A secção de futsal profissional do Benfica existe desde 2001 e nestes 15 anos de presença no campeonato nacional e, por entre muitos títulos conquistados, há apenas uma época que é ímpar na sua história: a temporada de 2013/14.

O motivo é simples. Essa foi a única época em que o clube da Luz não alcançou a final do campeonato, sendo eliminada pela Associação Desportiva do Fundão nas meias-finais, em pleno pavilhão da Luz. Para além desta eliminação, o mesmo conjunto beirão já tinha surpreendido o Benfica, na altura comandado por João Freitas Pinto, na final da Taça de Portugal, conquistando um título inédito na sua história.

Um dos maiores responsáveis por estes desaires das «águias» foi Joel Rocha, o treinador da AD Fundão, que no fim dessa época rumou à Luz com o objetivo de fazer o Benfica voltar aos títulos.

A aposta não podia ser mais certeira, já que o treinador conquistou campeonato e Taça de Portugal na primeira época e abriu a segunda temporada a vencer a Supertaça. Em novembro, e na sua época de estreia na Europa, apurou a equipa para a final-four da UEFA Futsal Cup, na qual o Benfica não marcava presença desde 2011.

Para além das conquistas, em 2014/15, Joel Rocha registou números impressionantes já que igualou a melhor pontuação de sempre do Benfica na fase regular (foi 1º classificado com 23 vitórias e três empates) e fez da defesa encarnada a menos batida de sempre no historial da competição (35 tentos sofridos).

Terminaria o playoff vencendo a final contra o Sporting em quatro jogos, registando aí a única derrota nacional de águia ao peito, já no prolongamento.

Neste início de 2015/16 mantém o registo invencível, somando apenas um empate em competições nacionais, e na Europa perdeu um único jogo, que não impediu a passagem à final-four. O Maisfutebol foi falar com o treinador que fez o Benfica regressar às vitórias no campeonato e que pode fazer os encarnados regressar ao topo europeu em 2016.

Estes registos de invencibilidade que se traduziram em títulos e recordes batidos fazem do Joel Rocha um treinador especial?
«Especial? Pffff....Sou treinador do Benfica. Até me custa às vezes associar isso a mim próprio. Nunca pensei que fosse dar treinador de coisa nenhuma, quanto mais treinador de futsal de 1ª divisão e ainda para mais treinador de futsal do Benfica em todo este contexto. Sinto-me alguém que desempenha uma função de forma muito apaixonada e que está numa posição que deve contribuir para melhorar o rendimento de quem comigo trabalha: jogadores colaboradores, equipa técnica, staff, secção, clube… Depois, felizmente tenho estado rodeado das pessoas certas porque no meu percurso até hoje não me lembro de ter feito uma defesa ou ter feito um golo.»

No dia em que chegou não prometeu títulos, prometeu dar tudo pelo clube. Como é que se consegue construir uma equipa que teve sucessos tão imediatos?
«Foi uma adaptação comum de ambas as partes. Eu tive que conhecer a casa, adaptar-me à casa e às pessoas e igualmente a casa e as pessoas tiveram de se adaptar a mim. Parece-me que o resultado foi, está a ser e queremos que continue a ser, extremamente positivo porque todas as pessoas envolvidas têm demonstrado um compromisso notável e uma preocupação comum que é o Benfica, que é muito mais importante e mais forte quando todos pensamos no mesmo. Uma das nossas regras de vida coletiva, extremamente bem vincada, é que nenhum de nós é bom o suficiente como todos nós juntos e não há ego maior que o ego do Benfica! O ego do Benfica e da instituição em si «abafa» tudo o que são egos individuais. Isso é uma prova de carácter de todos os que estão incluídos neste projeto. Todos nós pensamos em dar o melhor pelo clube e depois parece-me que temos as pessoas certas no sítio certo e que essas pessoas certas que estão no sítio certo, têm elevados níveis de competência, que depois se traduzem em bom rendimentos.»

