«Nunca pensei que fosse dar treinador de coisa nenhuma», diz Joel Rocha. Se a ideia nunca lhe passou pela cabeça na adolescência, o final da licenciatura não lhe iria mostrar outro caminho que não esse.
Com apenas 34 anos já conquistou todos os títulos nacionais de futsal e em 2016 terá a oportunidade de vencer a «Liga dos Campeões» da modalidade.

Começou nos bancos de suplente em 2003 como treinador de futebol de 11, em Castelo Branco, quando estava no último ano da licenciatura (que completaria em Educação Física e Desporto), e não esconde que passou para o cargo de «mister» porque não tinha qualidades para jogar futebol: «A aptidão para jogar nunca se cruzou comigo, ela e eu fomos sempre paralelos como a linha do comboio, nunca nos cruzamos.»

Jogou futebol de 11 dos oito aos 18 anos e apesar de quase só treinar refere que isso foi importante para o enriquecimento de conhecimentos e que foi a sua persistência que o fez arranjar forma de triunfar.

Mais tarde passou para o futsal, desporto do qual pouco sabia quando começou: «Ai é cinco contra contra dentro de um pavilhão? Ah, ok».

Joel Rocha explica como tudo foi acontecendo na sua carreira sem fazer grandes planos, fala sobre as trocas entre o AD Estação e o AD Fundão e as épocas no clube beirão, em especial a última temporada, na qual venceu a Taça de Portugal ao Benfica e foi à final com o Sporting. Comenta ainda a mudança para a Luz no verão de 2014.

Quando é que treina alguém pela primeira vez?
«A primeira vez que treinei alguém foi uma equipa de juvenis, em Castelo Branco, aquando do meu último ano de licenciatura: a Associação da Cultural e Desportiva da Carapalha, que na altura treinava duas vezes por semana. Começou por aí em jeito de brincadeira e começou de uma forma muito simples: eu era o menos habilitado para jogar! Joguei futebol alguns anos, fazia parte dos plantéis e a aptidão para jogar nunca se cruzou comigo, ela e eu fomos sempre paralelos como a linha do comboio, nunca nos cruzamos. Mesmo naqueles anos e plantéis onde não jogava, sempre fui persistente e nunca desisti. Por não jogar eu não deixei de ir ao treino, de me interessar. Ia para o banco e muitas das vezes era o quarto suplente, entravam três e eu era o que ia entrar a seguir, mas como já tinham sido as três alterações…»

E como surge o futsal na sua carreira?
«Em 2003/04 acumulava a Carapalha com uma equipa da Escola Superior de Comunicação, num convite que surgiu por um professor . Eu não sabia para o que ia. Sabia lá o que era o futsal: «Ai é cinco contra cinco dentro de um pavilhão? Ah, ok». Depois pensei: «Se há que fazer uma coisa há que a fazer bem feita.» E só há uma maneira de fazer as coisas bem feitas, é haver dedicação, haver preocupação, haver uma constante exigência da minha parte para amanhã fazer mais e melhor que hoje. Essa é uma característica que eu sempre tive mesmo a nível de trabalhos curriculares ou de estágios. O meu plano de aula de amanhã tinha de ser ainda melhor do que o plano de aula de hoje. Hoje tinha ficado satisfeito aqui e acolá mas o de amanhã tinha de ser melhor, nem que o orientador dissesse :«Oh Joel, isto está bom». Eu pensava: «Ok, isto está bom mas pode ser melhor, vamos à procura de fazer alguma coisa diferente para melhor». Depois comecei nesse ano no futsal, termino a licenciatura e regresso à Covilhã. Nesse ano ingresso na AD Estação, onde tinha jogado futebol, como co-coordenador do futebol de formação, e ingressei no futebol 7, treinando uma equipa de infantis na altura.»

