Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades

João Matos tem 31 anos e joga futsal no Sporting há 17. Leva mais do que meia vida dedicada ao emblema de Alvalade e à modalidade que o fazia «fugir de casa para ir treinar num clube de Carnaxide». Foi lá que o jogador do Sporting deu os primeiros toques na bola contra a vontade dos pais.

«Eles não queriam muito que eu seguisse pelo mundo do futebol ou do futsal. O meu irmão, por exemplo, esteve nos iniciados do Sporting e os meus pais tiraram-no de lá para ele continuar a estudar», começou por dizer.

Mas o desporto corria-lhe nas veias. «Quando era mais novo jogava ténis de mesa. O meu pai é de origem asiática e o ténis de mesa na minha vida veio por aí. Passei a preparatória a jogar ténis de mesa. Não joguei contra o João Pedro [internacional português do Sporting], mas joguei contra o irmão dele [José, também ele ex-Sporting] e contra o Sporting. Gostava da modalidade.»

Ainda assim, na hora de se federar, escolheu o futsal. «Só podia escolher uma das modalidades e, na passagem para o 10.º ano, escolhi o futsal. Foi uma guerra, mas os meus pais lá aceitaram porque eu tinha jeito. Tinha ido treinar ao Clube de Carnaxide, eles quiseram que eu ficasse e depois não parei.»

«Foi uma grande escalada até aos dias de hoje», recordou, dizendo que depois da «guerra» teve sempre o apoio dos pais: «Seguimos juntos nesta luta e o meu pai pertence inclusive ao Clube de Carnaxide.»

João Matos com a família nos festejos do tricampeonato em junho deste ano. [Fonte: Instagram João Matos]

Foi dali que, depois de jogar na seleção distrital, João Matos foi parar ao Sporting e realizou um sonho de pequenino: «Sempre ambicionei ser atleta do Sporting, via o Zezito e o João Benedito na Nave [antigo pavilhão do Sporting junto ao velho Estádio de Alvalade].»

Depressa os ídolos passaram a companheiros de equipa, e hoje João Matos segue também o exemplo de envergar a braçadeira de capitão do Sporting. «Além de grandes jogadores e excelentes capitães, ajudaram-me em muita coisa. Ainda hoje me dou bem com os dois, e o Zezito é quase o meu psicólogo. Agarrei os ensinamentos e os bons exemplos deles e agora tento aplicá-los também.»

Parece tudo um sonho, mas João Matos teve, como todos os atletas de alta competição, de se sacrificar muito. «Não me acomodei, sou totalmente diferente do que era quando entrei. E uma das provas de todo o trabalho e dedicação é que neste momento na equipa principal só eu e o Varela é que somos da formação do Sporting e nunca sequer saímos. Não sou melhor nem pior, mas tive outro estilo de vida que me ajudou a crescer mais rápido e a chegar aqui.»

«Foram e têm sido muitos os sacrifícios, dos normais de abdicar de vários momentos da adolescência aos de passar a vida em estágios e a competir e não poder estar em momentos especiais da minha família, mas quando se quer ser profissional do Sporting abdica-se de muitas coisas e também se ganham muitas outras. Apesar de tudo, a caminhada tem sido extremamente bonita e não vai ficar por aqui», afirmou.

Por isso, e porque se assume como um «grande sportinguista», João Matos vê-se a terminar a carreira no Sporting. Mas, apesar dos quase 32 anos, não é para já até porque tem contrato até 2020: «Vou jogar até quando tiver pernas e acredito que vá terminar aqui a carreira.»

Uma ida para o estrangeiro nunca foi equacionada porque «o fator coração pesa muito e vai sempre pesar muito», mas João Matos também não tem problemas em admitir que «nunca apareceu uma proposta das ‘arábias’» e que isso o deixaria «naturalmente a pensar».

«Isto não é futebol e os meus filhos não comem com títulos», justificou.

Nesse sentido, e ainda que não pense em terminar a carreira, João Matos já pensa no futuro e em janeiro vai voltar «à escola». «Interrompi os estudos no 10.º ano e não voltei a estudar, mas em janeiro vou tirar a formação de personal trainer e por sua vez o 12.º ano.»

