40 anos depois o futebol fracassou no essencial: ser capaz de incluir a maioria, de lhe proporcionar divertimento, distração, mas também passar valores. A culpa não foi do 25 de abril, claro.

Aliás, apesar do 25 de abril, o futebol não se desligou do poder. Pelo contrário. Pelo menos três das quatro décadas foram passadas em ruidoso convívio, políticos de braço dado com os dirigentes desportivos. Às vezes, os políticos como dirigentes desportivos. Durante muito tempo foi assim que o futebol aparentou crescimento. Havia sempre dinheiro.

Por causa da crise, os últimos anos foram menos alegres, mas nem por isso os presidentes de câmara e os ministros abandonaram as tribunas de honra dos estádios grandes, aqueles que aparecem na televisão.

A televisão, por falar nela, alterou muito a forma de consumo do futebol. Nunca se viu tanta bola como hoje. Nunca se assistiu a tanta conversa sobre futebol como hoje.  O futebol tornou-se o produto mais consumido, deu origem a canais temáticos. Parece inesgotável. Pode ser analisado de um ponto de vista tático, divertido, ligeiro ou crispado. Servido a partir do trabalho do árbitro ou da opção do treinador.

Apesar desta força da televisão, a Liga portuguesa ainda não consegue que todos os jogos passem em direto na tv. Em Portugal, existe o futebol dos três grandes e futebol dos outros, os que estão por ali para quebrar a monotonia de um campeonato entre Benfica, Sporting e FC Porto. Apesar do relativo sucesso internacional de seleção e clubes, o futebol português é um produto difícil de exportar. Talvez porque ninguém olhe para ele como um produto.

Como há 40 anos, estranhamente os jogadores parecem seres pouco livres.

Na década de 70, antes do 25 de abril, os jogadores eram propriedade dos clubes, que podiam mantê-los exercendo a lei da opção ( vale a pena ler mais sobre isto). Hoje pertencem a fundos de investimento (delicioso eufemismo) de donos misteriosos, pessoas cujo rosto não conhecem mas que ditam o seu futuro. Os clubes impedem os jogadores de comunicar, amarrados a regulamentos internos que ninguém aceitaria em outra profissão.  40 anos depois, nem se pode dizer que os jogadores vivam muito melhor, em Portugal.

O principal campeonato encheu-se de estrangeiros, o que sucede um pouco por todo o mundo e seguramente não por culpa do 25 de abril. Ainda não há futebolistas com dois empregos, mas os salários, em média, são baixos e o futuro sombrio. Muitos jogadores emigraram para destinos pouco atraentes como Chipre, Roménia e Grécia. O mesmo fizeram os treinadores, muitos deles para países árabes.

Nestes 40 anos, os dirigentes foram vezes de mais incompetentes. Não me lembro de um que ousasse distinguir-se pelo desportivismo e preocupação com o bem comum. Nem um. Sem formação, limitam-se a pensar na melhor forma de derrotar o adversário.

Como foi possível observar durante estas décadas, os métodos utilizados foram muitas vezes condenáveis e conduziram ao estado atual, em que a rivalidade foi substituída pelo ódio. E em que os presidentes dos principais clubes, apoiados em poderosas máquinas de comunicação e na fragilidade dos jornalistas, reclamam para si o papel principal no jogo.

Enfim, os dirigentes desporivos são o que são. Talvez nem fosse possível esperar mais, como de resto estão a demonstrar neste degradante processo que envolve a Liga e o presidente que elegeram, Mário Figueiredo. Cada sócio, cada adepto saberá o que reclamar. 

Já aos políticos é legítimo exigir. Muitas vezes por interesses eleitoralistas, permitiram que os grandes clubes ficassem ainda mais fortes. Falharam no desporto escolar, falharam no apoio a tudo o que não é futebol profissional, falharam na educação desportiva dos mais novos. Em quatro décadas, ainda não houve um governo que realmente entendesse o papel que o desporto deve ter numa sociedade como a nossa. 

Como a cultura, o desporto tem sido uma jóia reluzente que se coloca na lapela nos dias festivos e se guarda na mais funda das gavetas, logo a seguir. O futebol, esse espera um 25 de abril que demora.