Na mesma época viria a acumular responsabilidades na equipa de juniores, acabaria a treinar a equipa de juvenis de futebol de 11 que seria campeã e integrou o gabinete técnico das seleções distritais de Futsal da AF Castelo Branco. É a partir daqui que se dedica por absoluto ao Futsal?
«Aceitei obviamente o convite [para o gabinete técnico] numa perspetiva de enriquecer a minha área de competência, independentemente de ser futebol 11, futebol de 7 ou futsal. O que eu queria e continuo a querer é enriquecer a minha área de competência para aumentar a minhas valências. No final de 2004/2005, já ligado ao futebol 7 e ao futebol de 11 e ligado ao gabinete técnico, o professor Zé Luís convida-me para na época 2005/06 ir trabalhar com ele para a AD Fundão e ser adjunto dele, na altura da segunda divisão, com a ambição de levarmos o clube à primeira divisão de futsal. Foi difícil ser aceite e entendido pela AD Estação e a justificação que eu dei é aquela que ainda hoje dou: aquilo que eu queria era aumentar o meu nível de conhecimento e capacidade e melhorar aquilo que seriam as minhas valências ao nível do treino. Nessa época subimos à primeira divisão e durante quatro anos fui adjunto da equipa sénior, acumulei com escalão de juniores e a dada altura de juvenis e séniores femininos.»


Mas depois ainda regressa novamente à AD Estação?
«Ao fim desses quatro anos, por incumprimento do clube no subsídio acordado comigo, eu deixei a AD Fundão e regressei à AD Estação. Treinei nesse ano a equipa sénior feminina e fui coordenador do clube juntamente com outra pessoa. No final dessa época, de 2009/2010, o professor Zé Luís é convidado pela Federação Portuguesa de Futebol para ingressar na equipa técnica da seleção nacional, a AD Fundão vê-se sem treinador, aborda-me e eu aceito o convite e volto como treinador principal. Depois o percurso é mais visível e mediático…mas as coisas aconteceram tal como eu me identifico no dia de hoje: sem pensar muito no dia de amanhã, a investir tudo que é da minha responsabilidade no dia de hoje.

Essa é uma das suas filosofias que segue? Não faz grandes planos sobre o futuro?
«O meu objetivo mais distante é o dia de amanhã, o meu e o dos que comigo trabalham, não consigo pensar mais do que isso. Hoje quando chegar a casa tenho que chegar com o sentimento que tudo fiz. Que não deixei nada para fazer nem nada por dizer e amanhã é como se o dia começasse do zero. Quero que no final do dia, tudo tenha feito e dito na minha área de intervenção àqueles que comigo trabalham, para que a gente consiga fazer melhor aquilo que já fazemos bem feito, sem grandes perspetivas de uma semana, um mês… Pensar em ser campeão? Eu não penso em nada disso, não penso. Não penso porque estou preocupado com o dia de hoje, com o exercício, com o treino, com a preparação, o resto há de ser consequência. Agora que invisto muito de mim, dos meus dias, das minhas horas, dos meus minutos nessas particularidades, pormenores e detalhes, claro que sim. Felizmente o percurso tem sido interessante, mas como digo, tenho a felicidade de ter tido sempre comigo gente e grupos de trabalhos que me possibilitaram hoje estar no Benfica.»

E o facto de nas últimas duas épocas na AD Fundão ter disputado títulos e ter mesmo ganho uma Taça de Portugal com um clube que não é candidato a vencer, foi uma etapa importante para estar preparado para um clube da dimensão do Benfica?
«Eu não sei o que é isso de estar preparado para. Honestamente não sei qual é o sinal ou o indicador que diz: A está preparado para, B não está preparado para. Muito honestamente não sei qualificar ou quantificar o momento ou o tempo de «aquele está preparado» e «este não está preparado». A verdade é que, mais uma vez com ajuda de todas as pessoas envolvidas e com os jogadores dos plantéis da AD Fundão, conseguimos criar uma identidade tal, quer no grupo quer no clube, que depois o clube fez transparecer e contagiar uma cidade e uma região inteira, que acabou por contagiar Portugal. Essa identidade e essa forma muito especial de treinar, de competir e de termos uma ambição constantemente consciente e nunca desmedida, originou esse tipo de resultados.»

Volta a falar em identidade, que já tinha dito ser o maior trunfo do seu plantel no Benfica.
«
Quando a AD Fundão conquista a Taça de Portugal, em Oliveira de Azeméis, contra o Benfica no treino seguinte à conquista, o mais natural seria treinarmos com balões, confetis e com papelinhos no ar. E o normal também seria que nessa época uma equipa como a AD Fundão, depois de ter alcançado um resultado de excelência após eliminar na altura o Sporting, em sua casa, em Loures, e depois de conquistar a Taça ao Benfica, deslumbrar-se. O que para mim define identidade é o pós essa conquista. Quando o mais lógico e o mais natural seria níveis de deslumbramento e distração quase irracionais, a AD Fundão consegue fazer um trajeto chegando à final do campeonato, eliminando Leões de Porto Salvo, em dois jogos, e Benfica novamente em dois jogos, chegando à final. Isso para mim é que traduz o que é identidade, mais do que palavras ou conceitos. É aquilo que se consegue através dos desempenhos e dos resultados, e isso para mim é uma das maiores provas de identidade: uma equipa que não está habituada a ganhar, com jogadores que não estão habituados a ganhar, com um treinador que não está habituado a ganhar neste tipo de contexto, ter alcançado aquele resultado e manter-se fiel a si própria e igual a si própria na forma de estar, na forma de ser, na forma de treinar, na forma de jogar. Não mudamos absolutamente nada! Continuamos o nosso caminho e fomos por aí fora até à final do campeonato, onde fomos derrotados no jogo quatro.»



