O Maisfutebol desafiou os treinadores portugueses que trabalham no estrangeiro, em vários pontos do planeta, a relatar as suas experiências para os nossos leitores. São as crónicas Made in Portugal:
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Leia a apresentação de Manuel Madureira
MANUEL MADUREIRA, DIABLES NOIRS (Rep. Congo)
«Caros amigos leitores,
Certo dia num jogo em Pointe Noire na República do Congo, um dos meus jogadores chegou com uma pomba branca. Atou-lhe um fio na pata direita, tendo uma reza escrita a carvão e moída num papel branco. A finalidade dele era pedir para ganhar o jogo e não se lesionar.
O jogador queria entrar em campo e lançar a pomba ao ar, para ela voar levando a mensagem presa a ela. De forma insólita, a pomba voou apenas 3/4 metros e pousou no relvado a cerca de 5/6 metros da linha lateral, no enfiamento do nosso banco de suplentes.
Ali se manteve por largos minutos, sem se movimentar.
As saudações e as movimentações normais dos últimos minutos que antecedem o jogo, aconteceram com naturalidade e, quando o árbitro se aprestava para começar o jogo, verificou que a pomba se mantinha no mesmo lugar.
Naturalmente, solicitou aos jogadores das duas equipas que se encontravam mais perto da pomba para a afugentarem ou a retirarem do local para começar o jogo. Ninguém acatou a solicitação do árbitro e nem mesmo ele se dignou a tomar a iniciativa de retirar a pomba daquele local.
Estivemos neste impasse durante três minutos.
Perante o cenário, levantei-me do banco de suplentes e esbocei uma ténue tentativa de retirada da pomba, prontamente anulada pelo meu staff de adjuntos.
Voltei a sentar-me no banco de suplentes e tentei vislumbrar o que se passaria a seguir. Fiquei incrédulo com o que assisti a seguir.
O secretáro geral do clube, antigo guarda-redes da minha equipa e ex-árbitro internacional, nascido em Brazzaville e por isso habituado a este tipo de cenários, levantou-se do banco e foi ligeirinho até junto da pomba, sem que esta alguma vez adivinhasse o que lhe iria acontecer.
Levantou o pé direito e desfez um violento golpe, colocando o seu pé direito sobre a pobrezinha da pomba, que ficou imediatamente esborrachada debaixo do sapato tamanho 48, pois este senhor tem 1,98 metros de altura.
Ora, o jogador que tinha levado a pomba entrou imediatamente em pânico. Cerca de dez minutos depois fui obrigado a substituí-lo lesionado no joelho, por causa de uma torção. Saiu desolado e a chorar baba e ranho.
No banco de suplente insurgiu-se contra o citado secretário geral, culpando-o da lesão por ter matado a pobre pomba branca.
Ganhámos por 1-0 no final do jogo e eles todos de mãos dadas agradeceram a Deus, com uma missa de apenas sete minutos, feita em parceria pelo Feiticeiro e por um padre Evangélico, que entretanto chegou no fim do jogo. Antes nunca tinha estado no nosso vestiário.
Eu aprendi que ser treinador de futebol em África, ou em outro qualquer lugar, passa em primeiro lugar por adaptação do treinador. Saber viver e ir vivendo na comunhão geral das ideias do líder do grupo.
Abraço a todos,
Manuel Madureira»