O Benfica foi muito claro sobre as perspectivas futuras do clube. E não, não estou a falar da primeira página de «A Bola», esta quinta-feira. Pelo menos por enquanto ainda não estou. Refiro-me ao Relatório e Contas de 31 de outubro deste ano, ali pela página 28 (pode ir por este link).

No documento, os responsáveis explicam que o «enquadramento económico» irá condicionar a atividade do clube. Acresce a crescente limitação das parcerias com fundos, já existente em diversos mercados e prometida pela UEFA. Tudo somado, anuncia o Relatório, o Benfica terá de repensar a aquisição de jogadores «da Europa e da América do Sul» e olhar para o investimento na Formação como algo cada vez mais importante. «A época de 2014/2015 representa uma nova etapa na potenciação dos atletas, e, em especial, naqueles que melhores perspectivas têm de chegar ao futebol profissional, sobretudo dentro da Equipa A do Benfica. A aposta nestes jovens talentos permitirá combinar a redução de alguns investimentos com a geração de receitas adicionais», promete-se na apresentação de contas.

A temporada 2014/15 está quase a chegar a meio e a aposta nos «jovens talentos» é escassa, para dizer o mínimo. Talisca é novo e é uma revelação, sim, mas foi criado no Brasil. E Cristante chegou da escola do Milan. O mais parecido (e eu disse parecido...) com alguém vagamente formado no Benfica continua a ser André Almeida. E sim, eu sei que ele chegou à Luz já crescidinho, depois de formado no Belenenses.

Talvez não seja ousado admitir que Jorge Jesus não lê o Relatório e Contas, o que se compreende. É leitura enfadonha. Mas de facto o Relatório e Contas diz uma coisa e a realidade grita outra bem diferente. Talvez por isso, desta vez Luís Filipe Vieira fez algo com impacto: abriu as portas do Seixal a diversos jornalistas de «A Bola», para mostrar obra. 



O objetivo não é demonstrar que o presidente «encarnado» é capaz de construir. Isso já todos sabemos, ninguém discute. A ideia é diferente, logo enunciada na primeira página: «O futuro do Benfica está no regresso às origens».

Claro que este discurso do presidente do Benfica é apenas isso mesmo, um discurso. Comunicação. Pretende ganhar uns meses. O Relatório fala em 2014/15. O presidente já aponta para o futuro.



Nas páginas interiores, o jornal enumera as pessoas que participaram na visita guiada, além do presidente. Há diretores vários, um fisiologista e treinadores das camadas jovens. Só falta o treinador principal, Jorge Jesus. Fica também uma promessa de Vieira: para o ano haverá «quatro ou cinco jogadores da formação no plantel principal, é irreversível». 

Se falo em Jesus é por quatro razões: 

1) Até ver, os plantéis são construídos pelos treinadores (evidentemente em relação com os dirigentes) e as oportunidades são dadas por quem treina, não por quem dirige

2) em janeiro deste ano, Jesus disse o seguinte: «Em dois, três anos o Benfica terá um punhado de jogadores do Seixal». Já se queimou uma época e todos sabemos o que aconteceu: uns foram vendidos, outros foram emprestados. No plantel, nada.

3) Jesus poderá ter muitas qualidades, mas extrair ouro da formação do Benfica não é uma delas (basta ver estes números, não é?)

4) Por que também li «O Jogo», fiquei a saber que «Vieira força Jesus a mudar». E, mais, o presidente vai impor ao treinador «presença forte da formação no plantel principal».

Após a leitura cruzada dos dois jornais, sobra uma dúvida, pelo menos para mim: já avisaram Jesus ou a ausência nas fotografias é um sinal?

NOTA: eu sei que o presidente do Benfica está a pensar no regresso às origens e na formação só daqui por uns tempos. E é disso que tratam as páginas 2 e 3, onde o sol brilha e os amanhãs cantam. Mas não deixa de ser curioso o contraste com a realidade, logo ali na página 4, onde se noticia que mais um jovem está a caminho do exílio. Talvez por Jesus ainda mandar alguma coisa e o jovem Nelson Oliveira, internacional A, ter merecido a espantosa oportunidade de competir 12 minutos na Taça de Portugal, frente ao Sporting da Covilhã.