Jesualdo Ferreira e Pavão são dois daqueles homens que têm reservada uma página em nome próprio na história do F.C. Porto. Jesualdo foi o primeiro treinador português três vezes campeão no clube, Pavão foi um dos mais brilhantes jogadores que vestiu a camisola azul e branca. Curiosidade: conheceram-se em Chaves.

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Conheceram-se e evoluíram para uma grande amizade. Chegaram a partilhar um ano nos juniores do D. Chaves, imediatamente antes de Pavão se mudar para o F.C. Porto. «O Jesualdo falava-me tanto do Pavão que ainda me lembro do nome dele. Fernando Pascoal das Neves. É ou não é?», interroga a prima Marília Pires.

É, sim senhor. Jesualdo é um ano mais velho, mas calhou partilharem a cidade e um prazer inesgotável no desporto. Ora numa altura em que o F.C. Porto vai encontrar o Chaves no Jamor, o Maisfutebol recupera a história de uma amizade fora de campo - com rivalidade dentro dele -, que vai de um clube ao outro.

Os jogos a dinheiro na rua

Jesualdo estudava no Liceu, Pavão andava na Escola Industrial. Na década de 50, num Portugal cinzento, os jogos entre as duas escolas davam que falar. «Eram grandes duelos, com muita gente a ver», diz Silvano Roque, antigo colega de Jesualdo. «Eram jogos equilibrados e não perdíamos só por causa do Pavão».

Jesualdo e Chaves, uma história de amor

E Jesualdo, pergunta-se? «Tinha habilidade, mas não era dado ao contacto físico.» Ora um pouco como Pavão, aliás. «Ele era pequenino, mas muito tecnicista. Nessa altura até foi fazer um teste ao Benfica, mas disseram-lhe que precisava de comer sopa. Foi para o Porto, deram-lhe tripas e ele cresceu», conta João Neves.

João Neves era irmão de Pavão e lembra-se que a amizade deles cresceu nesses duelos. «Andavam sempre a jogar à bola. Iam para o descampado entre a Escola e o Liceu e jogavam a dinheiro. Faziam duas equipas, cada jogador entrava com 10 tostões e quem ganhasse ficava com o dinheiro. Para aí 10 escudos.»

Dois rapazes «engatatões»

A rivalidade não era só no futebol, de resto. Os dois partilhavam também a fama de... marialvas. «Aqueles jogos eram muito concorridos, juntavam-se as meninas todas para ver e o Jesualdo ficava todo vaidoso. Tinha a mania que era muito engatatão. Ainda por cima tinha vindo de África e era moreno», sorri Silvano Roque.

Um pouco como Pavão, aliás: a alcunha de Pavão veio de algum lado. «Um dia perguntei ao Jesualdo por que lhe chamavam Pavão, se o nome dele era Fernando das Neves. Ele disse que ele tinha um andar muito emproado, todo elegante e charmoso para cima das meninas. Parecia um pavão», conta Marília Pires.

E o futebol para sempre na vida deles

Ora a vida acabou por afastá-los. Pavão foi para o Porto, onde fez carreira nas Antas até uma morte trágica em pleno relvado. Jesualdo seguiu para Lisboa, onde cursou Educação Física e se fez treinador de futebol. Continuaram amigos, com regresso frequente a Chaves. E mantiveram o futebol na vida deles.

«O Pavão era doente por futebol. Por futebol, voleibol, andebol... Seguiu futebol porque naquela altura já permitia fazer vida», conta João Neves. «Os meus tios ficaram chateados por ele cursar Educação Física. Queriam que fosse médico ou advogado», diz Marília Pires. «.Mas ele não torceu. Era um vício.»

Um vício que veio da mãe. «Adorava futebol. Faleceu com cancro, na fase terminal ia a Lisboa fazer tratamentos e só se distraía com bola. O meu primo levava-a aos treinos ou aos jogos porque ela adorava aquilo. Quando era mais nova, levou o Jesualdo a ver um jogo do Eusébio. Foi aí que ele se apaixonou pelo futebol.»