O regresso aos bons hábitos. O Boavista assinou, esta noite, uma das melhores exibições da época e conquistou, de forma segura e muitas vezes espectacular, três pontos cruciais na gestão da vantagem que lhe confere a liderança do campeonato. 

E este foi um regresso, sobretudo, porque a equipa axadrezada voltou a provar que é a jogar num 4x3x3 que se sente melhor. A atitude de contenção da Luz, notava-se à distância, era algo de contranatura para um conjunto que só se dá bem num sistema pressionante. O jogo de hoje foi uma da melhores demonstrações dessa realidade. O Boavista fez uma partida de ataque, de pressão quase constante, de exploração ao milímetro quadrado dos espaços concedidos pelo adversário, de procura incessante da baliza contrária. Ganhou por 2-0 e fê-lo de forma indiscutível. A ideia que pairava no ar de que o Boavista, de há umas semanas para cá, fazia melhores resultados do que exibições foi hoje completamente desconstruída. Pelo contrário: a exibição desta noite pedia, talvez, números mais gordos, uma diferença mais impressiva. 

A única falha revelada pelo líder da I Liga, precisamente aquela que impediu o Boavista de rubricar uma goleada histórica, esteve na finalização. O caudal de oportunidades de perigo foi enorme, bem maior, aliás, do que os axadrezados costumam produzir, mas a questão esteve no aproveitamento dessa produção. E aí o Boavista falhou. Duda, então, foi o rei do desperdício: podia ter facturado dois ou três golos, mas ficou em branco, por culpa própria.  

Martelinho abriu o livro 

Grande parte da responsabilidade da exibição boavisteira esteve num homem: Martelinho. O extremo axadrezado foi incansável na busca do golo, correu quilómetros, no seu estilo brigão e veloz. Travou um duelo interessantíssimo com Cabral, o lateral-esquerdo do Belenenses, levando a melhor na maior parte das situações. Fez o jogo todo a um ritmo impressionante, nunca acusando o esforço dispendido. Inventou espaços, multiplicou situações de ataque, serviu os companheiros da frente. Só faltou mesmo um golo para que a exibição fosse perfeita. Faltou? Quer dizer, se calhar nem isso, porque Martelinho apontou um golo anulado por Francisco Ferreira, devido a um fora-de-jogo mal assinalado pelo árbitro de Viana do Castelo.  

Esta foi uma partida de sentido único. O Belenenses, em nítida quebra de forma, esteve muito longe da consistência já revelada esta época e fez uma exibição desequilibrada. Ofensivamente, quase não existiu. Sofreu um golo muito cedo e ficou com a estratégia completamente estragada. Não soube reagir à surpresa desagradável e esteve absolutamente irreconhecível: não criou uma oportunidade digna desse nome em todo o jogo.  

Ao carrossel boavisteiro, Marinho Peres tentou responder com uma estratégia de contenção. Havia que evitar dar muitos espaços lá atrás, para que a pressão axadrezada não se tornasse insustentável. Só que esse esforço nunca resultou. Os primeiros minutos de jogo foram paradigmáticos. O Boavista começava o massacre e até metia dó imaginar o que é que podia acontecer aos azuis do Restelo... 

Meio-campo seguro, meio caminho andado 

Se Martelinho foi o joker da pressão boavisteira, a atitude super-ofensiva do líder do campeonato só foi possível graças à segurança do meio-campo. Rui Bento (enquanto esteve em campo) e Petit exibiram tranquilidade, evitando que o jogo se estendesse a todo o comprimento do campo. O Belenenses não existiu ofensivamente também por mérito destes dois jogadores. Reforçado nesse sector do terreno, o Boavista teve, assim, caminho livre para atacar, atacar. Assim se conta grande parte da história deste jogo.  

O resto, os pequenos pormenores, explica-se nas pequenas falhas que impedem que um golo surja, na falta de sangue frio no momento de finalizar. Foi isso, só isso que faltou ao Boavista para ser uma equipa imperial. Mesmo assim, chegou para mostrar o porquê de ser líder isolado do campeonato português. A jogar assim, é difícil disfarçar: claro que o Boavista é candidato. Os gritos dos adeptos axadrezados a meio da segunda parte são elucidativos, ao cantar «nós só queremos o Boavista campeão, Boavista campeão...»