No Bessa desenvolve-se um central goleador com uma história que merece ser contada. Marcelão chegou esta época a Portugal e rapidamente deu nas vistas: cinco golos e duas assistências depois, afirma-se com um valor emergente.
Na força com que bate livres, traz as marcas de uma vida difícil. Aos onze anos, por exemplo, já cortava cana-de-acuçar de sol a sol. «A família era muito humilde, éramos sete irmãos e todos precisávamos de trabalhar», diz.
Ficha de Marcelão
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Plantel do Boavista
«Na roça ganhava-se muito pouco, mas sempre era mais algum para ajudar. Nos primeiros tempos ainda tentei estudar, mas não tinha forças. Depois de trabalhar 12 horas, não conseguia mais».
Por isso deixou de estudar ainda criança. «Adormecia nas salas de aula. A partir dos doze anos no Brasil pode assinar-se contrato e eu estive cinco anos com contrato assinado a trabalhar na roça. Fazia aquilo o dia todo».
Jogava descalço e calçou as primeiras chuteiras aos 17 anos
O trabalho árduo deixava-lhe pouco tempo livre. Por isso o futebol só apareceu na vida de Marcelão aos 17 anos. «Nunca tive formação. Só jogava aos fins-de-semana, com os amigos, no campo municipal da cidade».
Jogava a maior parte das vezes descalço. «A primeira vez que calcei umas chuteiras tinha 17 anos». Foi no Cerquilho, clube do interior de S. Paulo onde um dia se aventurou a fazer testes. Ele que era de uma cidade no Paraná.
«Nessa altura era avançado, sempre joguei como avançado», revela. «Mas o Toninho Oliveira, um antigo jogador, disse-me que era muito lento e que como avançado não ia longe no futebol. Então colocou-se a central num jogo-treino com o Mogi Mirim».
A sorte de Marcelão iria mudar nesse dia. «Quando jogava como avançado nem era titular da equipa. Fiz esse jogo como central, o Mogi Mirim gostou de mim e contratou-me logo na altura. Tinha 17 anos e quando fiz 18 assinei contrato profissional».
A vida feliz em Barcelona e o desejo de deixar o futebol logo a seguir
A vida de Marcelão deu contudo muitas voltas. Um acaso feliz fê-lo assinar por três anos com o Barcelona e jogar ao lado das maiores estrelas do futebol mundial, mas vários acasos infelizes fizeram-no também pensar em abandonar o futebol para sempre.
A primeira aconteceu precisamente no final do segundo ano no Mogi Mirim. Esteve seis meses e quando recuperou foi dispensado. Voltou para o Paraná e jurou nunca mais jogar futebol. A outra aconteceu quando regressou do Barcelona.
Tinha a promessa de jogar no Palmeiras, mas acabou no Rio Branco. «Vivi desanimado e quis voltar para as roças», frisa. «Não tinha vontade de me levantar cedo para ir treinar num clube da III Divisão. Mas os meus familiares não me deixaram desistir».
Andou então por Guarani, Marília e Vila Nova. Desenvolveu o talento para bater livres, marcou uma média de oito golos por época, despertou a cobiça do Leixões e acabou por assinar pelo Boavista.
A maré corre favorável. «Quando assinei com o Boavista disse à minha esposa que esta etapa era um trampolim», revela. «Quero jogar em clubes maiores e conquistar títulos. Quero ter uma carreira cheia».