Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades

O triatleta olímpico Bruno Pais anunciou o final da carreira na semana passada e no último domingo competiu pela última vez. Decidiu fazê-lo em solo português, depois de 20 anos dedicados ao triatlo de forma profissional e um pouco por todo o Mundo, onde levou as cores de Portugal.

Foi no IronMan70.3 em Cascais que o atleta se despediu. «Não podia escolher outro cenário para a despedida. É o concelho da minha equipa [Estoril] e onde vou ajudar a formar homens e triatletas», escreveu o (agora ex) atleta na hora de anunciar o adeus.

Em 20 anos, Bruno Pais vestiu as cores da AD Belmonte, Barcelona 92, Belenenses, Clube Olímpico de Oeiras, Benfica e Estoril.

Uns dias depois da derradeira prova, Bruno Pais falou ao Maisfutebol, recordando vários dos momentos vividos ao longo das duas décadas no triatlo e comentou a decisão que tomou recentemente.

«Já não fazia sentido continuar, não me sentia a 100 por cento e em condições para competir ao mais alto nível. Sentia-me cansado e saturado de treinar sempre com o objetivo de tentar vencer», começou por dizer.

E venceu, várias vezes. Por isso, retira-se satisfeito com a carreira que agora terminou.

«É claro que ficaram coisas por fazer: podia ter sido melhor em algumas provas, ter melhores resultados ou até ter feito mais. Mas sei também que é fácil querer, mais complicado é fazer», disse, justificando: «Mesmo assim estou satisfeito com os meus 20 anos de carreira. Estou contente com tudo aquilo que fiz e por ter andado tantos anos a competir no triatlo.»

Entre tantas provas, destacam-se as participações nos Jogos Olímpicos de Pequim e de Londres, a conquista do Campeonato da Europa de Sub-23, o segundo lugar no Europeu de Triatlo Longo, as onze vezes em que foi campeão de Portugal e a liderança no ranking mundial.

Foi muito bom e um percurso que começou de pequenino com a paixão pela bicicleta - meio que utilizava para se deslocar no Fundão, de onde é natural - e a competir no ciclismo. «A seguir foi a corrida - fazendo duatlo - e quando vim para Lisboa, aos 18 anos, comecei a aperfeiçoar a natação - passando para o triatlo», contou.

Mas a natação foi sempre o «maior» problema: «Comecei a praticar mais tarde, e se calhar também foi por aí. Sempre me causou maior stress por ser a parte em que me sentia menos seguro e ser a primeira prova. Se não me saísse bem, o tudo o resto ficava logo condicionado.»

«Quando saia da natação é que parecia que a minha prova começava, só queria sair da água», recordou entre risos. Contudo, foi com a bicicleta que apanhou o maior susto de toda a carreira.

«Tive várias quedas», disse, contando: «A pior foi em Rio Maior durante um estágio. Numa brincadeira para fazer sprint para a meta, aquilo correu mal e passei por cima de um carro. Fiz um traumatismo craniano e tive de ir para o hospital, mas regressei pouco depois», recordou.

Contratempos acontecem. E desilusões também, a maior delas aconteceu na Madeira.

«Foi em 2004, no Campeonato do Mundo. Estava a lutar por uma vaga nos Jogos Olímpicos de Atenas e a prova correu-me mal. Tive um erro na bicicleta que depois me fez falhar o acesso ao JO por um lugar», disse, admitindo, contudo, que «no dia da prova estava super em baixo, mas que no dia seguinte já estava pronto para trabalhar e conseguir os objetivos».

E conseguiu, três meses depois. Foi Campeão Europeu de Sub-23 e ganhou mais do que a medalha: «Consegui dar a volta a esse momento menos bom e mostrar que tinha bom nível para conseguir bons resultados.»

A cabeça ajudou nessa altura e em muitas outras, mas recentemente a parte psicológica mostrou o outro lado e também por isso é que aos 37 anos diz adeus.

«A pressão que pomos em nós próprios, sobretudo quando as coisas não nos correm como queremos, deita-nos um pouco abaixo. Tive uma lesão no ano passado, e demorei quase um ano a ficar bom, não soube lidar muito bem com isso.»

De resto, sempre soube o que fazer: «Ao início deu muito trabalho conseguir chegar a níveis de atleta mundial, depois foi sempre não me desviar: manter o treino e a motivação. Isso foi o principal. Depois de se estar a um bom nível é só manter.»

Preocupações com a alimentação e o descanso também o ajudaram, mas nunca foi muito exigente com isso: «Só mais no início, mas sempre tive cuidados com a alimentação e com o descanso, porque era importante descansar se não nos treinos não rendia.»

Assim tornou-se num dos maiores nomes do triatlo nacional, mas não sabe como quer ser recordado. Apanhado de surpresa ou não com a questão e com humildade no discurso, e algo tímido também, referiu que tentou sempre divertir-se e sobretudo fazer ver «aos atletas portugueses que vieram a seguir que podiam ser tão bons como os estrangeiros». «E eu acho, sinceramente, que somos», reforçou.

É isso que vai querer provar também no Estoril, onde agora, depois de dois anos e meio como atleta, será coordenador da modalidade: «Quero ajudar o clube a crescer ainda mais no triatlo e passar o meu testemunho, mas sobretudo ajudar a formar pessoas e atletas.»