Tem 21 anos, mede 215 centímetros, pesa 112 quilos. É um gigante com bom coração e português. O primeiro português que está perto, muito perto, de conseguir entrar no restrito mundo da NBA. 

Na semana em que anunciou a decisão de abandonar a liga universitária dos EUA e apostar tudo no draft - evento onde as equipas da NBA escolhem os rookies para a época seguinte -, Neemias Queta atende o Maisfutebol no seu quarto em Logan para uma conversa que vai de Utah até ao Vale da Amoreira, na Moita, e passa ainda pela má experiência no futebol. 

Venha conhecer a história completa do basquetebolista português que em julho tentará fazer história. 


Maisfutebol – Quais são os próximos passos a dar até chegar, como todos esperamos, a uma equipa da NBA?

Neemias Queta – O primeiro passo já foi dado. Acabei a época na minha equipa [Utah State Aggies] e anunciei que vou para o ‘draft’. Continuo a treinar, vou assinar com um agente e ele tratará de todos os passos burocráticos a dar. Onde vou treinar, com que equipas vou treinar, os meus treinadores pessoais, onde posso fazer os treinos individuais, tudo isso. E depois logo veremos o que vai dar.

MF – Já sabe quando será realizado o ‘draft’ para a próxima época?

NQ – Este ano é no final de julho, no dia 29, logo depois das ‘Finals’.

MF – Como está o coração do Neemias, a três meses das grandes decisões?

NQ – Tranquilo, e com a consciência tranquila. Sei aquilo que tenho de fazer para entrar na NBA e não estou muito preocupado. Tenho feito um trabalho positivo e só preciso de dar continuidade.

MF – Como foram os três anos aí na equipa de Utah State?

NQ – Adorei estes três anos aqui, foram anos de grande crescimento para mim. Trabalhei bastante todos os dias e consegui evoluir muito o meu jogo. Mas cheguei a uma altura em que senti que aqui não conseguiria evoluir mais e que a NBA é o passo natural. Dar o próximo passo foi a decisão certa.

MF – O desporto universitário nos EUA é levado muito a sério, muito profissional.

NQ – Não tem nada a ver com o que se passa em Portugal. O nível é muito superior a muitas ligas profissionais que existem no nosso país. Os scouts da NBA estão sempre muito atentos ao que se passa aqui.

MF – Está com 21 anos. Este é o momento certo para tentar a NBA?

NQ – Agora sim. Há dois anos tentei, mas achei que era demasiado novo. Aquilo é outro mundo, tenho de jogar contra homens a sério, tipos mais velhos, e na minha posição de ‘poste’ é tudo mais à base da força. Precisava mesmo de crescer, ficar mais forte e por isso esperei. Foi a decisão correta.

MF – Que características deve ter um ‘poste’ para triunfar na NBA?

NQ – Acima de tudo, ser capaz de ficar à frente dos bases no perímetro defensivo. Ter a capacidade de lançar de fora do ‘pintado’ [zona dos lançamentos livres] também ajuda e, depois, os óbvios: ser forte a ressaltar, desarmar lançamentos, defender o bloqueio direto, fazer um bocado de tudo.

MF – Qual é a sua altura e o seu peso?

NQ – Nem me lembro como é em centímetros e em quilogramas (risos). Meço 7,1 na escala americana [2,15 metros] e peso 248 libras [112 quilos].

MF – Os seus pais já eram pessoas altas?

NQ – O meu pai é alto, tem 1,93 metros. A minha mãe mede 1,75 metros. São altos, mas nada de especial. Eu tive sorte, saiu-me o jackpot.

MF – Há mais alguém na família a jogar basquetebol?

NQ – A minha irmã mais velha já jogou e agora joga a minha irmã mais nova.

MF – Em 2018 transferiu-se do Benfica para os EUA. Como é que conseguiu dar esse salto na carreira?

NQ – O processo foi longo. Sempre que eu ia com a seleção de Portugal a uma prova internacional havia observadores e responsáveis de equipas norte-americanas. Falavam comigo, explicavam-me como era o processo, até que em 2018 tudo foi tratado como deve de ser. Tive de fazer os exames específicos na ‘off season’ e fui admitido na Utah State, como aluno e como basquetebolista.

MF – Em que cidade vive no estado de Utah?

