Enquanto navegava, descobri um interessante inquérito no site do «Estado de São Paulo», um dos maiores jornais brasileiros. Pergunta-se neste link se o jornalista deve ser amigo do jogador de futebol.
No meu tempo de jornalista de rua, todos os dias à porta dos estádios e à procura das mais recentes notícias, este era um tema com que lidava frequentemente. Lembro-me de muitas vezes descobrir o nome dos jogadores que Toni andava a negociar pelo mundo, dificultando-lhe os negócios. Apreciava muito (e ainda aprecio) as qualidades do então director desportivo do Benfica, mas gostava mais de jornalismo. Hoje, provavelmente, o assunto continua actual, entre os jornalistas que cobrem diariamente os maiores clubes portugueses: pode o jornalista ser amigo do jogador?
Mas, ao contrário do jornal brasileiro, acho que por cá a pergunta mais pertinente é outra: pode o jornalista ser amigo do assessor e do dirigente? Olhando com atenção para o trabalho de alguns dos principais jornalistas de desporto portugueses (e comentadores que passam por independentes), diria que sim. Não só eles acham que podem ser amigos, como pensam que é seu dever sê-lo. Ou pelo menos parecê-lo.

O infeliz processo do túnel da Luz, no Benfica-F.C. Porto, é apenas o mais recente exemplo.
Se o leitor segue estas coisas com cuidado sabe exactamente do que estou a falar. Se não sabe, também não serei eu a explicar-lhe. Preste atenção, descubra as diferenças. Só lhe fará bem.
Este é um tempo triste para o jornalismo de desporto em Portugal.
Pressões, amigos, bloqueios, os clubes esforçam-se por ditar as leis. Plantam notícias, limitam o acesso às fontes, mentem. Joga-se tudo e, como às vezes nos campos e não raro nos túneis, joga-se feio.
Mas este é também um tempo em que os leitores são chamados a decidir o que preferem: jornais e jornalistas domesticados e amigos, logo distantes da verdade; ou órgãos de comunicação social verdadeiramente livres, mesmo se incómodos.
Lembra-me a experiência que os leitores da informação desportiva são quase todos também adeptos de algum clube, o que por vezes dificulta a distância necessária para distinguir entre boa informação e frete para ajudar o amigo dirigente/assessor. Mesmo quando essa distância, não poucas vezes, aparece em letras gordas, nas primeiras páginas.
O facto de um projecto independente como o Maisfutebol entrar saudável no décimo ano de vida dá-me algum alento. Apesar do ar impuro que se respira no futebol português, é possível continuar a fazer bom jornalismo. Dá trabalho e algumas chatices. Mas é mais divertido do que simplesmente ser amigo, receber os mails dos assessores ou os dvds com as gravações das declarações de treinadores e jogadores, publicá-los e, triste, voltar no dia seguinte para mais umas horas de fingimento.