Amor e ódio. Mel e fel. A relação de José Mourinho com o FC Porto e do universo portista com o treinador não é fácil de explicar ou entender, tantos foram os altos e baixos desde a abrupta saída em 2004, ainda o mundo azul e branco festejava a segunda Champions da sua história.

O que, até Gelsenkirchen, foi um romance de sonho, com conquistas europeias e títulos internos pelo meio, depois daquela noite transformou-se numa montanha russa de emoções. Com disparos de parte a parte, períodos de tréguas, aproximações e novas quezílias.

O romance terminou ainda em clima de festa, quando José Mourinho, logo no flash-interview que se seguiu ao triunfo sobre o Mónaco, assumiu que estava perto de mudar-se para o Chelsea. Se a declaração, por não ser nada habitual, não caiu bem no seio portista, a ausência do treinador nos festejos do dia seguinte confirmava a queda abrupta de popularidade nas hostes azuis e brancas.

Meio a sério, meio a brincar, diz-se, ainda hoje, que Mourinho já festejou a vitória no iate de Roman Abramovich.

Ora, a forma tensa como se deu a saída, alimentada pelo clima difícil criado pelas constantes notícias sobre um desentendimento com um membro da principal claque portista, que o próprio treinador assumiu no seu livro de 2004, ajudou a extremar posições e dividir opiniões.

Passaram-se onze anos e é justo reconhecer que, como em tudo, o tempo curou muitas feridas. Basta, de resto, espreitar o discurso do treinador na antevisão do encontro para perceber que o clima não tem nada a ver com outros tempos. Contudo ao longo de uma década atribulada e agridoce, aqui a ali, o celeuma reergue-se. Aliás, ainda não há muito tempo houve troca de argumentos entre Mourinho e o FC Porto.

Em julho deste ano, comentando os gastos de algumas equipas no mercado de transferências, que considerava excessivos, Mourinho deu o exemplo portista: «Pagou 20 milhões de euros pelo Imbula e deu um salário incrível ao Casillas.»

O clube portista reagiu através da sua newsletter: «José Mourinho, vá lá saber-se porquê, resolveu um destes dias criticar os gastos do FC Porto em contratações. Não foi bonito nem lhe ficou muito bem, mas agora, consequência de quem dispara em todas as direções, o jornal Marca fez as contas e concluiu que o treinador português é o que mais dinheiro gastou em contratações desde 2004, precisamente quando deixou o FC Porto.»

Foi apenas o último episódio. O Maisfutebol compilou mais alguns, de uma relação oscilante e difícil de perceber.

Regresso ao Porto…ou a Palermo?

Se, esta terça-feira, é de prever uma morna receção ao seu ex-treinador por parte do universo portista, em dezembro de 2004, aquando do primeiro regresso de Mourinho ao Dragão, o ambiente era…escaldante.

Muitos fatores contribuíram para que assim fosse. Em primeiro lugar, e à cabeça, tinham passado poucos meses desde a referida polémica saída do técnico rumo a Londres. A juntar a isso, o jogo era absolutamente decisivo para a equipa, então, orientada por Víctor Fernandez, para seguir rumo aos oitavos-de-final da Champions e antes da viagem para Tóquio para disputar a Taça Intercontinental.

Como se já não fosse suficiente, aquele 7 de dezembro ficou também marcado pela apresentação de Pinto da Costa no Tribunal de Gondomar, no âmbito do processo Apito Dourado. O líder portista só deixaria as instalações com o jogo perto do final.

Por fim, Mourinho não teve problemas em atirar mais lenha para a fogueira. Dias antes, numa polémica entrevista ao Expresso, quando questionado sobre os seguranças privados que trouxe para Portugal, respondeu: «Se você for a Palermo se calhar também precisa.»

A tirada não caiu bem, Pinto da Costa respondeu: «Por causa do FC Porto de certeza que não necessita de segurança. Só se for por qualquer coisa de errado que tenha feito ou por algum problema com algum cidadão do Porto.»

Dias mais tarde, Mourinho voltou ao tema para…pedir desculpa à cidade de Palermo.

A verdade é que, contudo, esse foi um episódio à parte do discurso do treinador no primeiro regresso à Invicta. Apesar de ter falhado a conferência de imprensa de antevisão, enviando o adjunto Steve Clarke, no final falou sobre a experiência num tom bem mais agradável.

«Tentei não sentir nada. Trabalhei-me a mim próprio para não sentir nada. Durante o jogo estava concentrado, a entrada para o banco também foi rapidinha, tentei apenas manter uma postura séria, de educação, correção e fair-play. Mas não vivi grandes sensações. Tentei não me deixar envolver. Tentei isolar-me do facto de este ser o estádio mais bonito da Europa e de, além disso, ter sido a minha casa durante dois anos»
, afirmou.

O resumo do FC Porto-Chelsea de 2004:



Segundo regresso: «Alguns vão receber-me mal»

Dois anos mais tarde, em fevereiro de 2007, Mourinho voltou novamente ao Dragão. O jogo era da primeira mão dos oitavos de final da Liga dos Campeões. Empataria 1-1 com o FC Porto de Jesualdo Ferreira. O discurso, esse, foi bem mais ponderado, apesar de ter reconhecido, na antevisão, que nem todos teriam um abraço para si.

