«Num minuto ou dois, tudo pode mudar. Foi o que nos aconteceu. Na verdade, é uma bela metáfora da vida: temos tudo e, de repente, passamos a não ter nada. Há que aceitar, seguir em frente, continuar o caminho».
Diego Simeone , treinador do At. Madrid, depois da final de Lisboa



O Real Madrid foi um campeão europeu justo?

Claro que foi: uma equipa que vence em Munique por 0-4 e faz 1-4 na final contra a grande surpresa do futebol europeu desta época, o Atlético de Madrid, só pode ser o campeão indicado.

Mas sim, as situações foram bem diferentes: na meia-final com o Bayern, o Real até nem era favorito, com as dúvidas em torno da condição física de CR7 e o conjunto alemão com a aura de invencibilidade que até parecia reforçada nesta era Guardiola.

O que é que a meia-final-em-jeito-de-final-antecipada entre Bayern e Real tinha mostrado? Que a equipa de Ancelotti será, eventualmente, a melhor do Mundo a sair para o contra-ataque (o 1-4 em Munique teve muito a ver com isso), acelerada pela velocidade e pelo talento de Di Maria, Gareth Bale e Cristiano Ronaldo.

A final de Lisboa tinha um contexto totalmente diferente. O Real Madrid passou a ser o favorito, mesmo tendo pela frente um Atleti em delírio pela conquista, uma semana antes, da Liga espanhola, em pleno Camp Nou.

Sem Arda Turan, talvez a unidade mais influente do meio-campo de Simeone, e com um Diego Costa em estado totalmente vulnerável (como foi possível, num nível de final Champions, aquela... fezada de o ter posto a titular para logo ter que sair antes dez minutos??), o Atlético partia, uma vez mais, em suposta inferioridade.

Uma semana antes, os colchoneros já haviam arrancado, de forma épica, o título ao Barça em pleno Camp Nou, já sem Turan e Diego Costa e chegando ao empate depois de estar a perder.

Mas uma análise mais cuidada à bela final da Champions na Luz ( organização top, como já começa a ser hábito nos grandes eventos internacionais realizados no nosso país), parece mostrar que Simeone já teria o «plano B» ativado. Claro que a saída de Diego Costa não terá sido propriamente forçada, mas o modo como Adrian entra tão bem no jogo até dava a entender que... quase tinha sido titular.

Mais ou menos prevista aquela cena inusitada com Diego Costa, a verdade é que o Atlético conseguiu mostrar durante uma boa parte da final espanhola da Luz, quase tudo do que a tornou uma equipa especial, diferente de todas as outras, em 13/14: uma alma e um coração do tamanho do Mundo; uma capacidade improvável de ser capaz de continuar a responder, mesmo perdendo as suas duas melhores unidades; aproveitamento da «oferta» do adversário (Casillas a sair da baliza no golo de Godin).

Só que, desta vez, não chegou e terá havido um... deslize perfeitamente humano do Atlético de Madrid nessa falha.

Até metade de segunda parte, o Real não estava a mostrar assim tanta capacidade para dar a volta à situação. Começava a pairar, até, um cenário de época... fabulosa do Atleti, a agarrar Champions ao Real e Liga espanhola ao Barça, em duas «finais» seguidas.

Mas os jogadores de Simeone terão começado a pensar cedo de mais nesse cenário de sonho.

Recuaram, convidaram o Real a tentar o massacre, mesmo em fase em que os merengues não denotavam assim tanta capacidade para disparar a artilharia ( Ronaldo claramente em défice físico, ainda que sempre com aquela vontade que faz dele o campeão dos campeões, esteja como estiver fisicamente).

Com uma substituição queimada antes dos dez minutos, Simeone ficou em desvantagem perante Ancelotti na fase decisiva do jogo. E as entradas de Isco (bem mais transportador de jogo do que até então tinha sido Khedira) e sobretudo Marcelo (um dos heróis do Madrid na final) deram um novo élan ao Real.

É claro que, se simplificarmos as coisas, Simeone esteve mesmo a um minuto e alguns segundos da glória total. Mas porque haveria um golo aos 93 valer menos ou ter menos significado que um golo aos 55, 70 ou 80?

No geral dos 90+5 regulamentares, o 1-1 é um resultado justíssimo. E a junção do efeito psicológico com a quebra física foi fatal para o Atleti no prolongamento. O 4-1 é enganador, obviamente: mas concede, no mínimo, ao Real o estatuto de... campeão incontestado.

Com CR7 em modo poupança (mas, mesmo assim, útil), há na minha quatro nomes a destacar na final que deu a Décima ao Real: Di Maria, que jogaço!; Sergio Ramos, pela frieza com que cabeceou para a última oportunidade que o Real tinha de não cair no tempo regulamentar; Marcelo, entrada decisiva, a dar velocidade ao flanco esquerdo e mesmo no miolo; Bale, que mesmo com a pontaria desafinada, meteu o turbo e fez desequilíbrios e acabou por marcar, com brilho o 2-1, de cabeça.

O Real está de volta e isso é bom para o futebol europeu. Quanto ao Atlético, bem, um título espanhol e a ganhar 1-0 aos 93 na final da Champions, está tudo dito, não?


«Nem de propósito» é uma rubrica de opinião e análise da autoria do jornalista Germano Almeida. Sobre futebol (português e internacional) e às vezes sobre outros temas. Hoje em dia, tudo tem a ver com tudo, não é o que dizem?