«O que seria se não tivesse deixado os estudos? Como estava a tirar desporto, presumo que iria para educação física. Mas, sinceramente, nem me lembro do que queria ser na altura. Hoje penso que seria personal trainer ou algo desse género… talvez até estivesse a trabalhar em algo relacionado com barbearia ou tatuagens, já que estou cheio delas no corpo (risos).»

João Matos já perdeu a conta às tatuagens que tem [Fonte: Instagram João Matos]

João Matos preferiu o futsal e, para além de tatuagens, está também cheio de títulos: 22 no Sporting e um por Portugal. As conquistas fazem parte das melhores recordações, mas em quase duas décadas na modalidade o capitão verde e branco guarda muitas outras memórias boas e menos boas.

«Uma das boas foi no Pavilhão Paz e Amizade, estávamos a perder com o Benfica, demos a volta e fomos campeões. Outra foi na Luz ainda com o Paulo Fernandes como treinador. O Benedito não jogou por lesão e eu fui o capitão, com mais ou menos 23 anos. Quando fui entregar o papel de quem ia bater os penáltis vi o meu no fundo… ia bater o último penálti e acho que nunca tinha marcado um. Ia ser decisivo, diante de um amigo [Bebé] que sabia como eu os batia... esse momento foi especial. Estava extremamente nervoso, mas felizmente o Benfica falhou o penálti anterior e isso retirou-me algum nervosismo», contou a sorrir.

Mas há mais, claro, e uma «uma das melhores foi num momento mau»: «Foi na final-four da UEFA Futsal Cup no MEO Arena, perdemos mas transformámos o pavilhão num estádio e o futsal de três mil adeptos em 12 mil. Mostrámos ao mundo, não só a modalidade, mas a grandeza do clube e dos nossos adeptos. No banco dei por mim a olhar para a bancada e… foi uma loucura tremenda, uma imagem incrível.»

E as más? «As lesões ainda que não tenha tido muitas, mas a última não me deixou jogar a final do campeonato… foi horrível», começou por contar, pormenorizando: «Foi péssimo, odeio estar lesionado. Não poder ajudar, não poder fazer nada… foi horrível. Antes do jogo estava super tranquilo e a passar boas energias, mas na bancada não me consegui conter e na Luz nem vi os jogos. Sofri muito. Pela minha família que estava a jogar e por ser o Sporting… os nervos apoderaram-se de mim. Um adepto sofre, mas eu além de adepto era um jogador que não podia ajudar.»

«Mas vencemos, felizmente, e no Pavilhão João Rocha», recordou, falando depois no momento mais amargo da carreira: «Foi triste e uma grande desilusão perder com o Inter por 7-0, mas o Inter mereceu porque o Sporting não jogou nada e não guardo mágoa desse jogo. Guardo da derrota em Almaty contra o Montesilvano, tínhamos tudo na mão e deixámo-nos levar porque achávamos que já estava. Perdemos e podíamos ter sido campeões. É, sem dúvida, até hoje, a derrota que me pesa mais.»

João Matos após vencer o Europeu 2018 em Ljubljana [Fonte: Instagram João Matos]

O Sporting deixou escapar esse título, um dos poucos que João Matos não tem. O Mundial pela seleção é outro, mas o futsalista não consegue escolher qual prefere: «É uma pergunta injusta, não posso optar por nenhum.»

«No último Mundial podíamos ter conseguido uma medalha, se não fosse o meu penálti, e na UEFA Futsal Cup ficámos três vezes em segundo, por isso sinto que estou perto. É injusto optar porque sinto que estou perto em ambos, mas se calhar no Sporting estamos ainda mais perto porque a competitividade reduz-se a menos equipas. São duas coisas que ambiciono e que desejo, e vou lutar por elas.»

Se ganhar alguma, faz a barba? «Já me vieram com a história do carrapito do cabelo e agora a barba? Se ganhar deixo-a ao critério dos adeptos, fazemos uma sondagem nas redes sociais (risos).»

Já o treinador Nuno Dias, que apareceu no final da entrevista, sabe bem o que fazer. «Dou-te uma grande tesourada», atirou.

[artigo originalmente publicado às 23h48 de 22 de novembro]