NQ – Vivo em Logan, a norte de Salt Lake City. É uma região bonita, no inverno neva bastante. Nunca tinha visto neve antes de vir para cá. É lindo, há montanhas maravilhosas e muito para fazer.

MF – Sempre gostou de basquetebol ou a paixão pela modalidade apareceu mais tarde na sua vida?

NQ – Sempre gostei de desportos, mas o basquetebol nunca foi a minha modalidade favorita. Só passou a sê-la quando comecei a jogar a sério. Gostava muito de ver e de jogar futebol, apesar de nunca ter sido bom. Ainda tentei jogar num clube, sem sucesso. Depois entrei no basquetebol do Barreirense aos 10/11 anos, era mais alto do que todos os outros miúdos e gostei, comecei a gostar. Foi a melhor opção para mim.

MF – Em que clube de futebol tentou a sua sorte?

NQ – No Grupo Desportivo e Recreativo Portugal, do Vale da Amoreira. No concelho da Moita. Nunca fui muito bom no futebol e por isso fiquei pouco tempo. Eu nasci em Lisboa e fui viver com os meus pais para o Vale da Amoreira ainda antes dos três anos. Depois só saí de lá quando fui jogar para o Benfica.

MF – E quando surge o basquetebol a sério na sua vida?

NQ – Foi através de um professor que tinha na escola do Vale da Amoreira. Ele era treinador de ginástica no Barreirense e também conhecia a minha irmã mais velha. Ela era mais alta do que os rapazes e do que todas as raparigas. Eu fui vê-la a treinar no Barreirense, depois puxaram-me para o treino e comecei assim.

MF – Que memórias mais fortes guarda desses tempos no Barreirense?

NQ – Há tantas histórias. Os outros miúdos eram melhores do que eu, passei anos a aprender e nem sequer era titular. E pensar que agora estou a lutar pela NBA. Aprendi lá muita coisa, treinava sempre mais porque sentia que não era tão bom como os outros.

MF – Foi sempre o mais alto das suas equipas?

NQ – Quase sempre. Houve ali um período que estagnei um pouco e fui apanhado (risos). Mas fui quase sempre o mais alto, sim. Queria agradecer muito ao trabalho do Paulo Silvestre, do Zé Francisco, do Bruno Regalo, todos no Barreirense. Depois o José Ricardo no Benfica. Foram pessoas importantíssimas na minha evolução.

MF – Só fez uma temporada no Benfica. É benfiquista?

NQ – Sim, sou benfiquista (risos).

MF – Teve pena de jogar lá só uma época ou foi o suficiente?

NQ – Joguei o tempo que tinha de jogar. Foi o suficiente e a melhor decisão para a minha carreira foi sair para os EUA.

MF – O que pode fazer a seleção de Portugal com o Neemias no futuro?

NQ – Temos potencial para fazer algo bonito. Temos peças com qualidade e temos a vontade e a ambição para fazer algo bonito a médio-prazo. Talvez num Europeu.

MF – Vimos numa entrevista antiga que sempre falou bem inglês.

NQ – Vi muitos filmes, muita televisão (risos). Aprendi na escola, mas também foi importante o que vi em casa. Senti sempre que era importante para mim, até porque comecei a jogar torneios no estrangeiro com a seleção muito cedo.

MF – Se não tivesse sido basquetebolista, que profissão teria seguido?

NQ – Quando estava em Portugal queria seguir Direito. Depois percebi que não era para mim. Aqui em Utah estou em Comunicações Internacionais.

MF – Quem era o seu grande ídolo na NBA?

NQ – Nunca tive grandes ídolos. Não idolatro ninguém, mas sempre gostei bastante do Tim Duncan, antigo poste dos San Antonio Spurs. Cresci a vê-lo jogar e era muito bom. Outro poste que adorava era o Kevin Garnett. São dois jogadores com quem posso aprender e tento retirar algo deles para o meu jogo.

MF – Sente que já tem nível para jogar na NBA?

NQ – Vejo jogos da NBA quase todos os dias e tento aprender e usar a meu favor. Mas sinto que tenho, sim. Vou embora de Utah e deixo grandes memórias no nosso pavilhão, adorei todos os anos que passei cá. Vir para cá foi a melhor decisão da minha vida. Sou um miúdo normal, jogo videojogos, estou com os meus amigos, gosto de me divertir e sou uma pessoa simpática e acessível. Sou um bom rapaz e tenho muito a agradecer aos Utah State Aggies.