Mas esperava logo na primeira época ter tido tanto sucesso?
«Isto são cinco contra cinco e todos procuramos o mesmo. Todos procuramos o melhor resultado possível, a vitória e o sucesso, e nunca ninguém, à partida de uma etapa deste género, se pode imaginar no papel de vencedor ou no papel de derrotado. Aquilo que nós fizemos, quando esta equipa técnica chegou ao Benfica, foi ter uma preocupação muito grande com aquilo que são as nossas áreas de controlo e domínio: o treino, a preparação e tudo aquilo que envolve a secção de futsal. E depois investir muito naquilo que é, e hoje podemos dizer com toda a certeza, uma identidade muito bem vincada daquilo que é a sua equipa de futsal. Depois, se isso nos vai dar a consequência que mais pretendemos, que são as vitórias, no final do jogo veremos. O que nós sabemos, sentimos e confiamos muito é que da forma como trabalhamos, como treinamos, como nos preparamos, mesmo não ganhando estamos mais perto de o conseguir.»



Essa identidade de que fala é o maior trunfo do seu plantel?
«É, sem sombra de duvida. Se tivesse que escolher uma ou duas palavras para nos definir essa seria a primeira, a nossa identidade coletiva, muito sustentada com níveis de compromisso totalmente assinaláveis com gente que envolve a estrutura dos quais eu, como costumo dizer, só tenho de colocar as peças certas no sítio certo. Felizmente as consequências tem sido muito positivas ao nível dos resultados e isso só me pode deixar extremamente feliz, orgulhoso e sentir-me um privilegiado por poder estar envolvido também numa estrutura onde mais do que o «eu» é o «nós», tal como diz o símbolo do nosso clube, traduzindo o latim para o português: «de todos um». Esse um é o Benfica.»

Quando chegou ao Benfica procurou definir também uma identidade para fazer a equipa voltar às vitórias?
«Uma das provas de identidade que podemos ter é que já aqui no Benfica com o percurso que fizemos a época passada, com a entrada nesta época com a conquista da Supertaça, o normal também seria que no final da primeira volta, ou na UEFA Futsal Cup ou no campeonato, uma distração no percurso pudesse ter acontecido. O que para mim reflete uma identidade cada vez mais vincada e onde nós cada vez mais nos agarramos, porque acreditamos muito naquilo que fazemos, é que o Benfica chega a esta fase com um registo, se não estou enganado, inigualável em termos de resultado. Quer no campeonato, quer na UEFA Futsal Cup, o Benfica tem no final da primeira volta um empate e uma derrota europeia mas com um acesso a uma final-four. Isto para mim é identidade, depois se nós ganhamos ou não, não lhe sei dizer. Que nós trabalhamos muito para isso, sim! Mas o nosso foco não está no resultado, está nesse investimento muito grande da nossa identidade, porque isso é que vai manter a equipa estável e equilibrada nos momentos difíceis e vai manter a equipa preparada para a dois segundos do fim fazer um golo importante [referência ao golo que deu o apuramento para a final-four]. E já não é a primeira vez que acontece e não acredito que tenha sido a última. Aquilo que aconteceu não caiu do céu, foi procurado.»

