«Dilly ding, dilly dong!» Quando na época passada a Premier League despertou para a realidade ao toque do Leicester de Ranieri já não conseguiu fechar a boca de espanto. O underdog superiorizou-se aos rivais milionários e venceu o campeonato mais mediático e competitivo do mundo, pela primeira vez em 132 anos de história.

Fairy tale, batizaram em Inglaterra aquilo que de facto foi um dos mais impressionantes contos de fadas do futebol moderno.

Esta época ninguém espera façanha semelhante da equipa de Vardy, Mahrez e agora também do ex-sportinguista Islam Slimani. No entanto, há outros «fairy tales» em curso no futebol europeu.

Líder com orçamento doze vezes menor

Desde que a lei do mais rico se impôs com os petrodólares que jorram diretamente do Qatar para o Paris Saint-Germain, comprado em 2011 pelo empresário Nasser Al-Khelaifi, que a Ligue 1 francesa não assistia a um equilíbrio semelhante ao deste arranque de temporada.

Apesar de ter averbado a primeira derrota (1-0 diante do Caen) no último fim-de-semana, o Nice lidera o campeonato à 12.ª jornada com três pontos de vantagem sobre Mónaco e PSG.

Nesta época em que atacam o pentacampeonato, os parisienses aumentaram o orçamento para 500 milhões de euros – um aumento de dez milhões –, mais do que o valor somado dos três clubes (Lyon, Mónaco e Marselha) que se seguem na lista de maiores investimentos na Liga Francesa para esta época.

A verdade é que, com quase um terço do campeonato decorrido, quem lidera é um clube que tem um orçamento de 42 milhões, uma dúzia de vezes inferior ao do emblema milionário da capital.

O Nice faz muito com pouco e tenta cumprir a façanha do Montpellier, que em 2012 já com o PSG no papel de novo-rico conseguiu chegar ao título francês, o último antes do domínio parisiense.

Se já na época passada o clube da Côte d’Azur havia conseguido um destacado quarto lugar, agora surpreende ainda mais. No defeso, a equipa perdeu Ben Arfa para o PSG a custo zero e recebeu 15 milhões pela venda do médio Mendy ao Leicester (isto anda tudo ligado…), que serviram para suportar os gastos com todas as contratações, entre as quais Dalbert (ex-V. Guimarães) e, claro, Mario Balotelli, que chegou a custou zero do Liverpool.

Ricardo Pereira, lateral cedido pelo FC Porto, é uma das figuras do Nice

O problemático avançado internacional italiano já marcou seis golos na Liga e tem conseguido relançar a sua carreira na equipa orientada pelo suíço Lucien Favre, que refreia os ânimos e não assume qualquer candidatura: «Considerando os adversários que temos em Paris, Mónaco e Lyon não temos razões para sonhar com o título francês.»

Facto é que a equipa funciona bem e não depende apenas da sua estrela Balotelli. Na frente de ataque há Pléa, melhor marcador da equipa, com sete golos, e Belhanda, criativo que também chegou cedido pelo Dínamo de Kiev. Em setores mais recuados, brilha Ricardo Pereira, lateral português cedido pelo FC Porto, que se afirma como titular absoluto e jogador imprescindível no onze-base de Favre, e ainda um médio que passou pelo futebol nacional: Jean Michaël Seri passou quase despercebido pelo FC Porto B, antes de se afirmar no Paços de Ferreira e agora impor-se como titular no meio-campo dos Aiglons.

Como o Leipzig ganhou asas

Se em França o Nice é uma dor de cabeça para o domínio do PSG, na Alemanha o RB Leipzig «ganhou asas» e já morde os calcanhares ao tetracampeão e favorito Bayern de Munique.

No último domingo, o clube da antiga Alemanha de Leste – que não tinha um representante desde o Energie Cottbus em 2009 – recém-promovido à Bundesliga venceu por 3-1 o Mainz e apanhou na liderança, com 24 pontos, o Bayern, que empatou com o Hoffenheim, que sob o comando do jovem técnico Julian Nagelsman está a fazer um campeonato acima das expetativas – está no terceiro lugar com 20 pontos.

