Faleceu Pedro Rocha, e Portugal só recorda o treinador do Sporting. O uruguaio foi muito mais do que isso, porém: foi sobretudo um grande jogador, e é assim que o mundo se lembra dele.

Um crónico camisola 10, que cruzava a passada larga com uma elegância difícil de encontrar.

Nasceu em Salto, uma cidade a duzentos quilómetros do Brasil: filho precisamente de pai brasileiro e de mãe uruguaia, herdou o nome bem português do progenitor.

Escolheu ser uruguaio, mas nunca virou as costas ao Brasil. Morreu na madrugada de terça-feira no Brasil, precisamente: no bairro de Morumbi, onde tinha lar paredes meias com o lar do São Paulo.

Disputou 390 jogos e marcou 119 golos com a camisola do tricolor paulista, ao longo de sete épocas: entre 71 e 77. Partilhou o balneário com o guarda-redes Valdir Peres, internacional brasileiro em três mundiais (74, 78 e 82), que ao Maisfutebol recorda «um craque».

«Joguei com ele entre 73 e 77 no São Paulo e éramos amigos. Era muito fácil ser amigo do Pedro Rocha, ele era um cavalheiro. Nunca o vi xingar ninguém, por exemplo.»



Quando chegou ao São Paulo, de resto, Pedro Rocha já era um craque de créditos firmados. «Já tinha sido eleito o terceiro melhor jogador do Mundial de 1970», esclarece Valdir Peres.

O uruguaio esteve aliás em quatro campeonatos do mundo, o que na altura era inédito para um jogador do país e muito pouco comum a nível mundial. Fez parte da seleção que foi quarta classificada em 70, o mundial que o colocou no topo da pirâmide do futebol.

Fernando Mendes, o antigo lateral esquerdo do Sporting, foi orientado por ele em Alvalade e conta que era essa referência que tinha dele. «Nunca o tinha visto jogar, mas sabia que tinha sido um grande jogador e conhecia o nome dele por ter sido um grande dos Mundiais», conta.

Antes de emigrar para o Brasil, venceu oito títulos nacionais pelo Peñarol, mais três Taças dos Libertadores e duas Intercontinentais, uma (em 61) sobre o Benfica.

No Brasil venceu um campeonato brasileiro e dois paulistas pelo São Paulo, mais um campeonato pernambucano pelo Coritiba.

«Era um craque, um craque», descreve Valdir Peres. «Era um médio ofensivo, jogava com a 10 e fazia dupla com Muricy Ramalho. Era um jogador elegante, tecnicista, forte fisicamente e que batia muito bem bolas paradas. Tornou-se ídolo dos adeptos do São Paulo, e de todo o Brasil.»



Foi o melhor marcador do Brasil em 72, foi eleito para o onze ideal do campeonato, jogou ainda no Palmeiras, no Coritiba e no Bangú, até pendurar as botas no início dos anos 80 na Arábia Saudita.

Inspirou uma geração de brasileiros e recolheu de Pelé o maior dos elogios: o Rei chegou a dizer que Pedro Rocha era um dos cinco melhores jogadores do mundo.

Encerrou a carreira de jogador e abriu a de treinador, que nunca teve o mesmo fulgor: nem de perto. Orientou clubes pequenos no brasil, até saltar para o Coritiba, Guarani, Mogi Mirim e finalmente a Portuguesa. Do clube paulista saltou para o Sporting.

Chegou a Alvalade no início da época 88/89, contratado pelo recém eleito e polémico Jorge Gonçalves. O presidente que contratava craques e não lhes pagava queria o regresso de Manuel José, mas um abaixo-assinado com mais de seis mil assinaturas inviabilizou essa opção.

Por isso veio um nome sonante: Pedro Rocha. Com ele chegaram os cinco craques que Jorge Gonçalves prometera: o uruguaio Rodolfo Rodriguez, os brasileiros Ricardo Rocha, Douglas e Silas, e o sueco Eskilsson.

«Eram as unhas do leão de Jorge Gonçalves», sorri Fernando Mendes: o presidente prometera cinco unhas bem afiadas para o leão, Pedro Rocha tinha a missão de as orientar em campo.

«Tínhamos uma grande equipa e até jogávmaos muito à bola. Mas foi uma altura complicada. O Pedro Rocha teve o azar de chegar numa altura difícil, em que havia muitas polémicas no clube.»

Fernando Mendes recorda de resto «um homem tranquilo». «Provavelmente o treinador com mais bom trato e mais cavalheiro que encontrei na vida. Era um bom treinador, tentava tranquilizar o grupo e afastá-lo de todos os problemas no clube, mas não era fácil.»



Saiu passado poucos meses, para Jorge Gonçalves contratar por fim Manuel José. «Condenaram-me para Manuel José regressar como o messias», referiu à partida.

No ano seguinte esteve no V. Guimarães, mas também não completou sequer uma época.

Voltou ao Brasil, onde ainda orientou o Internacional e o Ponte Preta, antes de encerrar a carreira em 2000 no modesto XV de Piracicaba. Faleceu ontem de madrugada, e para a eternidade deixou a imagem de um homem elegante e de um jogador talentoso.

Deixou também uma eterna saudade em milhares de adeptos que inspirou ao longo dos anos.