Escrever uma crónica é como fazer um slalom entre pinos laranja, à espera que nenhum se arme em Gentile, ganhe dentes de predador e confunda as nossas pernas com as de Maradona. É com esse risco que avançamos para uma frase, para uma ideia e, se falharmos, se esbarrarmos com esse objeto maldito, teremos de começar tudo de novo.

Letra por letra, palavra a palavra. Esse é o risco de quem escreve, só para que saibam. E mesmo que não se mexam, que é o que geralmente se passa aos olhos de quem vê tudo tout court e não tem paciência para grandes fantasias, ainda podemos tropeçar em alguma momentânea falta de jeito ou um pensamento atravessado, e somos obrigados a culpar a bola ou o desnível no relvado para o nosso falhanço. 

Ou o árbitro, pode ser um dos pinos também!    

A culpa é sempre dos outros, já irrita…

Porque não podemos fechar os olhos e dar meia-bola-e-força, vou correr sem medo para o espaço entre pinos, sem me preocupar com a insustentável pressão de não poder falhar, de ter de me aguentar nas canetas até ao fim dessa corrida à Indiana Jones, com o chão a desabar atrás de mim e a ser engolido pelo precipício. Tudo vai correr bem. De certeza.

Se eu pudesse, se ele aceitasse, gostava que o ganda Jorge Jesus

Não sei se posso utilizar o itálico porque ele diria «Assim mesmo, é assim que eu digo»

fosse um dia convidado desta Bombonera, em que imaginamos papelinhos a cair e sonhamos com tempos passados, de um Pelusa à solta na cancha e onde já visitámos tantos outros grandes nomes do futebol.

Vestiríamos os dois camisas abertas sobre os pêlos da maioridade no peito. Mascaríamos pastilha afogada em cerveja gelada, até chegarem os tremoços e os amendoins, e já nada combinar com o rasto de açúcar na boca. Até admitiria a oxigenação se ainda tivesse cabelo para um penteado parecido, inspirado certamente em jogador da bola dos anos 90. Aí estaríamos prontos para falar sobre futebol, para discutir a nota artística e a basculação 

bas•cu•lar (francês basculer) verbo transitivo 
Fazer rodar sobre um eixo horizontal, baixando uma das extremidades para elevar a outra.  
"bascular", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/bascular

as linhas e as entrelinhas, as transições, o golpe e o contragolpe. O 4x4x2 e o 4x3x3, os triângulos e os quadrados, e as fórmulas de alquimista que transformaram números 10 e extremos em trincos e laterais. Não teria que se preocupar com nenhum bisturi esquecido dentro de um assunto, ou com alguma testemunha não chamada pelo promotor público. Seria só falar de bola, do Enzo-que-não-se-espera-perder, do Cardozo-que-teve-de-perceber-as-coisas, das patentes já registadas experimentadas na Luz

Quando o Benfica começou a fazer a pressão alta só o Barcelona o fazia…

E engolindo mais um golo gelado a custo, podíamos permitir-nos dizer, com todo o respeito

Não me lixes, Jorge, ninguém mais está a ouvir-te

Sim, não nos lixes, Jorge. Mas de tudo o resto força. Fala. Dispara aí, de uma ponta à outra, conta-nos tudo. Mesmo que seja com palavras em forma de bolo alimentar fast-food, mastigadas à pressa, a querer dizer o mesmo que as verdadeiras. O que é que isso interessa? Nunca serás Eça de Queiroz, Cesário Verde ou Fernando Pessoa...

E por que raio foste tu aprender inglês com uma brasileira? Pior só com espanhóis!

E ninguém quer que o sejas. Toda a gente já te conhece. Fala de bola. Enriquece-nos com a cultura dos subúrbios com que criaste esse futebol cru dos primeiros tempos, hoje mais refinado. Senta-te aqui, vá!

São duas imperiais, por favor!

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«Era capaz de viver na Bombonera»   é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol, e é publicado de quinze em quinze dias. Pode segui-lo no     FACEBOOK  e no     TWITTER . O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.
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