Pela primeira vez na história dos Jogos Olímpicos o estatuto de refugiado vai ser acolhido de forma especial. Os refugiados que sejam atletas de alta competição exibindo as condições desportivas para estarem nas Olimpíadas vão ter esse direito. Os atletas refugiados vão competir sob o estandarte dos Jogos.

«Sem uma equipa nacional a que pertençam, sem uma bandeira atrás da qual marchem, sem um hino nacional que ouçam, estes atletas refugiados serão recebidos nos Jogos Olímpicos com a bandeira olímpica e com o hino olímpico», afirmou o presidente do Comité Olímpico Internacional, Thomas Bach.

O responsável alemão sublinhou que «isto será um símbolo de esperança para todos os refugiados no mundo e fará o mundo mais consciente da dimensão desta crise». Atualmente, há cerca de 20 milhões de refugiados no planeta tendo a situação ganho especial relevo na Europa, onde neste ano já terão entrado cerca de meio milhão dos migrantes que sobrevivem a uma viagem que, para muitos, termina com a morte antes de chegarem ao porto seguro.



As declarações de Bach foram feitas na sede da Organização das Nações Unidas no final do mês passado quando 180 dos 193 países membros aprovaram uma resolução para que seja respeitada a Trégua Olímpica nos próximos Jogos de Verão. Esta tradição da Grécia Clássica já recuperada em 1993 ganha neste presente reforçado significado.

Determinava o Oráculo de Delfos na Antiguidade que os Gregos deviam fazer uma competição desportiva de quatro em quatro anos cortando o ciclo de guerras com essa manifestação pacífica entre os vários povos. A Trégua Olímpica devia assegurar que todos pudessem aceder e participar nos Jogos em segurança garantindo-lhes essa paz desde sete dias antes das Olimpíadas até uma semana depois destas.

A resolução da ONU decretou, assim, o «respeito» pela da Trégua Olímpica dos Jogos de Verão: os Olímpicos a realizar entre 5 e 21 de agosto e os Paralímpicos a realizar entre 7 e 18 de setembro, no Rio de Janeiro, em 2016. A questão de chegar em segurança ao destino ainda é uma atualidade para os refugiados. E ainda não se sabe quem de entre estes é um atleta de nível olímpico. Por isso, o COI pede a ajuda à comunidade internacional para que eles sejam detetados.

Um dos propósitos gerais é «dar esperança aos refugiados pelo desporto» e o COI contribuirá com 1,8 milhões de euros para programas de apoio promovidos pelos Comités Olímpicos Nacionais (CON). O objetivo mais concreto é «ajudar os atletas de alta competição refugiados a manterem as suas carreiras desportivas», como frisou Bach: «Ajudamo-los a concretizarem o seu sonho de excelência desportiva mesmo quando fugiram da violência e da fome.»



«No presente, nenhum destes atletas teria uma hipótese de participar nos Jogos Olímpicos mesmo que estivesse qualificado do ponto de vista desportivo porque, com o seu estatuto de refugiado, ficam sem um país de origem e um Comité Olímpico Nacional que representem», afirmou Bach. Mas, sob a bandeira olímpica, «os mais qualificados dos refugiados [que são] atletas» terão «uma casa comum na Aldeia Olímpica com todos os outros onze mil atletas dos 206 Comités Olímpicos Nacionais».

Thomas Bach destacou que «os Jogos Olímpicos são o momento em que os valores da tolerância, solidariedade e paz são ressuscitados» e que «esta é a altura em que a comunidade internacional se junta para a competição pacífica».

Esta será a quinta vez na história dos Jogos em que haverá uma delegação de Atletas Olímpicos Independentes (AOI): três nos de Verão e uma nos de Inverno. Em 1992, a guerra na então ex-Jugoslávia deixou sérvios, montenegrinos e macedónios sem representação de um CON. Do total de 58 AOI, resultaram três medalhas (uma de prata e duas de bronze) nos Jogos Olímpicos. Os Jogos Paralímpicos de Barcelona tiveram 16 participantes independentes (API), que ganharam oito medalhas.

Em 2000, quatro timorenses foram como Independentes enquanto Timor Leste fazia a transição para a Independência; em Sydney 2000 foram dois os API. Os últimos Jogos de Verão (Londres 2012) acolheram três AOI na sequência da dissolução das Antilhas Holandesas e um atleta do então recém-formado Sudão do Sul. Nos Jogos de Inverno (Sochi 2014), as participações sob o estandarte Olímpico aconteceram com três atletas indianos devido à suspensão temporária do Comité Olímpico do seu país (por causa do processo eleitoral).



A possibilidade de competir nos Jogos sob o estandarte Olímpico não vai abranger, porém, as questões relacionadas com o doping – centrando aqui a atenção na suspensão provisória da Federação de Atletismo da Rússia, decretada há uma semana pela federação internacional (IAAF) depois da revelação do escândalo pela Agência Mundial Antidoping (WADA). Aquela possibilidade foi levantada a seguir suspensão.

Yelena Isibayeva é a maior saltadora com vara de todos os tempos e uma das referências de todos o desporto da Rússia; não apenas do atletismo. A saltadora russa bicampeã olímpica (ganhou o ouro em 2004 e 2008 – teve o bronze em 2012) reagiu dizendo que «toda a seleção, toda a federação não deviam ser suspensas por erros de uma dúzia de pessoas».

Tendo feito um intervalo na competição em 2013 para ser mãe, Isinbayeva regressou em 2015 com os objetivos no máximo, quer de conseguir a terceira medalha de ouro olímpica, quer mesmo de superar o seu recorde mundial do salto com vara (que é de 5.06 metros). A suspensão da Rússia deixou-a «chocada» pela «cura injustiça» da decisão.

Nestas declarações à «RT», a saltadora russa manteve a esperança de que os atletas russos limpos possam competir «sob a sua bandeira do seu próprio país com o hino do seu país a fazer-lhes honra». Mas o seu treinador, Yevgeny Trofimov, no dia seguinte à suspensão já tinha aberto a possibilidade dos AOI, como foi referido no «The Telegraph»: «É muito importante que a Yelena compita no Brasil para provar a sua inocência, para provar que nós somos limpos e para provar que o desporto russo é limpo.»



«[Dick] Pound [o diretor da WADA] disse que era uma pena que eu fosse vítima do sistema. Mas eu não sou uma vítima do sistema. Eu estou do lado de fora dele», afirmou Isinbayeva citada pelo «The Times of India». O COI mantém-se, no entanto, inamovível em contornar as questões relacionadas com o doping sendo intransigente quanto à separação das partes do todo.

«O objetivo importante não é trazê-los de volta. O objetivo tem de ser a Rússia comprometer-se de novo com todos os regulamentos internacionais antidoping. Isso é que é o importante, para que tenhamos um campo de igualdade para todos os atletas», afirmou Thomas Bach à AP: «A questão é de compromisso. Se a Federação de Atletismo da Rússia não estiver comprometida e se os atletas não podem entrar em qualquer tipo de qualificações [para as Olimpíadas], então, a situação é clara: quem não pode qualificar-se não pode participar nos Jogos.»

Como se tem visto nos últimos tempos, quem se mostra determinado em curar o desporto das doenças que o deixaram ferido na sua credibilidade não está disposto a ceder um milímetros na erradicação dos males. O halterofilismo da Bulgária sentiu isso mesmo ainda na sexta-feira com a exclusão dos Jogos Olímpicos.