E por falar em final-four, o Benfica pode voltar a ser campeão europeu esta época, tal como em 2010, quando tinha nas suas fileiras Ricardinho. Esta equipa vive mais do coletivo do que de uma estrela?
«Não há equipas que se possam comparar. 2010 nada tem a ver com 2015. A época passada muito tem de parecido com esta época, mas o que tem de parecido com esta época tem a ver com a manutenção da identidade e não com aquilo que é a génese do plantel, porque até os plantéis são diferentes. Portanto à partida rejeito qualquer tipo de comparação coletiva ou individual. Posso é falar sobre a presente época, na qual o Benfica está envolvido, neste caso na final-four da UEFA Futsal Cup. Mas muito mais importante do que essa prova é aquilo que nós temos que conseguir fazer bem feito até lá. Há muito mais antes dessa prova e haverá muito mais depois dessa prova. Essa competição vai ser encarada pelo Benfica como a Taça da Liga desta época, como a Taça de Portugal, como o playoff e como cada jornada vai ser encarada como um momento competitivo de excelência onde o Benfica vai querer ser competente, de forma a estar preparado para conseguir estar mais perto dos seus objetivos. As palavras-chave para essa competição são respeitar a nossa história e ter ambição de fazer as coisas bem feitas. Isso já dá muito trabalho, depois o resto serão sempre consequências. Quando falamos da questão europeia, a resposta é: respeitar o que o Benfica tem conquistado na sua história, mantendo sempre os nossos níveis de ambição tão elevados como a história assim nos obriga.»



Pensa que este seu Benfica é mais pragmático do que espetacular e que essa forma de estar em campo aproxima a sua equipa da vitória?
«Nós estaremos sempre mais perto de chegar às vitorias e aos títulos marcando mais do que sofrendo. O que nós sabemos, e é nisso que investimos muito, é que a questão do número marcado e sofrido de golos, será sempre consequência do nosso trabalho. Essas tarefas, ações e desempenhos dentro do jogo são consequência do que fazemos durante a semana. Ou seja, fazendo o processo inverso, se começarmos a conversa no resultado, a conversa vai terminar na ação mais pequena de cada um à segunda-feira, e por isso eu começo sempre com a ação mais simples de segunda-feira. É aí que começa aquilo que nós queremos que se traduza em sucesso no final da semana e é aí que investimos muito, é no dia-a-dia, na partilha de sensações, na identidade, na forma de estar, na forma de treinar e na forma de competir com regras coletivas extremamente bem definidas, iguais e comuns a todos que envolvem a estrutura. Isto é quase como o nosso sangue, o sangue que eu tenho dentro de mim tenho desde que nasci, na Covilhã. Tive um trajeto pessoal, social, académico e desportivo e chego ao Benfica com o mesmo sangue com o qual nasci. Esse sangue é a minha identidade, é o meu ADN, é a minha forma de estar e ser, que não muda, pelo menos eu não quero que mude. A mesma coisa eu quero ver refletido no meu plantel, na minha secção. Nós competimos em função de uma ideia comum, depois se competimos na UEFA Futsal Cup, ou competimos na Taça de Honra ou no campeonato... Se mais pragmáticos aqui, mais diretos ali, mais elaborados acolá, a nossa identidade está lá sempre, sempre. Depois adaptamos em função das necessidades, do adversário.»

Ao serviço do Benfica, realizou sete jogos com o Sporting tem um registo assinalável de 6 vitórias e apenas uma derrota, já no prolongamento, ao qual se acrescenta a conquista do título em pleno pavilhão do rival. Como analisa estes registos?
«O Benfica tem 13 adversários, não vou particularizar nada sobre nenhum deles. O Benfica tem no campeonato 13 adversários, há de ter mais alguns distintos no sorteio da Taça de Portugal e já teve seis adversários na UEFA Futsal Cup e vai ter mais dois de certeza absoluta. Não vou particularizar nenhum deles porque somos desportivamente egoístas para o fazer.»

Renovou recentemente até 2019 quando faltavam seis meses para finalizar contrato. O timing da renovação permite-lhe abordar o que falta da época com mais tranquilidade?
«A renovação nesta data traduz muito mais do que essa expressão de «tranquilidade». Traduz o sentimento de confiança num determinado tipo de perfil, que o Benfica deposita em mim novamente para continuar a liderar os destinos do futsal, independentemente dos resultados que irão advir nos próximos seis meses. Isso é o principal aspeto a retirar dessa renovação: uma partilha de confiança numa liderança que pressupõe que os resultados são consequência daquilo que é feito no dia a dia e obviamente que é uma renovação que me deixa extremamente feliz, orgulhoso e muito honrado pela confiança depositada.»