo o espaço é menor. Tivemos sempre dificuldade nas bolas divididas, tínhamos de nos retirar do contacto se não dificilmente poderíamos ganhar uma bola. Tínhamos qualidade e talento para ultrapassar a situação e havia que expressá-lo.»

«Não direi que houve menosprezo do nosso adversário. Em campo, a Islândia ficou lá atrás como acontece sempre, é a sua posição em campo. Torna o jogo distinto, e não faz sentido bater contra a muralha, era preciso tirar os islandeses de lá e desmontá-la. Não houve excesso de confiança. Transmiti aos jogadores essa mensagem de confiança, num objetivo comum que temos, de que podemos enfrentar qualquer adversário, ninguém achou que íamos ganhar fácil a todos.»

«Já no apuramento foi assim. Estas equipas com a possibilidade de se apurarem em terceiro veem a luz ao fundo do túnel. Antes nunca lhes passava na cabeça qualificarem-se. Com um empate continuam com oportunidades de se apurarem para a fase final. Torna tudo mais difícil. Por isso é que os mais fortes não têm marcado mais de dois golos. Aumenta a competitividade, mas amarra alguns jogos.»

«Neste momento o que me interessa é ter a equipa toda lá em cima. Nunca estive eufórico, nunca vivi na euforia. Sempre tive os pés bem assentes na terra, mas com grande confiança. Os jogos às vezes correm melhor outras vezes pior, em certas alturas os jogadores não acertam tanto no jogo por não estar eventualmente no seu melhor. Houve um momento bom na primeira parte, e foi uma exibição mais do que razoável. Na segunda parte, faltou-nos… Uma palavra que não posso aqui dizer.»

 

Uma hora a falar de bola.

AS OPÇÕES

As dificuldades no meio-campo

«Estamos sempre a avaliar o meio-campo como a soma de quatro jogadores, mas não são só esses que devem ser olhados. Há muitos que nem sequer aparecem nas imagens da televisão, ou parecem fora da jogada. Temos de avaliar o coletivo. No segundo terço houve coisas boas e menos boas. Houve uma boa pressão, que obrigou os islandeses a falhar. Muitas vezes é difícil criar situações ofensivas, e uma das formas de produzi-las passa por obrigar o nosso adversário a errar mais perto da sua baliza. Tivemos três ou quatro lances numa zona de pressão alta em que ficámos 3x3. Uma dessas jogadas foi entre Cristiano e Nani, que o guarda-redes defendeu com a perna. No plano contrário, algumas vezes trocámos demasiado a bola, e de uma forma muito lenta.»

Danilo em vez de William

«Não são jogadores iguais. São parecidos em algumas coisas, mas não noutras. Danilo é muito atlético, e quando tens os laterais mais projetados é importante ter um homem mais posicional. É sempre mais fácil ver depois. Danilo dá outra segurança no espaço aéreo, onde o nosso adversário era muito forte. Eles tinham seis, sete jogadores muito fortes por aí, nós apenas três. Tínhamos de salvaguardar da alguma forma, mas a minha confiança no William é total.»

A correção do posicionamento de Danilo

«Tinha a ver com a situação do pontapé de baliza dos islandeses. O 9 [Sigthórsson] descaía sempre para esse lado, onde estavam o Ricardo Carvalho e o Raphäel Guerreiro, que são jogadores menos possantes. Disse ao Danilo para se deslocar um pouco mais para esse lado para tentar ganhar essas bolas, e libertar o Ricardo e o Raphäel para as segundas bolas, e ao fim de alguns minutos adaptámo-nos.»

A dificuldade de Cristiano Ronaldo em pegar no jogo

«É cada vez mais difícil Cristiano Ronaldo ter bola. Fez o que tinha a fazer. Não podemos tê-lo encurralado a um canto. Tem liberdade total de movimento. Procurou fazer golos, mas nem sempre a bola entrou no seu raio de ação no momento certo. Tentou deslocar o adversário e teve uma boa oportunidade numa bola longa do Pepe em que, infelizmente, não conseguiu acertar na bola. Mas temos consciência de que se apenas jogarmos para o Cristiano as coisas não vão funcionar.»

A posição mais frontal de Cristiano

«Cristiano não se sente confortável nem a extremo nem como avançado-centro. Começou por ter como matriz jogar sobre o lado esquerdo, mas a partir do momento em que foi para o Manchester United nunca mais foi um extremo. Nunca vi um extremo finalizador. Um dos melhores extremos que vi, Fernando Chalana, nunca foi um finalizador. Não é um ponta de lança que joga de costas para a baliza, e que segura a bola. Precisa de liberdade, o que não quer dizer que não se sinta melhor a vir da esquerda para dentro. Por isso tem liberdade para jogar como for o mais indicado, o que me interessa é rentabilizar a sua capacidade de fazer golos.»

Cristiano está mesmo bem? Terá sido só noite menos inspirada?

«Está muito bem. Fisicamente, clinicamente. Se tivesse marcado aquele golo provavelmente estaríamos a dizer que teve uma noite inspirada.»

Rafa a não sair do banco

«Depois de Quaresma entrar, ainda mantivemos Nani e Ronaldo na frente. Achei que com um homem de área [Éder] iríamos ter mais probabilidades de marcar do que mais um extremo. Não era pelas alas que iríamos desbloquear o jogo.»

As boas prestações dos menos experientes Raphäel Guerreiro e Renato Sanches, que assumiram o jogo e «caíram em cima do adversário», ao contrário de outros, com mais jogos nas pernas, que sentiram dificuldades em fazê-lo, mesmo perante uma equipa como a Islândia. O que será quando for a Alemanha?

«A nossa forma de jogar tem de ser a nossa. Devemos ser sempre iguais a nós próprios, joguemos com a Islândia ou com a Alemanha. Se não acreditasse [em Raphäel Guerreiro e Renato Sanches] não estariam aqui. Confio nos 23. Há questões, sobretudo individuais, que não vou analisar aqui. Tenho um grupo forte e unido, e sei que tudo fará para vencer a Áustria. Pensar o jogo pensamos todos, é pensado por todos coletivamente. Há que assumir o jogo e o risco também.»

Jogo com a Islândia dissecado, embate com a Áustria projetado.

A ÁUSTRIA

A mudança de chip para um rival completamente diferente

«A Áustria assume o confronto direto, físico e atlético, mas fá-lo com bola, não gosta de jogar sem bola. É diferente da Islândia, que joga longo, alto e direto, e espera num ressalto fazer um golo. Arnautovic, por exemplo, gosta de ter bola. A nossa estratégia também vai passar por não deixar que a tenham.»

«Mudar o chip entre cada um dos nossos adversários? É preciso primeiro mudar o chip dos jogadores em relação ao jogo com a Islândia. Ontem à noite havia um certo abatimento. Não ter ganho não nos deixa obviamente mais confiantes. Tive uma conversa mais informal com os jogadores, eu próprio acordei mal disposto. Permaneço confiante de que podemos alcançar o nosso objetivo. Islândia, Áustria e Hungria são equipas diferentes, com características diferentes. A primeira espreita uma oportunidade, a segunda gosta de ter bola, as dinâmicas de Áustria e Hungria são obviamente diferentes. Todos os nossos três adversários têm características bem diferentes.»

O RESTO DO EURO

«Não estive muito atento, vi alguns bons jogos, não completamente bons. Não estava à espera da vitória da Hungria. Vi ritmos bons, mas nada que me traga muita aflição.»

Uma hora bem passada, como sempre que se fala de bola. A deixar água na boca para o pós-Áustria.