Antigamente, havia um anúncio dos CTT com um lema tão eficaz que ficou na memória: «Código Postal… É meio caminho andado.»
No futebol, acertar no treinador tem praticamente o mesmo efeito.
Quando confrontado com complexas teorias sobre hegemonias e infabilidade das estruturas, tendo a simplificar a discussão: um bom técnico pode fazer toda a diferença entre fazer chegar ou não «a carta a Garcia».
Não é preciso ir muito longe para encontrar o exemplo de Ivo Vieira, que transformou a sua equipa em sensação da Liga, apesar das limitações do Moreirense enquanto clube, ou de Silas, que já nem sequer tem um clube por trás, mas mesmo assim comanda um conjunto que apresenta bom futebol e resultados.
Noutro patamar, Sérgio Conceição na época passada pegou num FC Porto debaixo das contingências do fair-play financeiro e, com a prata da casa, resgatando emprestados e proscritos, formou um grupo capaz de ser campeão.
Tudo evidências.
Apesar de diferentes, não foram menores as condicionantes que marcaram a afirmação de Bruno Lage no Benfica.
Não vai há tanto tempo assim, mas recorde-se que a aposta no técnico foi tudo menos inequívoca. As hesitações foram, aliás, manifestas.
Luís Filipe Vieira estava convencido – disse-o publicamente – de que mudar de treinador a meio da época dava sempre mau resultado. Pelo que, quando mudou, deixou uma espécie de alerta: «Ainda vão ter muitas saudades de Rui Vitória.»
O afastamento de Vitória, a dois tempos, demorou mais de um mês.
Aí chegados, foram precisas duas jornadas para perceber que Lage, então ausente das conferências de imprensa, seria o treinador encarnado até ao final da época, enquanto a comunicação social ventilava hipóteses como Jorge Jesus e José Mourinho.
Já depois da mudança de treinador, no mercado de inverno, o Benfica perdeu Castillo e Ferreyra, dois reforços sonantes para o ataque chegados no início da temporada, sem contratar substitutos – apesar da tentativa por Dyego Sousa.
Pelo que, perante a assunção de que os reforços viriam da equipa B, não faltou quem visse nessa opção um indício de que o campeonato estava dado como perdido.
Em suma: foi nesta adversidade que Bruno Lage se afirmou de forma estrondosa.
Desde então, venceu nove jornadas seguidas na Liga, «ganhou» nove pontos ao FC Porto, deixando para trás o campeão nacional, que era líder desde a 8.ª jornada.
Pelo meio, o técnico viu o seu contrato melhorado.
Contudo, mais do que os resultados, o que impressiona neste novo Benfica de Lage é a personalidade que incutiu numa equipa que tem como base talentos da formação e alguns jogadores tidos quase como dispensáveis.
No clássico do último sábado, Lage apresentou no Dragão o Benfica mais destemido dos últimos tempos. Uma equipa com confiança nas ideias do treinador e estabilidade emocional, que acabou por ser premiada por isso – apesar do domínio estatístico dos dragões.
O Benfica está a consolidar o seu processo sobre vitórias e é possível que o tempo permita aos adversários encontrar o melhor antídoto para as soluções apresentadas pelo técnico.
No entanto, o momento é de dar mérito a Bruno Lage – e aos jogadores que ele transformou – pela forma como fez o Benfica reentrar na corrida pelo título, a ponto de o tornar em favorito.
Em futebol, dois meses são uma eternidade. E é possível que dentro de algum tempo alguns pontas de lança da comunicação voltem a pregar a teoria da infalibilidade, em que nenhuma decisão estrutural é tomada ao acaso.
Na verdade, sabemos que nem sempre é assim.
No futebol, acertar no treinador é meio caminho andado. Mesmo assim, tudo pode depender de feelings. É tão simples quanto isso.
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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado pela expressão criada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.