Chama-se Daniele Bellini e é a voz do Nápoles há década e meia. Tem, aliás, a alcunha de Decibel, exatamente pela energia que consegue colocar na forma como grita. O Sports Bible já lhe chamou até a melhor voz do futebol e no sul de Itália é verdadeiramente um fenómeno.
Nos últimos dez dias, porém, Daniele Bellini converteu-se em mais do que apenas o speaker.
O italiano de 42 anos, casado e pai de dois filhos, é há cerca de dez dias o símbolo da paixão pelo Nápoles. Tudo começou quando desabou num choro compulsivo após anunciar o onze titular para o jogo do título: as imagens correram mundo e Daniele tornou-se viral.
O Estádio Diego Armando Maradona estava cheio como um ovo.
O Nápoles ia receber o Salernitana, de Paulo Sousa, e precisava apenas de uma vitória para soltar o grito preso há mais de três décadas na garganta. Ninguém colocava outra hipótese. Por isso quando pegou no microfone, Daniele Bellini deixou os 60 mil adeptos com pele de galinha.
«Hoje somos todos um só coração. Fotografem este momento das nossas vidas, pensem naqueles que já não estão connosco. Hoje estamos todos unidos na felicidade e na emoção, todos juntos tornámos possível este resultado. Hoje, aqui e para sempre, entraremos todos na história. Um só coração azul pronto a gritar: sempre, força Nápoles.»
Levado pelo sentimento, o speaker gritou depois, e como nunca, o nome dos jogadores. Quando terminou, percebeu-se que a voz já lhe falava por entre tanta emoção. Foi então que a jornalista da DAZN lhe perguntou o que estava a viver naquele momento.
«É uma coisa que... não sei. Estou a falar consigo e estou a tremer. Tantos anos de estádio, de jogos à chuva, ao frio, não sei. É um momento único. Estou emocionado.»
Daniele Bellini desfez-se então num choro compulsivo e foi inclusivamente confortado por Christian Maggio, acabando a chorar no ombro do antigo capitão. As imagens, divulgadas em direto pela transmissão do jogo, correram mundo e tornaram o speaker um símbolo do Nápoles.
Mas quem é afinal Daniele Bellini?
«Sou adepto do Nápoles desde que me conheço. Nasci em Nápoles e quando era criança jogavam no clube o Maradona, o Careca, o Alemão e todos esses jogadores fantásticos, que ganharam o Scudetto duas vezes. Na primeira eu tinha seis anos e na segunda tinha oito», conta.
«Viver uma coisa daquelas na infância foi incrível. Foi muito, muito importante para a minha vida. Por isso cresci com esta paixão pelo Nápoles.»
DJ e produtor musical, Daniele Bellini é também um artista que dá frequentemente espetáculos e locutor numa das rádios de maior audiência em Itália. Licenciado em Comunicação Social, é um comunicador, que o trabalho no Estádio Diego Armando Maradona tornou famoso no país.
«Comecei a ser speaker do Nápoles há catorze anos. Tudo teve início numa sucessão feliz de acontecimentos. A primeira que fui chamado foi para substituir um amigo meu. Ele não podia ir, indicou alguns nomes e o meu era um deles. Acabei por ser chamado.»
O jogo era frente à Juventus e Daniele Bellini estava nas nuvens: habituado a ver os jogadores das bancadas, podia agora estar ao lado deles e animar os adeptos com gritos ensurdecedores.
Curiosamente o Nápoles venceu esse jogo e os responsáveis, numa região de pessoas culturalmente supersticiosas, pediram-lhe para voltar na semana a seguir.
«Desde então nunca mais saí. Entretanto o meu colega teve um diferendo com o clube, deixou a posição de speaker e eu fiquei até hoje», sublinha.
«Cada novo dia no estádio, cada novo jogo é uma emoção. Estar ali junto a 50 mil irmãos e irmãs, a comungar a mesma paixão, a gritar o nome dos jogadores e os golos é como se fosse sempre a primeira vez. Até tenho problemas em adormecer na noite anterior e acabo por acordar muitas vezes. Este ano, então, tem sido ainda pior. Sou uma pessoa muito emocional e pensar no trabalho todo que a cidade fez aos longo dos anos deixa-me demasiado elétrico.»
«Para Nápoles isto é muito mais do que futebol»
Daniele Bellini garante que não recebe nada pelo trabalho de speaker, até porque não seria capaz de cobrar dinheiro quando o clube do coração precisa dele, e que em quase uma década e meia de trabalho no estádio só não conseguiu estar em dois jogos.
«Uma vez parti a perna a jogar futebol e fui de perna engessada.»
Adianta, de resto, que espera ser speaker do Nápoles até aos 120 anos e que quando morresse gostava que a lápide dele fosse colocada em alguma parte do estádio.
«O meu filho tem seis anos, a minha filha tem oito anos e ambos adoram futebol. Adoram os jogadores e adoram que eles venham cá a casa, que estejam no meu jardim e de passar tempo com eles. Claro que vão a todos os jogos e vivem com muita felicidade esta minha função.»
Ora por isso, Daniele Bellini, como todos os napolitanos, é um homem particularmente feliz por estes dias. A conquista do título deixou a cidade em completa euforia. Na conversa com o speaker nota-se, aliás, que ele anda cansado, mas emocional: em várias alturas a voz estremece.
«Tem sido incrível. Quando jogámos em Udine, por exemplo, estavam 60 mil pessoas a ver pelos ecrãs gigantes um jogo fora de casa. Arranjámos tudo para o jogo acontecer como se fosse em casa e a atmosfera estava inacreditável. As pessoas estavam genuinamente felizes, foi um espírito de comunhão como nunca tinha vivido», acrescenta.
«Fui para casa às três da manhã e tive muitas dificuldades em conseguir adormecer. Acabei por dormir para aí duas horas e sempre a acordar. Estava demasiado feliz. Só me vinham à cabeça as emoções que percebi nos adeptos, na equipa, na cidade.»
Quatro dias antes, no lançamento do jogo com o Salernitana, Daniele Bellini desabou. A emoção foi tão grande que chorou copiosamente e deixou todo país com pele de galinha.
«Chorei por todas as dificuldades que passámos. Não é fácil o Nápoles ser campeão e a prova disso é que só aconteceu três vezes em cem anos.»
Nesse dia a euforia transformou-se em desilusão, quando a equipa de Paulo Sousa arrancou um empate que obrigou o Nápoles a adiar a festa para o jogo fora, em Udine. Mas ninguém entrou em depressão: a vantagem na liderança era tão grande que o título era uma questão de tempo.
«Somos o sul de Itália e aqui é tudo mais difícil. Provavelmente por causa das diferenças económicas, é muito complicado ao sul ganhar o que quer que seja quando está em competição com o norte. Um Scudetto do Nápoles significa tanto como dez da Juventus», refere.
«Para Nápoles isto é muito mais do que futebol. Somos uma cidade fantástica, com um potencial tremendo e com um enorme coração. Agora todas as pessoas ao redor do mundo sabem quem nós somos de verdade, como a nossa cidade é linda. O futebol e o Nápoles significam uma oportunidade rara de partilhar com o mundo a alma desta bonita cidade e destas pessoas maravilhosas.»