Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Hóquei em patins, António Livramento. Atletismo, Carlos Lopes e Rosa Mota. Basquetebol, Carlos Lisboa. Andebol, Carlos Resende. Voleibol, Miguel Maia. 
 
É assim, não é?
 
Miguel Maia, 45 anos, 15 campeonatos nacionais, seis Taças de Portugal, nove Supertaças, uma Taça da Federação Portuguesa de Voleibol e uma Taça dos Clubes de Topo… muitos troféus e o último conquistado a 12 de março. 
 
Frente a frente estiveram Sp. Espinho e Benfica, dois dos clubes com mais títulos na modalidade, e o que levou a melhor foi o do Norte, que não vencia qualquer título desde 2011/2012, quando venceu o último campeonato.
 
«Foi tão importante quanto os outros todos. Não posso diferenciar. Todos foram importantes e todos tiveram a mesma dedicação, trabalho e exigência. Fico bastante contente com todos. Não menosprezo nenhum tipo de título, por muitos que já tenha», disse ao Maisfutebol.
 
Com quase 40 anos de ligação ao voleibol, Miguel Maia começou a carreira profissional em 1987 na Académica de Espinho, depois de ter experimentado a modalidade aos seis anos, por isso admite: «Não sei viver sem o voleibol.»
 
«Nasci em Espinho, a cidade denominada como a do voleibol em que qualquer família tem praticantes. É uma modalidade muito acarinhada e, para além disso, o meu pai também era professor na Ac. Espinho e o pavilhão estava a 200 metros de minha casa. Por isso, tudo se conjugou. Era muito fácil ficar apaixonado pela modalidade e foi o que aconteceu comigo.»
 
Seguiram-se passagens pelo Sporting, Esmoriz e Reima Crema (Itália) e Sp. Espinho, que já representou em três ocasiões e mais de 20 anos - um clube especial, em que a história se confunde com a do próprio Miguel Maia. 
 
Pelo meio, a seleção nacional, o voleibol de praia, três Jogos Olímpicos [Atlanta, Sydney e Atenas] e muito reconhecimento de todos: «Fico muito lisonjeado por me darem mérito. É um sinal positivo. Fico contente por associarem o meu nome a grandes conquistas. Estou grato à modalidade e aos clubes por onde passei, porque sem eles não conseguia metade do que consegui.»

«Até quando? Quero é estar bem para treinar hoje e jogar no fim de semana»

Miguel Maia compete ao mais alto nível há praticamente três décadas [1987/1988] e é um dos atletas mais velhos no panorama desportivo nacional. É difícil explicar como consegue chegar aos 45 anos a competir com frequência e nas competições mais importantes, mas a fórmula do voleibolista foi sempre simples e a mesma.
 
«Sempre tive muitos cuidados com a minha carreira desportiva, mas talvez a minha genética também seja muito importante. Preocupei-me sempre com o meu descanso e a minha alimentação para poder treinar a 200 por cento. Foi isso que aconteceu e, neste momento, estou a colher os dividendos disso. Também tive o privilégio de nunca ter tido lesões graves, só musculares.»
 
Mas não foi só, a mentalidade também conta e o pensar diferente de muitos atletas também: «Preocupei-me sempre em descansar para treinar e não para jogar, como é o mais comum. Ao descansar para treinar tinha uma disponibilidade muito grande para poder dar o máximo em cada treino e depois isso ajudava no jogo.»
 
Porém, Miguel Maia não sabe até quando vai conseguir ‘esticar a corda’ e manter-se a competir. Faz 46 anos em abril e sabe que com quase 50 anos não poderá continuar durante muito mais tempo, mas também não quer colocar uma meta: «O que quero é estar pronto para treinar hoje e jogar no fim de semana.»
 
«Neste momento, com a idade que já tenho não dá para fazer muitas contas em relação ao futuro. O importante é que me sinta bem e que não tenha nenhuma lesão. Enquanto me sentir acarinhado, as pessoas me quiserem e eu me sentir útil, cá estarei para ajudar. O meu lema é esse, tentar ajudar e, dentro das minhas capacidades, fazer aquilo que mais gosto.»
 
Com esse pensamento e também o de querer sempre mais, em paralelo com o sonho olímpico, chegou ainda ao voleibol de praia, já depois de ter representado Portugal em 178 ocasiões indoor. Apaixonado pelas duas vertentes da modalidade, ainda conseguiu conciliar durante muitos anos e exigiu aos clubes cláusulas que o deixassem jogar no pavilhão e na praia, mas um dia teve de abdicar.
 
«O de pavilhão são oito meses, o de praia três/quatro. Numa primeira fase consegui conciliar, depois não. Tive propostas de clubes estrangeiros e não fui porque não conseguiria conciliar. Era muito complicado, não conseguia estar a jogar nos dois lados ao mesmo tempo», começou por dizer, referindo: «Gostava de não ter tido de abdicar de nada, mas teria de ter duas vidas. Por isso, mais tarde tive que deixar a seleção porque não conseguia conciliar com o voleibol de praia que era na mesma altura. Tive de fazer opções e acho que fiz a certa.»
 
«Escolhi o voleibol de praia, que é uma modalidade olímpica. Por isso, ainda participei em três Jogos Olímpicos e em seis campeonatos do mundo, que me deram muita notoriedade. Acho que fiz o percurso certo, mas se pudesse não tinha deixado nenhuma das vertentes», disse, admitindo que não consegue ter preferência: «Gosto das duas, sempre tive o privilégio de jogar as duas vertentes.»
 
