Falhei! Não tenho outra forma de dizer isto. Não digam a mais ninguém. Fica entre nós, admito que falhei. Entre amigos posso admiti-lo. E vocês são amigos, não são? O MELHOR DO MUNDO FALHOU! O capitão da Seleção falhou! As dores não aparecem com legendas nas transmissões, nem no super-slow motion. A tendinose não é visível do lado de fora deste joelho gripado, não deixa rasto como a mordidela do Suárez. Só quem percebe disto sabe que, quando arrancava, as pernas afundavam-se. Parecia que patinava ou, pior, pareciam areias movediças a engolir-me. E quanto mais lutava mais era difícil soltar-me. O corpo não acompanhava a cabeça, essa já estava na área ainda eu chegava ao meio-campo. Mas estive cá, ou melhor, a minha sombra esteve cá. Decidi vir. Decidi tentar. Decidi continuar a tentar saciar esta sede incontrolável, que me faz ir a todos os jogos para fazer história. A minha sombra marcou um golo, mas falhou quatro ou cinco, e tudo isso frente ao Gana. Incrível como acertei várias vezes no Dauda a curta distância, quando antes bastava virar-me e atirar que os deuses protegiam-me. Bastava ter marcado mais duas três bolas e podia ter sido possível. O milagre. O milagre era possível, afinal. A equipa iria depois atrás do seu capitão. Como na Suécia. A Suécia que passou a ser referência para tudo, até para algumas desculpas. Mas lá tive dois joelhos. E agora um deles range, enferrujado. Avisa-me. Grita: cuidado! Não me vão pôr a derrota aos ombros, não me vão crucificar, eu sei. Mas vou ser a cara de tudo o que falhou. Vou ser piada de rede social, vão lembrar-se de mim sempre que a Alemanha jogar, ou os Estados Unidos ganhar. Vão atirar-me à cara cada golo do Müller, não tenho outra hipótese. E até a pulga argentina já leva quatro, e carrega a sua equipa às costas. A voz do Luís Franco-Bastos vai perseguir-me. Vai fazer eco: penso que é positivo, penso que é positivo. E não é, não foi. Vai martelar-me na cabeça, vai dar-me dores insuportáveis, que nem a memória da Décima consegue já apagar. Logo agora, fui traído pelo próprio corpo. Logo agora, no Mundial em que cheguei mais pronto. Depois de um ano inesquecível, cheio de monstruosidades. Quem falou nos três penteados? Há quem mude de botas em todos os jogos só porque sim. O barbeiro entra em campo? O capitão da Seleção falhou! Isso sim. Quando não conseguiu tocar a reunir frente à Alemanha. Quando desvalorizou o valor dos seus colegas. O joelho não desculpa a liderança. Falhei. Já o disse, que querem que diga mais ?  O melhor do mundo falhou! Mas vai passar rápido. Acreditem! Eu ainda não estou morto. E vocês conhecem-me: não há maneira de matar esta fome!

«Não crucifiquem mais o Barbosa» é um espaço de opinião/crónica da autoria de Luís Mateus, subdiretor do Maisfutebol, que aqui escreve todos os dias durante o Campeonato do Mundo.   É inspirado em Moacir Barbosa, guarda-redes do Brasil em 1950 e réu do «Maracanazo». O jornalista é também responsável pelas crónicas de «Era Capaz de Viver na Bombonera», publicadas quinzenalmente na    MFTotal. Pode segui-lo no   Twitter ou no  Facebook.



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