O Estádio Olímpico Adem Jashari não vai ter símbolos, bandeiras ou hinos nacionais. Será um jogo com autorização especial da Sérvia, o primeiro da história de um país que ainda luta para ter reconhecimento internacional. O Kosovo-Haiti desta quarta-feira é histórico, por ser o primeiro da seleção dos balcãs, de caráter amigável e contra um adversário com poucos pergaminhos. O árbitro do jogo é, obviamente, um suíço.

Mitrovica, cidade de tantas batalhas, foi o palco escolhido para acolher mais um passo importante para a auto-determinação de um povo, embora ainda estejamos longe de um cenário onde o Kosovo passará a discutir apuramentos com as restantes seleções europeias. Reconhecido por 23 dos 28 estados-membros da União Europeia e 108 dos presentes na Assembleia Geral das Nações Unidas (excluindo a Rússia e outros 84 países), o Kosovo é um território ainda instável e que continua a ser seguido de perto por forças de paz internacionais, como a NATO ou a EULEX (European Union Rule of Law Mission in Kosovo), a missão da União Europeia que tem como comandante o português Miguel Costa Barreto, Major da GNR.

40 quilómetros a norte da capital Pristina está o estádio escolhido para receber o jogo. Com capacidade para 17 mil pessoas, há muito que tem a lotação esgotada e o governo local tem-se esforçado para o melhorar, gastando 700 mil euros a instalar cadeiras em todas as bancadas e fornecendo água canalizada, o que não existia antes deste encontro com o Haiti. Os bilhetes (a 7,5 e 10 euros) voaram em poucas horas, pelo que o mercado negro está muito ativo.

Os últimos dias têm sido de azáfama total, com a organização do jogo e o cumprimento das últimas obras no estádio, como a tribuna presidencial, que também vai ficar cheia, pois nenhum diplomata quer falhar esta oportunidade.


«O jogo será supervisionado pela polícia local, mas terá observação atenta do contingente internacional da União Europeia, que estará de prevenção», conta o Major Barreto ao Maisfutebol, confessando que há sempre preocupações neste tipo de eventos, dado que as autoridades kosovares não estão habituadas a lidar com estas multidões. «Os jogos do campeonato têm 500 pessoas e neste encontro vão estar 17 mil, é uma diferença muito grande», assevera, frisando que será o primeiro grande teste à polícia local.

Os cuidados são poucos, dada a instabilidade na zona, por isso grande parte da atenção das autoridades estará na revista dos adeptos à entrada do estádio, pois qualquer problema poderá gerar pânico e o estádio não tem as condições ideias. Será, de qualquer forma, um momento para festa e união, com os políticos a assumirem o palco. O ministro da cultura e desporto não se cansou de falar sobre o assunto nos últimos dias.


Os esforços para a formação da equipa do Kosovo têm vindo a receber muitos apoios, nomeadamente de descendentes que atuam já noutras seleções, como os «suíços» Xherdan Shaqiri (Bayern Munique), Granit Xhaka (Borussia Moenchengladbach) ou Valon Behrami (Nápoles). Todos eles apoiam, mas nenhum deles estará no jogo desta quarta-feira, pois a FIFA não autoriza os atletas a alinhar por duas seleções (ainda que haja a exceção Catalunha).

«É fantástico fazer parte desta equipa. Não podia ser melhor do que isto», disse Bersant Celina, avançado de 17 anos do Manchester City que nasceu na Noruega. Adnan Januzaj, do Manchester United, também tem ascendência kosovar e chegou a ser formalmente convidado para estar presente neste jogo, mas o seu pai fez saber que isso não era possível, continuando sem saber que país vai representar, até porque também há interesse por parte da Sérvia, da Bélgica e até da Turquia. 

O selecionador Albert Bunjaki mantém as portas abertas: «Isto é uma viagem e espero que outros possam juntar-se a nós no futuro». Os apelos continuam.
Só o guarda-redes Kushtrim Mikushnica joga no Kosovo, pelo que os restantes 21 atuam em alguns clubes importantes da Europa, como Samir Ujkani (Palermo), ou outros elementos provenientes do Eintracht Frankfurt, do Helsingborg, do Sevilha, do Manchester City ou do Kaiserslautern.

Do lado haitiano há, acima de tudo, grande vontade em colaborar com o Kosovo, pelo que o jogo está a ser encarado como um momento de fraternidade entre dois povos habituados a lutar contra a adversidade. Entre os convocados pelo selecionador Marc Collat está o ex-Leixões e ex-Rio Ave Jean Sony.