Como é a sua liderança dentro do balneário?
«Toda gente está envolvida no processo, sabendo cada um a sua área de competência e responsabilidade. Se muita gente nesta estrutura tem espaço para emitir a sua opinião e a sua sensibilidade, esse espaço depois é gerido por mim, onde a decisão final será sempre minha, a melhor ou a pior, eu cá estarei para lhe responder sobre ela. A sensibilidade é passada para o plantel e recolhida do plantel. Entre as opiniões que são partilhadas por nós e as sensações que partilhamos entre nós diariamente, que são muitas, o mais importante não é que cada um partilhe a sua opinião, mas que depois haja a decisão. E esse momento, para que toda a gente fique como se costuma dizer, «a falar o mesmo ao mesmo tempo», é da minha responsabilidade. E felizmente tenho acertado mais vezes do que errado.»

Quem vê os jogos do Benfica vê um Joel Rocha muito interventivo e emotivo na «quadra». Essa forma de viver as partidas reflete-se nos jogadores?
«Mais do que emotivo, os jogadores sabem e sentem que quem está ali, está com eles, confia neles e sabe que eles vão dar o melhor pelo Benfica, em função de uma ideia comum. Eles sabem que eu confio neles e que a confiança não advém só de palavras, não advém de eu dizer «eu acredito em ti». A confiança vem do trabalho que se faz diariamente, das partilhas que se tem e daquilo que são os comportamento coletivos. Depois vêm por arrasto as grandes capacidades individuais que os meus jogadores têm. Quer dizer, tenho um plantel que ao nível da qualidade individual e de desempenho ao nível do jogo é de excelência, não há meio-termo. Depois transformar isso para que todos se dediquem e se esforcem em função de uma ideia coletiva, que é o que acontece, deixa-me orgulhoso, privilegiado e extremamente confiante que durante o jogo, independentemente daquilo que estiver no marcador, nós andaremos sempre à procura das soluções, a pensar em «nós» e não no «eu». Só eu sei a forma como eles se dedicam e trabalham, sei que seja qual for o resultado final, estaremos sempre mais perto do que queremos, devido à forma como trabalhamos, ao carácter deles, à qualidade e à perseverança deles, à ambição racional e humilde deles, em que eu confio. Daí advém um comportamento meu que muitas das vezes também é de extrema serenidade e parece que estou apenas a ver o jogo.»

Ter chegado ao Benfica foi, até agora, o maior passo da sua carreira, num clube em tudo diferente dos anteriores. Surpreendeu-o que encontrou na Luz?
«O Benfica é um clube eclético, um dos maiores clubes do mundo. Portugal tem 10 ou 12 milhões de habitantes, mas o Benfica expande-se muito mais do que pelo nosso Portugal. Eu nasci e cresci a ver o Benfica do lado de fora, depois a dada altura a conhecer o Benfica como adversário, no mesmo escalão competitivo, e antes de entrar por esta porta dentro, todos nós reconhecemos a sua grandeza. Depois quando entramos, o que queremos é que essa grandeza institucional e cultural se traduza também naquilo que é o enriquecimento da sua história e o enriquecimento do Museu Cosme Damião, com a conquista de troféus. Jamais alguém pode ficar surpreendido com esta estrutura, o que é de surpreender é quando esta estrutura, quando este clube, esta instituição, não consegue traduzir a sua grandeza com resultados. Aquilo que acabou por acontecer felizmente e tem acontecido é que nós temos associado a grandeza do clube à sua história, numa secção ímpar no mundo do futsal. O Benfica na sua secção do futsal tem uma história muito própria, que poucos clubes na Europa e no mundo têm. O que nós queremos é continuar a respeitar essa história.»