Um dérbi é bom. Dois é melhor. Três ainda mais. Assim pensarão os adeptos do desporto em geral e os adeptos de Benfica e Sporting em particular; muito em particular, até. Porque um destes dérbis não se realiza há 49 anos. Agora, está de volta. Águias e leões voltarão a defrontar-se em râguebi neste domingo.

A razão daquele interregno de quase meio século foi a extinção do râguebi por parte do Sporting em 1964. A camisola às listas horizontais verdes-e-brancas – que passou também a ser assumida pela equipa de futebol no final da década de 1920 como principal em vez da Stromp – voltou a ver-se nos campos de râguebi portugueses em outubro de 2012. O Benfica é um clube que é parte constituinte da história da modalidade desde a sua implementação no nosso país – corria o ano de 1924 – com duas dezenas de títulos entre campeão nacional e vencedor da Taça de Portugal no palmarés.

Da história do râguebi do Benfica e do râguebi nacional faz parte Carlos Nobre, hoje com 73 anos, um dos jogadores do Benfica que defrontaram o último Sporting antes de os leões abandonarem a modalidade. «Foi em 1964, no ano em que vim do Ultramar, a 5 de outubro, no Estádio Universitário», recorda para o Maisfutebol. «Sei que ganhei, não sei por quantos...», acrescenta.

Cuidado com os «estragos» nos filhos dos outros

Este foi um de muitos dérbis que Carlos Nobre disputou numa altura em «não havia muita gente» nos estádios a seguir a modalidade. «Nos jogos mais disputados», porém, «havia mais gente» e em dia de Benfica-Sporting «estava sempre cheio». E começou a jogá-los também numa altura em que precisou que os seus pais tivessem de assumir responsabilidade pelo que jogava em campo.

«Não tinha mais de 18 anos e só se podia jogar com essa idade, porque não havia escolas da modalidade, não havia formação... E os pais responsabilizavam-se pelos estragos que os seus filhos podiam fazer aos outros», recorda o antigo flanqueador. E sobre este jogo em que precisou da autorização paternal dá uma garantia. «É um que eu não esqueço.»

«Foi um Benfica-Sporting, no Estádio Universitário. Eles estavam a placar aos calções, que eram uma coisa de sarja. Eu ia a marcar um ensaio, ia a correr e placaram-me e ficaram-me com os calções nas mãos.» E depois? «Eu continuei a correr com uma mão a agarrar a bola e outra à frente e marquei o ensaio.» Os jogadores do Sporting mais não puderam fazer que devolver os calções ao benfiquista, para pôr fim a uma situação invulgar, especialmente para «um público pudico como o daquele tempo» – nos finais da década de 1950. Mas foi tudo feito a seu tempo também: «Eu não podia era desistir do ensaio...», garante com boa disposição.

Uma cultura de desportivismo

Carlos Nobre tem uma vida dedicada ao râguebi e ao Benfica. Como jogador fez mais de 300 jogos, com mais de 700 pontos convertidos. Como internacional português fez 21 jogos. «Sempre atleta do Benfica», aos 14 anos passou a integrar as equipas de râguebi e jogou «federado até aos 40 anos». «Já joguei o suficiente, 26 anos, chega e sobra», disse então. Mas continuou a fazer jogos de veteranos por vários outros anos a par das funções de treinador principal que também desempenhou.

Seguiu-se o dirigismo. «Como atletas, chegávamos depois às secções», recorda num percurso normal que o levou a dirigir o râguebi dos encarnados a partir do gabinete. «Fui presidente de secção [de râguebi do Benfica] durante 20 anos. Depois, pedi a reforma, fui para a Federação [Portuguesa de Rugby (FPR)]», onde foi vice-presidente. Sempre com um pé no Benfica ajudou também a criar a secção feminina do clube, onde atualmente joga a sua filha.

Dos seus tempos de formador da modalidade recorda o que legou: «Pelo menos, dei-lhes a cultura do râguebi, o desportivismo. Andam à estalada lá dentro, mas cá fora juntam-se todos a beber uns copos.» Era a cultura que diz já não ver à volta dos dérbis de hoje. Noutros tempos, «apesar de ser benfiquista de coração, ia a Alvalade ver o atletismo, desde miúdo, ia à vontade». «Hoje, recuso-me a ir com os meus netos», garante com referência aos comportamentos de claques que têm deixado marcas nos agora classificados jogos de alto risco.

Ver um membro da Juve Leo a jogar pelo Benfica

No que tem significado para o crescimento do râguebi em Portugal, Tomaz Morais aponta que «o reaparecimento do Sporting foi muito bem acolhido» porque «nomes como Benfica, Sporting, Porto promovem uma outra atenção para a modalidade». Águias e leões disputam o segundo escalão dos nacionais. O Benfica desceu na última época da Divisão de Honra, o Sporting subiu do Campeonato da II Divisão no ano em que voltou a jogar râguebi.

«Benfica e Sporting acabam por defrontar-se mais cedo do que se esperava», frisa o Diretor Técnico Nacional da FPR. Será na quinta jornada do Campeonato Nacional da I Divisão. Benfica e Sporting vão reeditar um dérbi ausente há 49 anos. Estão separados na classificação por dois pontos com as águias no terceiro lugar e os leões no quarto. O reencontro está marcado para as 11.00 de domingo, na Sobreda, casa dos encarnados.

Mais tarde no dia, em Odivelas, será o Sporting a receber o Benfica para o Nacional de futsal – com anfitriões em primeiro da classificação, visitantes em terceiro e três pontos a separá-los. Mas é no sábado o dérbi mais sonante de todos. Benfica e Sporting estão empatados no segundo lugar da Liga e jogam no Estádio da Luz a passagem aos oitavos de final da Taça de Portugal. O primeiro de três dérbis no fim de semana entre os eternos rivais da capital.

O comentador do Maisfutebol na TVI24 sabe que «a rivalidade do futebol é sempre especial e alastra sempre às outras modalidades» antevendo a replicação do entusiasmo para o novo dérbi do râguebi. Carlos Nobre também concorda que o Benfica-Sporting do bola redonda «dá visibilidade de certeza absoluta» ao dérbi da bola oval. Mas faz um apelo: «Que venham com a cultura de râguebi, que não é um privilégio nosso, mas é como religião, é uma convivência.» «Enquanto dirigente, até já tive um da Juve Leo que jogava râguebi no Benfica. Interessa lá qual é o clube...»