Para citar aquela senhora do anúncio de há uns meses, eu «ainda sou do tempo» em que chegava bem cedo ao estádio da Luz e era recebido por Eriksson (ele vinha de Cascais, mas era sempre o primeiro) no seu gabinete, para uma conversa rápida sobre o jogo europeu que estava à porta, dali por dois ou três dias.
Sentava-me, eu muito novo e preocupado, ele já muito sueco, muito educado, com uma Taça UEFA e outros títulos no bolso, uma passagem por Itália e uma incapacidade muito dele para perceber alguns dos nossos (jornalistas e adeptos) pontos de vista. Sobretudo quando o Benfica não ganhava, o que naquela altura, entre o final dos anos 80 e o princípio da última década do século XX, acontecia menos do que hoje.
Depois chegavam Toni, Eusébio, restantes treinadores e médicos, mais tarde os jogadores. Aprendia-se só de os ouvir respirar.
Se alguém estiver tentado a achar que este era o tempo em que o profissionalismo faltava e tudo era mais ou menos permitido, desiluda-se. As regras existiam e eram conhecidas de todos: treinadores, jogadores, dirigentes e, claro, jornalistas. E os problemas também, claro, como sempre existirão. E se falo no Benfica é apenas por ter sido ali, a acompanhar os treinos, que comecei.
Mais ou menos por esta altura, o F.C. Porto ensaiava os «blackouts», verdadeiros cortes com a comunicação social, que serviam apenas para criar outro «inimigo» no balneário e assim fortalecer o espírito de grupo. Porque estas coisas mudam, o Benfica é hoje o clube onde o acesso aos jogadores se tornou mais complicado, o F.C. Porto permite maior contacto com a imprensa. No meio, às vezes parecendo meio perdido, encontra-se o Sporting. Outros clubes, de menor dimensão, tendem a seguir o infeliz exemplo dos «grandes», convencidos de um gabinete de imprensa (ou lá o que é) que tudo proíbe é meio caminho andado para os três pontos ao fim de semana.
Basta ler com atenção as declarações de Deco, no «dossier» clubes-jogadores que Maisfutebol publica esta terça-feira, para perceber que também no relacionamento com a imprensa o futebol português é limitado. A generalidade dos dirigentes não sabe como e quando comunicar e prefere manter os jogadores cercados e se possível fechados a sete chaves.
No fundo, esta forma de actuar, bem como a aplicação muitas vezes autoritária de regulamentos internos de duvidosa legitimidade, acaba por ser uma confissão de culpa de quem dirige. A verdade é que a formação dos jogadores é frágil e a maioria chega aos seniores e parece incapaz de se relacionar com os jornalistas. Os responsáveis por isso são os clubes.
Os jogadores foram perdendo poder com o passar dos anos e hoje a situação de muitos é lamentável: mal preparados para comunicar, submetidos a «leis» internas que não sabem/podem contestar e incapazes de intervir numa actividade que gera milhões de euros, mas onde o número de clubes em dificuldade cresce a um ritmo preocupante.
Agora ao contrário da senhora do anúncio, não sou daqueles que acham que o futebol português de antigamente é que era. Há melhorias, sem dúvida. Mas em alguns aspectos caminhou-se ao contrário e isso não deixa de ser uma extraordinária desilusãoe um bloqueio ao crescimento. Sobretudo para os jogadores. E, claro, para quem gosta de futebol.