O assunto não morre, por muito que a FIFA queira limitar a discussão a uma questão de estações do ano. As dúvidas sobre o processo de atribuição do Mundial 2022 ao Qatar ganharam nova dimensão agora, com informação divulgadas pelo jornal britânico «Telegraph» que seguem um rasto de dinheiro entre duas das figuras há muito no centro das suspeitas.

O jornal revelou ter tido acesso a documentos que indiciam pagamentos feitos por uma empresa controlada pelo qatari Mohamed Bin Hammam (Kemco), ex-membro do Comité Executivo da FIFA, a uma companhia do tobaguenho Jack Warner, antigo vice-presidente da FIFA (denominada Jamad), bem como a membros da sua família.

Fala especificamente de uma nota da Jamad a requerer o pagamento de 1.2 milhões de dólares (860 mil euros) por serviços prestados entre 2005 e 2010, com data de 15 de dezembro de 2010, duas semanas depois da votação que atribuiu a organização do Campeonato do Mundo ao Qatar. E refere ainda pagamentos adicionais a dois filhos de Warner, num total de 750 mil dólares (530 mil euros), e ainda a um seu empregado (400 mil dólares, 287 mil euros). Esses pagamentos, escreve ainda o «Guardian», terão sido feitos através de um banco de Nova Iorque e terão levantado suspeitas do FBI, que estará em campo contando com informações de um dos filhos de Warner, a residir nos Estados Unidos, como «testemunha voluntária».

Nenhum dos dois antigos dirigentes da FIFA quis fazer qualquer comentário ao tema na reportagem original. O jornal acabou por ir ao encontro de Warner para o confrontar com as informações de que dispunha. As imagens mostram-no a virar costas às perguntas. 


 

Mais tarde, Warner enviou um comunicado à Press Association, sem fazer qualquer comentário ao assunto propriamente dito: «Não tenho interesse em juntar-me aos disparates em torno do Qatar e de Jack Warner. Nem pretendo juntar-me aos que estão numa caça às bruxas contra a localização do Mundial 2022. Considerem isto como o meu comentário final sobre este assunto.» Quanto a Bin Hammam, recusou qualquer comentário aos vários meios internacionais que o contactaram. 

Os dois homens desta história são protagonistas centrais dos casos que têm envolvido a FIFA. Bin Hammam, que era igualmente presidente da Confederação asiática, caiu em desgraça e chegou a ser irradiado pelo organismo, mas não por causa do seu envolvimento na candidatura do Qatar.

Em 2011, quis correr contra Joseph Blatter à presidência da FIFA e acabou acusado de ter tentado comprar votos precisamente à Concacaf, a confederação a que presidia Jack Warner. Chegou a ser irradiado pela FIFA, uma decisão mais tarde anulada pelo Tribunal Arbitral de Desporto. Em dezembro de 2012 acabou por deixar todos os cargos que ocupava.

Quanto a Warner, esteve sob investigação no âmbito do mesmo caso de compra de votos, mas acabou por se demitir das várias funções que tinha e a FIFA deixou cair as acusações contra ele. O tobaguenho é um nome recorrente nas suspeitas em torno de corrupção na FIFA, envolvido tanto em denúncias de tentativas de suborno (em Inglaterra acusaram-no de oferecer votos a troco de dinheiro na corrida ao Mundial 2018), como em negócios que passavam pela compra de direitos televisivos para vários países da Concacaf.

A única reação oficial à informação agora divulgada veio da organização do Mundial 2022, num comunicado em que garante que a candidatura «respeitou todas as determinações da FIFA de acordo com o seu código de ética». «O comité supremo para a organização e os indivíduos envolvidos na candidatura de 2022 não têm conhecimento de quaisquer alegações em torno de negócios envolvendo privados», dizem ainda os responsáveis do Qatar.

Em julho de 2012, perante as suspeitas e a pressão, a FIFA criou uma Comissão de Ética, liderada por dois juristas conceituados, o norte-americano Michael Garcia e o alemão Hans-Joachim Eckert. Essa comissão propôs-se investigar formalmente as candidaturas aos Mundiais de 2018 e 2022, votadas em simultâneo em dezembro de 2010. Portugal, recorde-se, estava envolvido numa candidatura ibérica, junto com a Espanha.

Em outubro de 2013 soube-se que Michael Garcia iria visitar Inglaterra, uma das candidatas a 2018, com a intenção de passar por todos os países que quiseram organizar os dois Mundiais, mas desde então o seu trabalho tem estado rodeado de silêncio.

Há cerca de um mês Theo Zwanziger, presidente da Federação alemã, revelou que o relatório da Comissão de Ética é esperado para a segunda metade do ano, portanto a seguir ao Mundial 2014.

Zwanziger foi o elemento designado pela FIFA para fazer a ligação com o Qatar e tem sido ele a lidar com outro assunto muito sério em torno da organização árabe, a exploração de trabalhadores nas obras para o Mundial. Diz o alemão que a FIFA «pouco pode fazer» contra «um sistema feudal» que já existia antes. Também afasta a ideia de que ainda possa haver marcha-atrás na atribuição da competição: «Seria contraproducente. Foi tomada a decisão de atribuir a organização ao Qatar, quer eu goste quer não.»

Aliás, a única novidade que surgiu da FIFA nesta terça-feira foi um comunicado de imprensa a dar conta de uma reunião de Zwanziger com o sindicato internacional de trabalhadores da construção civil (BWI, Building and Wood Workers International), para discutir «soluções exequíveis e sustentáveis» para a questão dos operários no Qatar. 
 
Na agenda da FIFA em relação ao Qatar está de resto a mudança da competição para o inverno, de forma a evitar o calor tórrido do verão na região. Ainda não há uma decisão oficial da FIFA e não haverá antes do Mundial 2014, mas já há várias informações a garantir que a ideia é mesmo mudar as datas.

Mas as suspeitas sobre a forma como foi atribuída a candidatura não morreram. Há algumas semanas o jornal alemão Die Welt citava um «alto funcionário da FIFA» a admitir que a retirada da organização ao Qatar possa ser discutida no último Comité Executivo do ano. «Haveria tempo suficiente para o torneio ser reatribuído», defendia essa fonte.