«Espero ser bem recebido por muita gente. Gente que não esquece os dois anos que passei aqui e tudo o que ganhámos. Mas haverá uma minoria que terá dificuldade em perceber a minha saída, a minha opção por uma nova experiência na minha vida profissional. Essas pessoas, se calhar, vão receber-me mal», afirmou, na altura.

No final, após um resultado que deixou o Chelsea mais confortável na eliminatória (viria a confirmar a passagem em Londres), um elogio à ex-equipa: «Podíamos ter vencido, mas seria profundamente injusto.»



Mourinho, o autor de «Filhos do Dragão»

Desde esse 21 de fevereiro até hoje, Mourinho nunca mais defrontou o FC Porto, o que não quer dizer que não tenha aberto outras frentes de disputa. Sobretudo porque o sucesso internacional que alcançou fez dele figura de proa para comentar as incidências do futebol português.

Em 2010, numa entrevista à TVI, procurou demarcar-se de quem dizia que o Benfica era o clube do seu coração, ao mesmo tempo que assumia papel decisivo numa música que ainda hoje se ouve a cada jogo do FC Porto em casa, os «Filhos do Dragão».

Nesse mesmo ano, porém, quando o seu antigo adjunto André Villas-Boas assumiu o comando técnico do FC Porto, as comparações foram inevitáveis. O tema chegou a Mourinho. «Não o comparem comigo», pediu, em entrevista ao jornal «Record».

Percebia-se que a relação entre ambos não passava o mais feliz dos momentos e Mourinho não teve problemas em apontar a falta de experiência de Villas-Boas para o lugar. O sucesso da equipa portista nessa época acabou por ajudar a encerrar um problema que, para Pinto da Costa, nunca existiu.

Contudo, foi o próprio presidente portista a invocar Mourinho, no ano seguinte, quando André Villas-Boas também deixou o FC Porto rumo ao Chelsea. «Teve medo do fantasma de Mourinho», disse o líder portista. Pouco antes, na apresentação de Vítor Pereira, Pinto da Costa tinha dito que desejava que Villas-Boas vencesse todos os jogos, perdesse com o FC Porto e… empatasse com Mourinho.

«Jamais me esquecerei daquilo que vivemos e conquistamos juntos»

Já com Villas-Boas longe do Dragão e quase uma década em cima da saída de Mourinho, os sinais de «reconciliação» plena voltaram. O mais evidente talvez tenha sido a mensagem escrita para os adeptos e Pinto da Costa, a propósito dos 30 anos de presidência.

A revista «Dragões» recolheu vários testemunhos e Mourinho não falhou, aproveitando a ocasião para, depois de muitos anos, se dirigir aos portistas que o idolatraram.

«Há muito tempo que não tinha a oportunidade de enviar um abraço de amizade, sentido, a todos os portistas e de lhes dizer que os anos passam, mas que jamais me esquecerei daquilo que vivemos e conquistámos juntos. Está dado e está dito», escreveu o treinador.

De lá para cá e até à recente questão dos gastos, não se conheceram mais sinais de disputa. Pelo contrário. Já na segunda passagem pelo Chelsea, admitiu que «FC Porto e Inter», além dos londrinos, foram «clubes especiais»
.

O FC Porto também mostrava que estava tudo ultrapassado. Hoje, José Mourinho é figura no museu do clube e tem a sua fotografia no banco de suplentes, juntamente com outros treinadores que venceram títulos europeus.

No jogo de despedida de Deco não esteve no Dragão, mas enviou uma mensagem em vídeo, aplaudida pelo estádio. Na temporada passada, defendeu a continuidade de Julen Lopetegui, numa declaração bem recebida pelo treinador portista.

Recentemente ainda se levantou alguma poeira em torno da eventual supressão da sala José Mourinho para a remodelação do balneário do FC Porto, mas o clube esclareceu que tal não aconteceu por um motivo simples: a sala nunca existiu.

Casillas: a última quezília



A relação entre Mourinho e o FC Porto está tão morna que, esta terça-feira, o tema que irá, certamente, dominar as manchetes, sobretudo internacionalmente, não será o reencontro com a nação portista, mas com Iker Casillas.

O período mais difícil do guardião espanhol ao serviço do Real Madrid aconteceu precisamente durante o «reinado» de Mourinho, quando este começou a apostar em Diego Lopez deixando de fora o histórico capitão de equipa.

A crítica aos gastos portistas com o ordenado do guardião deu o mote e relembrou outras histórias. Como quando o jornal «Marca» trouxe a público uma discussão no balneário que também envolveu Sérgio Ramos.

«Na imprensa são todos vossos amigos. Como vocês foram campeões na seleção, todos vos protegem. Com o guarda-redes é o mesmo», teria dito Mourinho ao central, com Casillas a poucos metros, ao que este respondeu: «Mister, aqui dizem-se as coisas na cara!»

No auge da polémica, Mourinho chegou a dizer que Casillas não era «um monumento», esse era apenas o Real Madrid. Recentemente, o guardião portista explicou o que falhou na relação: «É como um casal, com o tempo começa a deteriorar-se.»

Uma coisa é certa. A avaliar pelo que diz Mourinho, publicamente o casal vai fazer o que mandam as regras da sã convivência: no mínimo, cumprimentar-se.