Havia poucas sensações melhores do que escolher as músicas que íamos gravar na cassete para ouvir no walkman. Cabiam umas dez ou doze, dependendo se fosse uma cassete de 60 ou 90 minutos. De fita preta ou fita castanha.
 
Nada dava mais estilo do que passear na rua com o walkman preso no cinto e os auscultadores em forma de bandolete. Uma imagem adivinhativa do que seriam os jogadores da bola anos mais tarde. Hoje, melhor dizendo.
 
As gerações mais novas nunca conhecerão a dificuldade da escolha, algo que, aliás, nem nós sabíamos: muito por causa da falta de alternativas, parecia que cabia lá tudo.
 
Nunca saberão o drama da fita que saltava e enrolava, estragando a cassete (e às vezes o walkman). A preciosa ajuda que a ponta de um lápis pode dar a puxar uns segundinhos para a frente.
 
Nunca saberão, no fundo, usar a técnica (quase) infalível do «já deve estar bom». Se num moderno iPod mudamos de música com um click, no walkman era preciso bem mais engenho. O click já lá estava, claro, mas mais áspero para baixar o botão do Fast-Forward. E depois…«já deve estar bom».
 
Era o que se dizia ou pensava. «Já deve estar bom». E carregávamos no Play. Às vezes estava. Quase nunca estava. Fosse porque era cedo ou porque era tarde.
 
O que aconteceu ao FC Porto esta temporada foi um pouco isto. Um «já deve estar bom» em forma de equipa de futebol. Como se todos os jogadores pendurassem os iPods para lembrar o velhinho walkman. A falta de hábito deu no que deu.
 
Na Choupana e no Restelo «já deve estar bom». Para não falar nos madrugadores «já deve estar bom» em Guimarães (condicionado pela arbitragem, é certo) e no Estoril.
 
Olhando apenas aos dois últimos e mais mediáticos exemplos, percebe-se que o FC Porto perdeu os pontos que lhe dariam o título. Os quatro que lhe faltaram. Em ambos, num jogo em que a vantagem esteve na mão e fugiu. Não estava bom, no fundo.
 
Faltou ordem à equipa, rasgo ao treinador, também, e a segurança de outros tempos. Mesmo correndo atrás de um rival que acabou por fugir de vez. Mas se o Benfica é um justo campeão (como não ser liderando desde a 5ª jornada?), também me parece que, ao contrário do que aconteceu no ano passado, por exemplo, este ano o rival entregou-lhe o título de mão beijada.
 
«O Benfica ganhou» faz tanto sentido este ano como «o FC Porto perdeu».
 
Por exemplo, é usual ouvir-se que Vítor Pereira não conquistou dois campeonatos no FC Porto: o Benfica é que os perdeu. Discordo em ambos.
 
Se o polémico golo de Maicon na Luz deu a volta a um cenário que já tinha sido de cinco pontos negativos, a verdade é que não foi, de todo, o jogo do título. Faltavam nove jornadas e, sublinhe-se, o FC Porto empatou em casa na seguinte. E ainda empatou mais outra vez…
 
No ano do golo de Kelvin, fica o essencial: o FC Porto foi campeão sem derrotas. Com um momento em que o talento e o improviso fizeram a sorte colorir-se de azul e branco, é certo. Mas sem sofrer qualquer desaire em 30 jogos.
 
Nesse jogo, que o Benfica teve na mão a dois tempos (primeiro em vantagem, depois em igualdade até aos 90), talvez a lição do walkman tenha sido aprendida por Jorge Jesus e companhia. Não estava bom.
 
Bom esteve na época passada e nesta.
 
O FC Porto terá de passar pelo mesmo. Até porque uma coisa é certa: aqui não dá para puxar a cassete atrás. 

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