«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».

Adiei até ao suportável este texto. Fui encontrando razões para não escrever sobre o treinador Ruben Amorim. Coisas tolas, provavelmente.

«Deixa lá ver até onde é que a equipa vai.»

«Comunica muito bem, agora quero ver como fala depois de perder.»

«Eh pá, muito sólido este Sporting, até já ganha ao Benfica mesmo a acabar.»

«Hmmm, outra vez no fim? Isto já é estrelinha a mais.»


Bem, se preferem que eu vá direto ao assunto, vamos a isto: não escrevi até agora sobre Ruben Amorim porque tinha muitas dúvidas dentro de mim. Não sobre a capacidade dele como treinador, porque essa já me parece óbvia há meses, mas sobre até onde seria (será) capaz de conduzir este excelente Sporting.

Quero recordar-vos que cresci com um sportinguista fanático à mesa. E cedo percebi que amar o Sporting não é para todos. Amar o Sporting é como submergir num álbum de Leonard Cohen. Carregar no play, encher o coração e acabar a última música de coração pesado. Triste.

Amar o Sporting, vi-o à minha frente, é antecipar e aceitar que a mulher mais bonita é para outros. É assumir a rejeição muito antes dela surgir e, ainda assim, ir em frente. Por amor, por devoção, por acreditar que a próxima vez vai custar sempre menos.

Curar os males desportivos do Sporting não era, dizia eu, trabalho para um treinador. Muitos, tão competentes como Ruben (Leonardo Jardim, Jorge Jesus, até Domingos Paciência uns anos antes), tentaram e falharam.

O Sporting tem vivido rodeado por problemas. Diretivos, financeiros, esotéricos, enfim, um caldeirão de chatices e aborrecimentos. Antes de Ruben chegar, acreditava mais na eficácia de um psicólogo (ou de um xamã, para os mais esotéricos) do que na inteligência e empatia de um treinador.

Mudei de ideias.   

Mudei e escrevo-o agora, após dois empates consecutivos, propositadamente. Ruben Amorim superou as minhas grandes expetativas, apaziguou dores antigas, cicatrizou feridas e mostrou ao plantel profissional de futebol que o caminho da felicidade não é um atalho da treta.

Ruben transportou para o relvado a dimensão social gigantesca do clube. Sem tremeliques, sem psicoses ou neuroses, e sempre certo das suas ideias. Ruben traçou um rumo e manteve-se fiel a ele.

Mais do que isso, Ruben foi capaz de convencer toda a tripulação leonina. E não me refiro apenas a questões táticas. A influência do treinador vai muito além dos 11 que jogam e dos nove que ficam no banco.

Há uma harmonia evidente entre ele e a equipa, entre ele e os adeptos. Ruben parece-me um tipo com quem tomaria uma cerveja, ou duas, sem qualquer problema. Um tipo normal, equilibrado, com bom sentido de humor. Fiquei com essa certeza ao contar a história dele e mantenho-a.

Não sei se o Sporting vai ser campeão este ano. Sei, isso de certeza, que nenhum treinador seria capaz de fazer melhor do que Ruben Amorim está a fazer.

Ruben não é homem para se sentar no escuro e ouvir Leonard Cohen. Não é tipo para melodias sofridas, depressivas. Ruben é o treinador que liga a aparelhagem e escolhe um refrão orelhudo, alegre e triunfal, e que depois pega na rapariga mais bonita da festa para dançar.

Ruben Amorim devolveu ao mundo do Sporting a autoridade moral para sonhar. Se isto não é um título dos grandes, então passei anos a fio a ser enganado por um sportinguista à mesa.  
           
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