Às vezes partimos para um texto sem ideias. Ou quase nenhumas. Pressionados por um deadline, pelas horas a passar, com outras tantas coisas a fazer. E não é a única desculpa. Pode ser que os astros não estejam simplesmente alinhados, que é o mesmo que dizer que acordámos com os pés de fora. Ou algo parecido.

Trocamos palavras, forçamos ideias, baralhamos conceitos. Juntamos tudo nessa misturadora que usamos sobre os ombros, sabendo que, à partida, a mistela nunca ganhará um Pulitzer e ainda menos será elogiada num Masterchef. O mais provável é que dispare o F-mómetro com as F-words de um tal de Gordon, habituado a este tipo de pesadelos.

Sim, fomos nós que nos metemos nisto. Fazer vida a tentar esculpir imagens com palavras. Esperando que não sejam daquelas que implodem, mal consolidadas, em sopas de letras. Sim, fomos nós que quisemos entrar em campo, que calçámos as botas. Equipámo-nos a rigor: meias em baixo, porque dá estilo; gola em riste, à Cantona. Mas, hoje, como noutro dia igualmente cinzento, não deu certo. Tropeçámos na bola, atirámos por cima a dois metros da cal e, de certeza, iremos entrar frame a frame para o youtube. Primeiro, como curiosidade de 10 segundos sem direito à imortalidade, depois como capítulo de colectânea em contagem decrescente, que faz os outros rir à gargalhada. Como é possível? Foi. Apenas isso.

Há um culpado maior do que nós. Demos tudo tantas vezes, e quem gostou desse tudo deu-se ao trabalho de gostar. Conseguiu ligar as ideias, que fluíam, porque era um dia bom. Os melhores textos – sabem – são aqueles que se escrevem sem pausas, sem olhar para trás, sem pedir permissão à nossa consciência para deixar ali uma vírgula, umas reticências. Esses, ao nosso jeito, têm uma lógica. São puros. Só que – maldição! – há dias em que não somos bons. Ou não fomos tão bons. Por isso, escrevia o outro que

Viver Todos os Dias Cansa 

Devíamos viver só nos dias bons. Mas só se não nos perdoarem os negros.

Dizia eu – há um culpado maior do que nós para a nossa inutilidade momentânea. Os que acreditam em nós. Que acham que podemos fazer sentido todos os fins-de-semana. Parte boa da coisa, que também tem uma parte má. Se não aceitam que nos corra mal, se não tentam entender porquê, se dão um murro na mesa para toda a gente ouvir, acusando-nos de coisas como atitude e falta de profissionalismo, se acham que não somos dignos, então também eles deviam viver só de vez em quando. Mesmo que faça baixar o número de vezes em frente a uma câmara ou não aumente os níveis de popularidade. Afinal, o que é mais importante? A sua imagem ou a da equipa?

Um líder não o é só porque acha que está sempre certo. Um chicote a estalar no balneário até pode resultar aqui e ali, mas não cura feridas, e abre outras. E quantas vezes a ambição e a aplicação não são tudo? Há simplesmente falta de algo, que num dia mau ainda mais se nota.

A derrota copiosa em Guimarães fez Bruno de Carvalho estalar um chicote cheio de campainhas de alarme sobre uma equipa de peito feito, em crescimento, que até aí se sentia finalmente bem consigo própria. Não aceitou aquilo que tantas vezes se diz nas entrevistas rápidas.

Foi um dia mau…  

Bruno de Carvalho devia viver apenas nos dias bons, a cerrar os punhos no banco com os golos da sua equipa. Aparecer só nessas alturas, até para não manchar a sua popularidade – se é que o conseguimos convencer com isso. Nos outros não. Se ele viver todos os dias cansa.
 
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«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol, e é publicado de quinze em quinze dias. Pode segui-lo no   FACEBOOK  e no   TWITTER . O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.
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