O Leipzig está a fazer a melhor estreia de sempre na história da Bundesliga e à 10.ª jornada mantém-se invicto no principal escalão do futebol alemão.

Para entender melhor esta história há que recuar a 2009, quando o modesto SSV Markranstädt, da quinta divisão, foi comprado pela multinacional austríaca de bebidas energéticas Red Bull, que controla também o Red Bull Salzburg, campeão da Áustria.

Esta ligação umbilical à marca que detém ainda os New York Red Bulls, da MLS norte-americana, ou os mais modestos Red Bull Brasil e Red Bull Ghana é um dos principais motivos para que o RB Leipzig seja talvez o clube mais odiado da Alemanha. Mas beneficia o Leipzig, que nos últimos anos contratou ao clube do país vizinho uma dezena de jogadores em negócios que atingiram um total de 30 milhões de euros.

O estreante apadrinhado pela Red Bull continua invicto na Bundesliga

Apesar do histórico vínculo do grupo automóvel Volkswagen ao Wolfsburgo ou da farmacêutica Bayer ao Leverkusen, a ascensão meteórica do RB guindado pelos milhões da Red Bull, bem como a violência de alguns setores mais radicais dos seus adeptos, que habitualmente lotam os 42 mil lugares da Red Bull Arena, não ajudam à imagem do clube.

Mesmo assim, nada parece afetar a boa campanha de uma equipa liderada pelo técnico austríaco Ralph Haenhüttl assenta num coletivo sem grandes estrelas, onde o cabeça-de-cartaz é o guineense Naby Keita contratado no último defeso.

A que clube? Adivinhou… Ao Red Bull Salzburgo a troco de 15 milhões de euros.

Os «underdogs» belga e turco

Não obstante serem mais mediáticos, Nice e RB Leipzig – empatado pontualmente com o Bayern – não são os únicos líderes improváveis nos principais campeonatos do futebol europeu, que param agora para os compromissos das seleções para a fase de qualificação para o Mundial 2018.

Na Bélgica, o modesto Zulte Waregem está no comando da Jupiler Pro League com 30 pontos, à frente dos cotados Anderlecht, perseguidor mais direto, a cinco pontos, e do Club Brugge, a seis, campeão em título e adversário do FC Porto na Liga dos Campeões.

No entanto, esta vantagem não é determinante, já que o formato da Liga Belga faz com que o título seja decidido numa fase final com os seis primeiros classificados.

O clube do pequeno município flamengo de 15 mil habitantes, que tem no palmarés apenas uma Taça da Bélgica em 2005/06, não tem grandes estrelas no elenco. Tem, no entanto, um treinador que conhece a casa como poucos: Francky Dury treina a equipa desde 1990/91 de forma quase ininterrupta, com apenas duas curtas interrupções – a última em 2011 para treinar os sub-21 da Bélgica.

Quase no outro extremo da Europa o Istambul Basaksehir não vive uma situação muito diferente como líder da Liga Turca, com dois pontos de vantagem sobre o Besiktas à 10.ª jornada.

Márcio Mossoró, ex-Sp. Braga, é uma das figuras do líder da Liga Turca

O técnico Abdullah Avci é o homem-forte do futebol do clube que orienta desde 2006, tendo saído entre 2011 e 2013 para orientar a seleção da Turquia, num período em que o português Carlos Carvalhal chegou a orientar a equipa.

O clube fundado apenas em 1990, nunca conquistou qualquer troféu relevante na Turquia e vive na sombra do trio de gigantes da grande metrópole do Bósforo.

Ainda assim, com um meio-campo com o veterano internacional turco Emre e com o médio brasileiro ex-Sp. Braga Márcio Mossoró tem mostrado consistência para importunar os grandes.

Tal como Nice, RB Leipzig ou Zulte, também o Basaksehir está a surpreender no seu campeonato ao aguentar a liderança no arranque. O resto da época encarregar-se-á de mostrar o essencial: à semelhança do Leicester na última edição da Premier League, teremos direito esta época no futebol francês, alemão, belga ou turco «fairy tales» com final feliz?