Futebol, política, televisão, dinheiro, poder e escândalos, muitos escândalos.

Silvio Berlusconi, que sofria de leucemia mielomonocítica, morreu esta segunda-feira, aos 86 anos, e para trás deixou o lastro de figura tão incontornável quanto polémica, desde a ascensão como dono do Milan aos nove anos como primeiro-ministro de Itália, marcados por acusações de corrupção e escândalos sexuais.

Nascido a 29 de setembro de 1936, filho de um bancário milanês e de uma dona de casa, Berlusconi começou a trabalhar como animador em cruzeiros no Mediterrâneo, antes de terminar a licenciatura em direito e lançar-se no mundo dos negócios. A incrível ascensão levantou interrogações quanto à origem da sua fortuna, que este ano foi classificada pela revista Forbes como a 352.ª maior do mundo, com um património líquido de 6,8 mil milhões de dólares (cerca de 6,2 mil milhões de euros).

Da ascensão do grande Milan à façanha no Monza

No início da década de 1980, Silvio destacou-se no setor da televisão, antes de comprar o Milan em 1986 e tornar o clube numa das maiores referências do futebol mundial nos anos seguintes.

Em 31 anos – até à venda a um grupo chinês em 2017 por 740 milhões de euros – os «rossoneri» conquistaram 29 títulos, sagrando-se nesse período cinco vezes campeões da Europa e oito vezes campeões de Itália.

O Milan de Sacchi e mais tarde de Capello, de Van Basten, Gullit, Rijkaard, Baresi, Maldini e tantos outros era sobretudo o Milan de Berlusconi. Mais tarde viria a ser o Milan de Weah, Kaká, Ronaldo, Ronaldinho, Shevchenko, Rui Costa e de uma série de outros craques que o magnata contratava para tentar dominar o panorama do futebol italiano e até europeu.

Naturalmente, o clube milanês não tardou em expressar as suas condolências pela morte de alguém que qualificou como «inesquecível». 

A Fininvest, «holding» da família Berlusconi, inclui três estações televisivas, jornais, as edições Mondadori, mas desde a venda do Milan, Berlusconi dedicou-se à presidência do Monza, que no início desta época subiu à Serie A italiana pela primeira vez em mais de um século de história.

O Monza publicou também esta manhã um vídeo em que enaltece o percurso e agradece o legado de Berlusconi.

O toque de Midas nos negócios e no desporto de 'il Cavaliere' - o mais jovem distinguido como cavaleiro da Ordem de Mérito do Trabalho, que acabaria por abandonar voluntariamente em 2014 – acabaria por catapultá-lo para uma carreira política.

Poder político e as controvérsias na vida pessoal

Em 1994, apenas algumas semanas, pôs de pé o partido Força Itália e venceu as eleições, mas, abandonado pelos aliados, o seu Governo caiu ao fim de sete meses.

Em 2001, reconquistou o poder e conservou-o até abril de 2006 - um recorde na história da Itália do pós-guerra. Foi derrotado por uma pequena margem nas legislativas seguintes, mas desforrou-se dois anos depois, instalando-se ao comando do país pela terceira vez em 2008, até novembro de 2011.

Durante todos esses anos, nos seus diversos processos judiciais por corrupção e fraude fiscal, Berlusconi apresentou-se sempre como uma vítima da magistratura de esquerda, até uma condenação definitiva a 1 de agosto de 2013: a sua pena de quatro anos de prisão por fraude fiscal no caso Mediaset, três dos quais suprimidos por uma amnistia, foi confirmada pelo Supremo Tribunal.

Muito preocupado com a sua aparência, este homem de cabelo escasso pintado de castanho, a quem uma espessa camada de base dava um ar eternamente bronzeado, recorreu durante anos sem complexos a cirurgias estéticas. O seu gosto assumido por mulheres bonitas, incluindo 'acompanhantes de luxo', acabou por lhe valer, em 2009, um pedido de divórcio, bem como um processo por prostituição de menor e abuso de poder, tendo como figuras centrais a jovem marroquina Karima El Mahrug, conhecida como 'Ruby Rubacuori' (Ruby Rouba-corações) e as chamadas festas de 'Bunga-Bunga', no escândalo que ficou conhecido como «Rubygate».

Hiperativo e dormindo poucas horas, tinha problemas cardíacos desde os anos 1990 e implantou em 2006 um 'pace-maker' nos Estados Unidos; em 2016, foi submetido a uma cirurgia de peito aberto ao coração, em 2019 voltou ao bloco operatório devido a uma obstrução intestinal e, em 2020, foi várias vezes hospitalizado devido a sequelas de covid-19.

Em 1997, tinha já sido operado a um tumor na próstata e, ao longo dos anos, foi diversas vezes internado por problemas no trato urinário; por último, já em abril de 2023, foi-lhe diagnosticada uma leucemia.

«Gaffes» e provocações do novo Napoleão

Pai de cinco filhos nascidos de dois casamentos e várias vezes avô, este personagem excêntrico, companheiro de uma mulher 53 anos mais nova - Marina Fascina, deputada do seu partido, Força Itália, também eleita deputada nas legislativas de 2022 -, desperta nos seus compatriotas admiração incondicional ou ódio visceral.

A música foi, a par da política e do futebol, uma das suas grandes paixões: quando era jovem, sonhava ser um cantor de charme e, mais tarde, chegou a gravar um disco de canções de amor napolitanas, além de ter sido coautor dos hinos do AC Milan e do seu partido, Força Itália.

Entre piadas de gosto duvidoso e «gaffes» diplomáticas, Berlusconi comparou o presidente do Parlamento Europeu a um guarda nazi, descreveu o ex-presidente norte-americano Barack Obama como «bronzeado», «flirtou» publicamente com mulheres em cargos políticos de topo, cultivando amizades controversas, entre elas, com o presidente russo, Vladimir Putin.

Silvio Berlusconi, porém, não pedia desculpas e sempre se alimentou da controvérsia, tendo chegado a classificar-se como «o melhor líder político da Europa e do mundo», afirmando ainda: «Apenas Napoleão fez mais do que eu fiz. Mas eu sou definitivamente mais alto.»