As palavras circulam sem parar na conversa com Marília Pires, a prima que vai ao baú do tempo buscar recordações que depois desembrulha com ternura. Fala de cumplicidade, dos segredos da adolescência, da forma como viu crescer um Jesualdo Ferreira de quem gosta «como se fosse um irmão». Do treinador do F.C. Porto lembra um rapaz introvertido - «eu acho que é timidez», diz - e com uma personalidade muito forte. Características que moldou com o tempo e com as dificuldades da vida.
«Até já falei com ele sobre isso e acho que tem a ver com os tios que o criaram», conta. «Eram pessoas muito ditadoras. Eram muito amigos dele, queriam-no como a vida, mas não o deixavam fazer nada. Não o deixaram jogar futebol quando ele foi para Valpaços, não o deixaram ir para o Exército, queriam que ele fosse para Medicina. Mas ele nunca dava o braço a torcer e sempre levou a dele por adiante. Por isso tem uma personalidade muito vincada, porque desde muito novo que guerreava muito com eles».
O vício do tabaco e a gula da alheira assada ao lume
Uma personalidade que lhe permitiu assumir muito novo o vício de fumar. «Quando veio de Angola já fumava», conta Marília. «Desde os 13 ou 14 anos que fuma. Os tios viviam muito bem, davam-lhe dinheiro e ele agarrou o vício. Quando vem aqui ao meu café leva logo três maços de tabaco». Hoje regressa menos vezes a Trás-os-Montes, mas não deixa de o fazer. «Vem sempre uma ou duas vezes por ano. Vem já para a semana, aliás». Uma forma de matar saudades da família e de saciar os prazeres da boa mesa. «Já tenho aqui uma coisinhas para ele levar». Um folar, um queijo de ovelha e enchidos. «Ele adora alheiras. Pergunto-lhe o que quer para jantar, responde-me sempre uma alheira assada na lareira». Tens lume? Tenho. Então arranja-me uma alheira, diz.
A paixão pelo futebol e pelo gosto em ser namoradeiro
Naquela altura insistia em passar lá os dias livres. Foi lá, aliás, que desenvolveu uma grande amizade com a prima Marília. «Estava sempre ansiosa que ele chegasse», conta. «Ele contava-me coisas sobre a cidade, sobre como as meninas se vestiam em Chaves, sobre as modas da altura». Do tempo de adolescência lembra um rapaz meigo e muito namoradeiro. «Muito, muito», sorri. «Ele ia quase todos os dias para Mirandela, passear e jogar bilhar, eu ficava em casa e guardava-lhe as cartas das namoradas que chegavam no correio. Para os pais não verem». Para além de raparigas, Jesualdo tinha mais duas ou três paixões. Uma delas era o futebol. «Tanto chateou os tios que eles compraram uma televisão para vermos o Mundial 66. Foi a primeira aqui na zona».
A televisão, o Festival da Canção e o cinema
A televisão tornou-se um foco de atenção em casa da família e permitiu desenvolver mais uma paixão de Marília e Jesualdo. «O festival da canção. Víamo-lo sempre juntos e gostávamos muito». A maior paixão de Jesualdo na altura, entre os 14 e os 17 anos, era o cinema, porém. Um amor que ainda hoje mantém e que faz questão de cultivar. «Sempre que chegava um filme novo a Mirandela ia logo a correr vê-lo. Depois começou a levar-me com ele. Os primeiros filmes que vi foi com ele». Os primeiros filmes e os primeiros passos de dança. Jesualdo Ferreira não era um dançarino exímio, mas estava sempre nos bailaricos da aldeia. «Ensinou-me a dançar», diz. «Era a minha companhia nas férias. Ele parece uma pessoa fechada, mas em família é conversador».