Deve ser problema meu, mas não percebo a discussão mediática sobre uma eventual saída de Sérgio Conceição. Sobretudo depois de o próprio ter garantido a continuidade e de o presidente do FC Porto também o ter feito.

Bastaria recuar três meses, até ao momento em que o treinador renovou contrato, para perceber que uma cisão faria pouco sentido.

Quando prolongou o vínculo até 2021, em vésperas do clássico decisivo frente ao Benfica, o FC Porto já havia perdido seis dos sete pontos que chegou a ter de avanço na Liga para o rival. Já havia também deixado escapar, nos penáltis, a Taça da Liga para o Sporting.

Nesse momento – aliás, já desde o início da época – Conceição sabia também que por esta altura iria perder Brahimi e Herrera a custo zero. Já sabia igualmente que Éder Militão estava vendido para o Real Madrid. E já saberia que o internacional brasileiro não seria o único a ser vendido no final da época.

O que aconteceu, então, desde 1 de março até agora para que a saída de Conceição fosse avançada por diversos canais como algo de não só possível como até provável?

Essencialmente, pouco mais do que isto: no dia seguinte à renovação de contrato, o FC Porto teve uma derrota marcante no Dragão contra o Benfica e viu o rival tornar-se no grande favorito à conquista do título, o que viria a concretizar-se.

Ainda assim, que sentido faria pôr em causa uma aposta estrutural por causa de um resultado de um jogo, por mais doloroso que este fosse?

Entretanto, três dias depois desse baque, o FC Porto eliminou a Roma, arrecadou mais dez milhões de euros em prémios e chegou aos quartos de final da Liga dos Campeões – talvez o máximo a que uma equipa portuguesa consiga aspirar nos tempos que correm –, até cair de novo aos pés do finalista Liverpool.

Aqui chegados, a época fechou com outra final perdida. De novo nos penáltis. De novo para o Sporting. De novo com uma superioridade clara do FC Porto sobre o adversário.

Foi a época do quase para os dragões. Ainda assim, há que fazer a devida ponderação.

Na temporada passada, sem contratações que fossem verdadeiros reforços, Conceição bateu o recorde de pontos na Liga: 88. Nesta época, fez apenas menos três: 85, o que seria suficiente para ganhar a esmagadora maioria dos campeonatos neste milénio.

173 pontos conquistados em 204 possíveis. No melhor barómetro em termos de regularidade competitiva, quem pode desdenhar de um registo assim?

É verdade que o FC Porto perdeu os tais sete pontos de vantagem e viu o Benfica ser campeão, graças a uma impressionante segunda volta de Bruno Lage.

No entanto, e o Liverpool de Klopp, que à 20.ª jornada da Premier League chegou a ter também sete pontos de avanço sobre o Manchester City e acabou por ver a equipa de Guardiola revalidar o título?

Alguém com bom senso pedirá a cabeça do técnico alemão, mesmo que o Liverpool não se sagre campeão europeu no próximo fim de semana?

Voltando a Conceição: este FC Porto chegou às finais da Taça da Liga e da Taça de Portugal e mostrou ser superior ao Sporting em ambas, apesar de cair nos penáltis. Este FC Porto foi a melhor das 32 equipas da fase de grupos desta edição da Liga dos Campeões (16 pontos), a melhor de sempre de uma equipa portuguesa, e terminou a campanha embolsando quase 80 milhões de euros em prémios.

Em termos desportivos, mesmo quem se arroga a verdades absolutas, que variam consoante uma bola bate um palmo acima ou abaixo, terá de se render ao relativismo quando avaliar o insucesso do final de época portista.

Há, porém, quem sustentasse dias a fio o cenário da saída num possível descontentamento de uma franja de adeptos, por menos representativa que seja.

Houve, de facto, contestação após surpreendente empate em Vila do Conde, bem como um episódio pouco recomendável no jogo seguinte, após uma goleada ao Desp. Aves.

No entanto, quem profissionalmente frequenta mais o estádio do que o estúdio, tem obrigação de sublinhar esta evidência: não há treinador que mais se identifique com a massa adepta do FC Porto do que Sérgio Conceição.

Depois da sobranceria balofa de Lopetegui, depois do estilo delicodoce e avesso a confrontos de Nuno Espírito Santo, depois de Peseiro… Conceição, surgido na adversidade, tornou-se ainda mais arrebatador para o universo portista.

O que justificaria então esta azáfama mediática, menos de três meses depois de uma renovação de contrato de livre e espontânea vontade pelas partes?

Desde logo, o facto de por cá a análise estar quase sempre ancorada num passado recente, o que torna a opinião demasiado volátil. Não se dá o devido valor à simples tarefa de pegar em dados concretos e colocá-los em perspetiva. Valoriza-se pouco as oportunidades; e a incerteza é quase sempre vista como fatalismo.

Para além disso, aplicaram-se princípios gerais a um caso concreto bastante especial. Talvez por a opinião publicada não raras vezes ter um desfasamento considerável da realidade concreta que analisa.

Ora, Conceição é sanguíneo, emotivo, corajoso, incapaz de virar a cara por mais difícil que o desafio possa parecer.

Há cerca de um ano, um seu amigo sintetizava-o na perfeição, ao explicar o que o fez voltar a Portugal, deixando para trás em França um salário muito superior e uma tarefa bem menos complicada.

«O facto de o FC Porto estar num momento difícil fascinou-o [...] Mexeu com ele. Foi o desafio que o fez regressar. Tudo o que seja confuso, ele adora.»

Quem por estes dias se dedicou a analisar o futuro de Conceição, não terá devidamente ponderado a sua personalidade. 

Quem deduziu que, num momento de dificuldade, o técnico do FC Porto abandonaria o seu posto, sustentou-se numa lógica de taticismo.

No fundo, tomaram Conceição por calculista. Ou seja, por tudo aquilo que ele não é.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado pela expressão criada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.