11 DE FEVEREIRO DE 2012:

O Futebol Clube Santa Cruz viaja 150 quilómetros, até Porto Alegre e à casa do Grémio. Na Arena, o único adepto do Galo é Tiago Rech. Tem 25 anos, é jornalista na capital do estado do Rio Grande do Sul e completamente apaixonado pelo clube da terra.

O Santa Cruz até marca primeiro e Tiago nem sabe bem como festejar. Está rodeado por cimento na imensidão da Arena do Grémio. «Era sábado, nove da noite, e a viagem até Santa Cruz do Sul demorava duas horas. Eu na altura vivia e trabalhava em Porto Alegre e não podia faltar a essa partida.»

A história toca os amantes do futebol puro, o futebol que se faz de história, herança e compromisso. Tiago é alvo de reportagens um pouco por toda a Europa. Quem é aquele rapaz gordinho, de silhueta inapropriada para a prática desportiva, emocionado e ao mesmo tempo intimidado pela grandeza do adversário no Gauchão?

Tiago, completamente sozinho na bancada. 

VÍDEO: a solidão de Tiago no cimento da Arena do Grémio

28 DE JUNHO DE 2014:

Crise financeira e maus resultados desportivos. Andam sempre juntos, de mãos dadas, inseparáveis. Entre 2012 e 2014, essa é a realidade do popular FC Santa Cruz, um dos maiores emblemas do interior do estado do sul brasileiro.

A equipa cai na segunda divisão estadual, o plantel desmantela-se, a direção abandona. O clube enfrenta o maior desafio de sempre. Quem o pode socorrer? Tiago Rech, claro, o «adepto solitário», como o descreve a imprensa brasileira.

«Eu tinha vontade de ser presidente. Aquela coisa de querer fazer a diferença na situação complicada do clube. Em 2014, era eu assessor de imprensa, reuni os conselheiros para apresentar uma ideia que eu tinha. Disse-lhes que o Santa Cruz devia jogar a Copinha [Copa FGF, disputada entre os clubes do interior do Estado no segundo semestre do ano) para não estar seis meses sem competir. Eles perguntaram se eu queria ser presidente, e acabei topando», conta Tiago, recordando o momento em que passa de mero seguidor a líder.

Na família Rech, Tiago encontra os exemplos de devoção e paixão assolapada pelo Santa Cruz. Carlos, o pai, é um dos maiores apoiantes. Do clube e, claro, do filho. A imagem de Tiago, abandonado à sua sorte na gigantesca Arena gaúcha, acaba por simbolizar os problemas de um emblema pequeno em quase tudo. Menos, lá está, na ligação às gentes da terra.

«No dia em que fui eleito, em junho de 2014, disse aos adeptos que eles tiveram um presidente que pedia para não ficar sozinho e que tinham acabado de eleger um torcedor solitário», recorda Tiago Rech, na altura ainda longe de imaginar a dimensão da tarefa que o aguardava.

Tiago Rech ao lado do pai, Carlos, e da Copinha (Foto Facebook)

«Queremos subir outra para a primeira divisão estadual. Isso só vai acontecer se formarmos uma base de atletas comprometidos com o clube, que tenham vontade. Que tenham orgulho em jogar no Santa Cruz.»

O amor consegue mover montanhas, mas pouco pode fazer por um clube de cofres vazios. Em 2015, após nova derrocada desportiva, Tiago atira a toalha ao chão. Fica quase três anos afastado do FC Santa Cruz, que haveria de cair para o terceiro escalão estadual no final de 2017.

Ferido de morte, a instituição volta a chamar pelo «adepto solitário». Tiago Rech volta em 2018 e em boa hora o faz. O sucesso estava quase, quase a chegar.

22 DE DEZEMBRO DE 2020:

O milagre acontece. O amor não faz tudo, mas uma pitada de organização misturada com ambição e uma aposta na qualidade das camadas jovens dão o sabor final pretendido. Tiago Rech já não está sozinho na bancada para ver o seu FC Santa Cruz a jogar a final da Copinha.

Vitória por 3-1 em casa na primeira-mão, derrota por 3-1 no terreno do São José no segundo jogo. Tudo para decidir nos penáltis. Bate forte coração, aguenta a pulsação, o Futebol Clube Santa Cruz ganha por 4-3 na decisão das decisões.

Tiago, o homem da solitária vigília, leva o clube de sempre ao título e à primeira participação de sempre na Copa do Brasil. 2021 promete ser inesquecível.

«É muita emoção! Ser presidente de um clube do interior, na terceira divisão, e estar aqui a ganhar esta competição, conseguir jogar a Copa do Brasil no ano que vem … O Santa Cruz é a minha vida. Abdiquei de muita coisa na minha vida por esse clube», desabafa Tiago, ainda no relvado da final, com o troféu nas mãos.

«Nem consegui parar para pensar, não me caiu a ficha. Vamos jogar uma Copa do Brasil. Passamos por anos terríveis e hoje vi que o Santa Cruz não merece isso. Havia muita gente na rua, com a nossa camisola, a celebrar. Foi de arrepiar.»

Tiago depois da final da Copinha (Foto Facebook)

Tiago Rech sabe que a sua história é única. Quase inimaginável, ou não tivesse sido ele próprio jornalista. Percebe a curiosidade e resume em poucas palavras a essência da narrativa.

«Um adepto solitário que chegou a presidente e um presidente que hoje levanta a taça e coloca o clube a disputar a segunda prova mais importante do Brasil. Isto é um sonho que virou realidade.»

Tiago Rech já não faz por menos. Imagina o Santa Cruz a entrar no altar dos imortais, o Maracanã, e a afrontar os maiores emblemas do país.

«Quem sabe? Enfrentar um Flamengo ou outra equipa do Rio. O Avenida [rival do Santa Cruz] jogou no Itaquerão, quem sabe se o Santa Cruz não tem essa oportunidade de jogar no templo do futebol brasileiro.»

Ironia das ironias. O primeiro obstáculo em 2021 chama-se Grémio de Porto Alegre. Lembram-se de como tudo começou? Tiago Rech abandonado na Arena gremista. Em 2021, a Recopa gaúcha – jogada entre o vencedor da Copa e o vencedor da Copinha – será jogada entre o Grémio e o Santa Cruz.

Tiago não estará sozinho.

VÍDEO: o dia do Santa Cruz na final da Copinha