O certo é que um dia terá de as deixar ou pelo menos de as praticar a este nível, mas Miguel Maia já está preparado para ser treinador: «Tenho o curso de nível 1, 2 e 3 por isso estou pronto para treinar qualquer clube em qualquer divisão. A experiência fala por mim, passei por vários clubes, trabalhei com muitos treinadores, tenho experiência lá fora e por isso tudo é possível. Estou apto e pronto para o desafio.»

A dupla com João Brenha, dentro e fora de ‘campo’

O distribuidor construiu uma carreira ao lado e com João Brenha, «o parceiro de vida e para a vida». Vizinhos, partilharam a infância, jogaram outros desportos, escolheram o voleibol e formaram uma dupla de sucesso na areia que teve o ponto alto nos Jogos Olímpicos de Atlanta (1996) e Sydney (2000).
 
«Sempre houve muita cumplicidade. Quase todas as outras duplas mudam de parceiro de dois em dois anos, ou três, e nós nunca mudámos. A cumplicidade e a amizade foram fundamentais, por isso é que fomos a primeira dupla a passar as 100 etapas do circuito mundial», disse orgulhoso.
 
«Vivíamos perto, éramos do mesmo grupo, jogávamos futebol e voleibol. Não era só aquele amigo de escola, era aquele amigo com quem fazia tudo. Isso criou uma afinidade muito grande, que se notava também durante as competições», revelou, sublinhando: «Nós passamos quase 20 anos juntos no voleibol de praia e o volei de praia não é só jogar. É treinar, viajar, dormir em hotéis, fazer almoços e jantares juntos. É muito tempo e é preciso haver muita cumplicidade para se conseguir lidar com muita coisa que acontece no dia a dia.»
 
Por isso, pelo meio, decidiram também abraçar o desafio da gestão desportiva juntos e criar a Academia Maia e Brenha (AMB), em Espinho, que, entre outros eventos e as muitas aulas, organiza a AMB Volleyball Cup, um torneio com jovens de todo o mundo, considerado um dos mais importantes para a formação a nível internacional e que este ano se realiza entre 27 de junho e 2 de julho.

Os Jogos Olímpicos e as compras que nunca fez em Atlanta

Posto isso, Miguel Maia orgulha-se da carreira desportiva que construiu, dentro e fora de campo, pondo sempre em tudo «muito esforço, dedicação, suor e lágrimas», mas admite que entre tantos momentos, tantas conquistas pessoais e profissionais, há 'dois' mais importantes.
 
«Levar o estandarte na abertura dos Jogos Olímpicos de Sydney e ter participado em três JO», começou por dizer, justificando: «É o evento mais importante para qualquer atleta, é o corolário de muito trabalho. Todos os atletas sonham com isso e eu não sou diferente.»
 
«Eu e o João chegámos às meias-finais em dois. Correu tudo bem e o que fizemos só o imaginávamos em sonhos. Fico bastante orgulhoso de ter conseguido lá estar.»
 
«Nos primeiros, em Atlanta, tínhamos humildade para reconhecer o nosso valor, sabíamos o que podíamos fazer e de, forma consciente, também perceber que iríamos ter poucas hipóteses porque íamos jogar com o primeiro e com o quinto do mundo, mas conseguimos ir longe», disse, para sublinhar: «Mas não imaginávamos, mesmo.»
 
Por isso, disse também, entre risos, que guarda boas e caricatas memórias desses JO:
 
«Não éramos favoritos e quando chegámos lá, queríamos era viver tudo ao máximo e conhecer tudo que estava ao nosso alcance. Eu, o João e o professor Francisco combinámos com o médico da comitiva irmos às compras e nunca chegámos a ir. Os jogos começavam numa segunda ou terça-feira e o quadro no qual estávamos inseridos era de três jogos, então combinámos fazer compras e visitas à cidade logo na quinta-feira, porque achávamos que não íamos passar. O problema é que fomos ganhando, ganhando e chegámos às meias-finais. Então as compras acabaram por não acontecer.»
 
«Queríamos apenas desfrutar, sabendo das dificuldades que teríamos e ainda por cima porque eram os primeiros, por isso o que aconteceu acabou por ser caricato, mas ainda bem que foi assim», recordou.

«O Sporting não ter volei é um tiro nos pés» 

Depois da primeira passagem pelo Sp. Espinho, em 1990/1991, Miguel Maia rumou ao Sporting e ajudou o clube leonino a quebrar um jejum de quase 40 anos. De leão ao peito venceu três campeonatos nacionais, uma Taça de Portugal e duas Supertaças, regressando depois a Espinho e ao Sporting de lá.
 
A modalidade terminou depois em Alvalade e Miguel Maia lamenta que ainda não tenha regressado: «Acho que o Sporting fez mal em acabar com o voleibol. Sendo o clube das modalidades, ainda por cima com 50, é um tiro nos pés não ter voleibol.»
 
O experiente voleibolista considera que está na altura de o Sporting voltar a ter a modalidade e chama também o FC Porto, justificando que «o voleibol só teria a ganhar com eles», em termos competitivos e ao nível dos patrocínios, mas não só.
 
«Seja em que modalidade for os adeptos procuram os bons jogos. No voleibol há duas equipas a lutar pelo título e ter o Sporting e o FC Porto, que têm muitos adeptos, ajudaria a que a modalidade tivesse a importância que já teve», disse, sublinhando também que a nível feminino «tem havido um acréscimo» que o deixa satisfeito.
 
«Não deixou de ser uma modalidade popular em Portugal, mas perdeu praticantes para outras e nomeadamente para o futsal. Por isso, considero que seria importante ter esses clubes no voleibol. Tudo o que se puder fazer para dar relevo à modalidade é importante. É uma modalidade olímpica, implementada nos cinco continentes e de muita importância em vários países.»